A Copa de 1978, Argentina!

Uma emissora da TV a cabo promoveu um evento em que vários jornalistas destacaram suas “Copa do Mundo” mais marcante. Eu, enquanto me preocupo com os acontecimentos da Ucrânia, Criméia e Rússia e fico curioso com o desfecho da crise na Venezuela do saudoso Chaves, temas que infelizmente não fazem parte de minha pauta aqui, fico com a lembrança da Copa da Argentina.

Foi a primeira copa que eu entendi e consegui acompanhar pois a minha condição de adolescente que já trabalhava, me permitia acompanhar os jogos, aliás todos os jogos, já que ocorriam sempre as tardes daquele mês de junho, frio no país platino.

Antes de mais nada o clima que cercou o evento transcendia e muito os aspectos futebolístico. A sanguinária Ditadura Militar, encabeçada pelo verdugo Videla, era mais debatido nos meios esportivos do que as questões relativas a preparação das seleções. E naquele período também o Brasil vivia sob o tacão de uma ditadura militar que alias durava bem mais tempo do que a Argentina.

Por essa razão, acredito que na minha curiosidade adolescente eu ficava mais atento a uma possível ação do povo ou torcedores ou alguma coisa que aproveitasse o momento para quem sabe acabar com aquela situação “política”. Mas embora isso me aguçasse, nada ocorreu de anormal aparentemente. Alguns países ameaçaram boicotes e até dizem que o astro holandês Johan Cruijff , melhor jogador da Copa de 1974, se negou a ir. Mas eu desconfio que não foi por conta da situação política. Eu “comprei” sem nenhuma ressalva a ideia de que o país vivia uma brutal ditadura imposta pelos militares( o que era verdade) que viram na organização do torneio a oportunidade ideal para popularizar o regime e promover a distração nacional dos problemas políticos e econômicos. Uma autentica política de “pão e circo”.

Mas foi só a bola rolar que eu inconscientemente embora momentaneamente esqueci as minhas convicções políticas. Pelos menos durantes os 90 minutos de cada partida. E olhe que eu assisti todas. Eu disse todos os jogos!

Se bem que duas coisas me chamaram a atenção: O fato da seleção anfitriã jogar todas as suas partidas em Buenos Aires enquanto as outras rodavam kilometros e kilometros pelo país afora. E também vi que os estádios e gramados foram entregues tão em cima da hora, mas tão em cima da hora que era normal ver partes inteiras dos blocos de gramas se descolarem dos chãos enquanto atletas assustados tentavam recolocar o “assoalho”.

Mas o futebol mesmo foi fraco. Na 1ª fase eu vi a Alemanha Ocidental despir-se melancolicamente de seu manto de campeã do Mundo, enfrentando em seu grupo a Polônia do eterno Lato, ponta direita ,que atormentou o Brasil quatro anos antes, que ficou em 1º neste grupo que tinha ainda o sempre encardido México que levou um sacode da Tunísia, por 3×0 primeira vitória de uma equipe africana em Copas. Ao fim a Alemanha, empatados em números de gols e de pontos com a Polônia, perdeu pra esta a colocação pelo saldo negativo de gols.

A Holanda, sem Rinus Michele e Cruijff, não era a mesma e também teve dificuldades em se classificar. Venceu o fraco Irã por 3 a 0, depois empatou com o Peru em 0 a 0 e perdeu da Escocia por 3 a 2. O Peru foi a grande sensação do grupo, com seu futebol clássico e técnico, que tinha Teofilo Cubillas como seu principal artífice. Venceu, ainda na primeira fase, a Escócia por 3 a 1 e goleou o Irã por 4 a 1.

No grupo do Brasil, outro drama pós-70. A seleção canarinho, perdida em meio as inovadoras orientações táticas do técnico Cláudio Coutinho, não empolgava. O time era lento, apático e não se encontrava. Possuía dois jogadores da verdadeira linhagem de camisas 10, Zico e Rivellino (tricampeão em 1970), mas nenhum dos dois brilhou. No primeiro jogo, o Brasil empatou com a Suécia por 1 x 1. Neste jogo uma curiosidade: no último lance do jogo, há um escanteio a favor do Brasil. A bola é centrada na área e Zico marca um gol de cabeça. Mas o árbitro galês Clive Thomas anulou o gol, argumentando que encerrou o jogo com a bola no ar, após o córner. O Brasil ainda empatou com a Espanha em 0 a 0. E só se classificou ao vencer a Áustria no terceiro jogo, 1 x 0, gol de Roberto Dinamite( que substituiu o machucado Reinaldo). Mesmo com a derrota, a Áustria, que vencera os dois primeiros jogos, ficou com a outra vaga.

