A explosão eleitoral comunista nos anos 40

A eleição para assembléia nacional constituinte


No dia 13 de novembro de 1945 o Partido Comunista do Brasil (PCB) divulgou o seu programa para a eleição da Assembléia Nacional Constituinte.

Nele constava: “direito do povo “cassar a qualquer momento o mandato de seus representantes”; “ voto aos analfabetos, soldados e marinheiros”; “igualdade de direitos sem distinção de sexos, de religião, de raça e de nacionalidade”; “liberdade para todas religiões e o ensino público efetivamente laico”; “juizes eleitos pelo povo e a justiça como serviço público e gratuito”; “poder executivo exercido por um Conselho de Ministro sob o controle de uma Assembléia de Representantes (…) a ela cabendo eleger o Presidente da República, sem poderes superiores ao dela”; “forças armadas submetidas à autoridade suprema da Assembléia de Representantes”; “distribuição gratuita aos camponeses sem terra, das grandes propriedades mal utilizadas, abandonadas e devolutas”; “nacionalização dos trustes e monopólios que pelo poderio econômico possam (…) ameaçar a independência nacional”.


 



Poucos dias depois, o PCB lançou o engenheiro Yedo Fiuza como candidato à presidência da República. Ele concorreria com dois candidatos militares: o Marechal Dutra e o Brigadeiro Eduardo Gomes. Por isso, no seu manifesto eleitoral, os comunistas afirmariam: “Como Partido do proletariado e do povo, não podíamos concordar com as duas candidaturas militares que hoje disputam os sufrágios da Nação. O dilema Brigadeiro-Dutra não interessa ao povo (…) São candidaturas reacionárias que não asseguram de forma alguma a tranqüilidade e a atmosfera de confiança que tanto almeja a Nação. Ainda há poucos dias vimos como à sombra dos mais tolos pretextos os dois candidatos militares se uniram com os mais ferrenhos inimigos do povo para um golpe armado contra o governo constituído (…) o depunham porque dava passos cada vez mais acentuados no caminho da democracia”. Esta era uma referência à destituição de Vargas promovida pela cúpula militar, com o apoio das correntes liberais.


 



Fiuza havia sido prefeito de Petrópolis e diretor do Departamento de Águas e Esgotos da Prefeitura do Rio de Janeiro. A própria indicação de um técnico pouco conhecido, e não comunista, para candidato à presidência da República estava ligada à tática do PCB de não criar qualquer perturbação nos meios políticos, que pudesse dar margem para novas manobras golpistas da direita.


 



Em entrevista recente, o dirigente comunista João Amazonas afirmou que “Yedo Fiuza era um homem de Getúlio (…) Prestes imaginava que através dele poderia atrair o apoio de massa do Getúlio para o candidato do Partido (…)”. Mas, poucos dias antes da eleição, Vargas desceu do muro e declarou seu apoio à candidatura do General Dutra, frustrando os planos de Prestes. 


 


Mesmo assim o Partido Comunista teve uma expressiva votação. O seu candidato à presidência da República conquistou 569 mil votos, o que representava cerca de 10% do eleitorado. Prestes se elegeu senador pelo Distrito Federal. O Partido ainda elegeu 14 deputados federais. Entre os eleitos estavam: João Amazonas, Maurício Grabóis, Joaquim Batista Neto, José Maria Crispim, Osvaldo Pacheco, Jorge Amado, Milton Cayres de Brito; Gregório Bezerra, Agostinho Dias de Oliveira; Alcedo Coutinho, Claudino José da Silva, Alcides Sabença, Carlos Marighela e Abílio Fernandes.


 



Em janeiro de 1946 a direção nacional do PCB divulgou um documento no qual afirmava: “Pelos resultados divulgados do pleito presidencial, está claramente assegurada a vitória do candidato (…) General Eurico Gaspar Dutra (…) não temos dúvidas quanto ao caráter tremendamente reacionário das forças políticas agrupadas por trás da força vencedora. O próprio candidato é perfeitamente conhecido pela sua persistente solidariedade à mais negra reação do último decênio, esteio principal que foi da ditadura de 10 de Novembro (…)”. De fato, como suspeitavam os comunistas, o governo Dutra seria uma dos mais autoritários da nossa história.