. No grupo da Argentina, a Itália roubou a cena da imprensa mundial pois venceu os seus três jogos da primeira fase. Com um gol de Bettega, despachou os donos da casa, 1 x 0. Era a geração de Paolo Rossi, Conti, Scirea, que seria campeã na Copa seguinte, começando a brilhar. A Argentina venceu Hungria e França, ambas por 2 x 1 e ficou com a segunda vaga. O Excelente time francês não levou sorte e acabou eliminado. Craques como Rocheteau, Michel Platini, Tigana e Six protagonizaram a maior injustiça de uma copa depois do Brasil em 1982. Mas brilhariam ainda mais quatro anos depois (Marques, Armando – 2002 – "Todas as Copas do Mundo"). Tigana era um fenômeno, hábil, rápido, técnico e objetivo me fascinou com seu belo futebol e sua simplicidade. Baita jogador.

Foram para a segunda fase: Argentina, Peru, Brasil e Polônia no Grupo A e Alemanha, Itália, Países Baixos e Áustria no grupo B.

Na segunda fase, a "Laranja Mecânica" reencontrou seu melhor futebol e embalou na Copa: goleou a Áustria por 5 x 1; empatou com a Alemanha Ocidental em 2 x 2 e ganhou da favorita Itália 2 x 1, conseguindo uma vaga para a final.

No grupo de Brasil e Argentina, ocorreu o que foi dito pela mídia a época(eu não concordo) maior escândalo da história das Copas. O Brasil, modificado com as entradas de Rodrigues Neto, Jorge Mendonça e Roberto Dinamite nos lugares de Edinho, Zico e Reinaldo, se recuperou da apatia da 1ª fase e venceu o Peru por 3 a 0. A Argentina passou pela Polônia por 2 a 0. Em Rosário, argentinos e brasileiros duelaram numa verdadeira batalha, mas o jogo ficou no 0 a 0. Foi jogo nervoso, pois Coutinho escalou o jogador Chicão (falecido em 2008) para intimidar os argentinos com um jogo duro e de marcação. Mas este empate seria fatal para o Brasil. Na última rodada, a equipe venceu tranquilamente a Polônia por 3 a 1. Com este resultado, restava à Argentina vencer o Peru por 4 gols de diferença. Uma vantagem considerável, pois desde que César Menotti se tornara técnico da seleção, os alvi-celestes jamais tinham vencido um jogo por mais de 3 gols. O Peru, aparentemente, abriu mão do direito de jogar, e levou suspeitíssimos 6 a 0. Uma curiosidade: o goleiro peruano, Ramon Quiroga, era argentino de nascimento, e falhou em vários gols.

Ao Brasil, restou vencer a Itália na decisão de 3º lugar com um golaço de Nelinho, onde a bola fez uma curva improvável e surpreendeu o experiente goleiro Dino Zoff. O outro gol foi marcado por Dirceu, o grande destaque verde-amarelo no torneio.

Na grande final, num Estádio Monumental de Nuñez lotado, os donos da casa queriam a revanche de 1974 e o título em 78! A Argentina pressiona e Mario Kempes abre o placar. Os holandeses empatam com um belo gol de cabeça de Dirk Nanninga. Aos 45 do segundo tempo, um susto para os argentinos: Rensenbrink acerta a trave de Fillol, para alívio geral nas arquibancadas. Na prorrogação, a Argentina atropela os Laranjas com dois gols – Kempes, de novo, e Bertoni, vingando a derrota de 4 x 0 sofrida na Copa de 74. Para encerrar o controvertido certame, o emblemático Coutinho, treinador da seleção brasileira, soltou mais um de seus malabarismos linguísticos: "Nós somos os campeões morais desta Copa!". Todavia, o título real ficou mesmo com a Argentina.

E como vimos os militares continuaram no poder por mais alguns longos anos até a inexplicável “guerra das Malvinas” e eu fiquei feliz com o futebol jogado na fase final desta Copa que mesmo sendo os argentinos nossos rivais futebolísticos eu torci por eles. O Futebol de Fillol, Tarantine, Passarela,Galego,Alonso, Ortiz,Luke e o excepcional Mário Kempes me impressionou e mereceram aquele titulo mesmo sem Maradona que com 17 anos foi preterido, felizmente para o Brasil, pelo míope Cesar Menotti.

Assim foi a Copa que marcou minha vida, adolescente e amante de futebol, foi neste torneio que eu me decidi a ser jogador de futebol o que obviamente não consegui e… Bem isso é assunto para outro artigo.

Segue aqui algumas curiosidades da Copa que marcou minha memória e jovem vida:

· Pela primeira vez, as seleções ostentaram o logotipo do fabricante no uniforme.

· Foi a primeira Copa em que a Argentina usou o escudo da AFA, Associação de Futebol Argentino no uniforme, nas Copas anteriores a camisa albiceleste estava sem o devido escudo.

· Foi a última Copa em que 16 seleções participariam da fase final. A partir do Mundial da Espanha, em 1982, seriam 24 seleções.

· O Brasil utilizou dezessete dos 22 jogadores inscritos. Apenas quatro disputaram todos os jogos completos: Leão, Oscar, Amaral e Batista.

· Para disputar suas sete partidas, o Brasil percorreu 4.659 quilômetros pela Argentina. Já a Argentina percorreu apenas 618.

· A Seleção Francesa tentou, sem êxito, boicotar a sua ida a Copa em resposta ao assassinato de freiras francesas por parte do Regime Militar.

· Na decisão entre as seleções da Argentina e Holanda, um torcedor de 49 anos sofreu um ataque cardíaco no momento em que atacante neerlandês Rob Rensenbrink acertara a trave do goleiro argentino Ubaldo Fillol, porém foi socorrido a tempo de festejar a conquista inédita do título.

· Os holandeses viraram de costas para o sanguinário ditador Jorge Rafael Videla na hora de receberem as suas medalhas de prata.

· Esta Copa protagonizou o segundo escândalo de doping da história do torneio. O meia escocês Johnstone foi flagrado nos exames antidoping na partida em que sua seleção foi derrotada pelo Peru por 3×1. Johnstone, após o anúncio do doping, e de seu desligamento da delegação, fez as malas, e voltou para casa mais cedo. Depois do episódio, ele nunca mais foi convocado pela Escócia em competições internacionais.

· No jogo Brasil e Suécia na 1ª fase, o jogo estava empatado em 1×1 até os acréscimos no final da partida, quando houve um escanteio a favor do Brasil. Quando o escanteio foi cobrado, o meia brasileiro Zico subiu de cabeça, e marcou o que seria o gol da vitória brasileira. Estranhamente, o juiz galês Clive Thomas encerrou o jogo, para desespero do time brasileiro. Sua alegação foi que ele terminara o jogo com a bola no ar. O time brasileiro entrou com duas representações contra o juiz na Comissão de Arbitragem e no Comitê Disciplinar da FIFA. O juiz foi afastado, e nunca mais apitaria uma partida de Copa.

· Eliminadas na primeira fase, as seleções da França e da Hungria proporcionaram um verdadeiro papelão, sendo que a França, em protesto contra as más arbitragens, entrou também de camisa branca, pois a mesma estava sorteada para os húngaros, o árbitro do jogo, o brasileiro Arnaldo César Coelho, se recusava a começar a partida, enquanto a questão dos uniformes não estivesse resolvida, os jogadores da França acabaram sendo obrigados a jogarem com uniformes verdes listrado de branco, cedidos as pressas por um time amador, o Kimberley, os franceses venceram por 3×1.

· O jornal inglês Sunday Times denunciou que os argentinos estavam fraudando os testes antidoping. Diziam que a urina para os exames após cada partida não era fornecida pelos jogadores, que inferiam fortes doses de anfetaminas. Um homem teria sido contratado só para urinar.

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