 



Após a promulgação da nova Constituição, ocorrida em setembro de 1946, os comunistas se lançaram na campanha eleitoral para os governos e constituintes estaduais, eleições que ocorreram em janeiro de 1947. Nestas, o Partido Comunista obteve uma nova e expressiva vitória, elegendo 46 deputados em quinze estados e no Distrito Federal.


 



Nas eleições para as assembléias estaduais os comunistas elegeram 46 deputados em quinze Estados e no Distrito Federal. Em São Paulo elegeu 11 deputados, em Pernambuco, 9; no Rio de Janeiro, 6; Rio Grande do Sul, 3.


 



Na eleição suplementar para a Câmara Federal, realizada em São Paulo, foram eleitos ainda os dirigentes comunistas Pedro Pomar e Diógenes Arruda. Eles foram eleitos pela legenda do pequeno Partido Social Trabalhista. A bancada federal comunista passou a ter 16 deputados e um senador.


 


 


O fechamento do partido e as eleições estaduais de 1947


 


A mudança da situação internacional, com o crescimento da chamada guerra fria, trouxe reflexos negativos para a situação política nacional. Neste período aumentou a ofensiva conservadora contra o movimento operário e popular, particularmente contra os comunistas.  Cresceram as provocações da reação contra o PC do Brasil.


 



No início de abril de 1946, o governo proibiu os comícios pró-constituição democrática. No dia 1º de maio foram proibidas manifestações em quase todo território nacional, mas em Recife o PCB decidiu desacatar a ordem policial e organizou uma grande manifestação pública com a presença de Prestes.


 



O clímax da violência policial ocorreu no dia 23 de maio, quando uma manifestação pró-PCB realizada no Largo Carioca, foi duramente reprimida. Centenas de pessoas ficaram feridas e cerca de cinqüenta foram presas. A repressão ao comício foi ordenada pelo próprio presidente da República. Nova repressão um comício na Esplanada do Castelo ocasionou a morte da comunista Zélia Magalhães. Ela seria a primeira de uma série de militantes abatidos durante o governo Dutra.
No final de agosto os estudantes do antigo Distrito Federal organizaram uma manifestação contra o custo de vida. O movimento acabou se degenerando em quebra-quebra, que foi assistido calmamente pela polícia. Suspeitou-se, então, que o conflito teria sido provocado por agentes infiltrados naquela manifestação. Sem perder tempo, o chefe de polícia acusou os comunistas pelo ocorrido. Era a senha para a deflagração de nova onda de repressão.


 



A sede do Partido foi fechada e vários de seus dirigentes presos. O jornalista comunista Amarílio Vasconcelos foi alvejado quando resistiu a uma tentativa de prisão. A polícia tentou invadir a casa de Prestes, Pomar e Amazonas. A casa de Marighella chegou a ser invadida e ali foram presas várias pessoas. Criava-se o clima para a cassação do registro do Partido. 


 



Uma das principais justificativa para a cassação foi o conteúdo de uma declaração dada por Prestes numa palestra. Na ocasião, ele foi surpreendido com uma pergunta: Qual seria a posição dos comunistas caso o Brasil entrasse em guerra contra URSS? Prestes respondeu sem vacilar: “Faríamos como o povo da Resistência Francesa, o povo italiano, que se ergueram contra Petain e Mussolini. Combateríamos uma guerra imperialista contra a URSS e empunharíamos armas para fazer resistência em nossa Pátria, contra um governo desses, retrógrado, que quisesse a volta do fascismo. Se algum Governo cometesse esse crime, nós, comunistas, lutaríamos pela transformação da guerra imperialista em guerra de libertação nacional”. Levantou-se uma grita reacionária contra tal declaração.


 



O deputado Barreto Pinto e advogado Himalaia Virgulino, ex-procurador do Tribunal de Segurança Nacional, entraram, em março de 1946, com uma denúncia no Tribunal Superior Eleitoral contra o PCB, afirmando que ele seria uma organização internacional orientada pela URSS.
Mais tarde em uma diligência na sede do Partido foram encontradas cópias de um projeto de reforma do estatuto partidário. Surgiu então a tese de que o PCB teria dois estatutos. Um formal (de fachada), registrado no cartório e no tribunal, e outro não registrado (ilegal), que, de fato, regeria a vida da organização.


 



A partir de argumentos esdrúxulos como estes, no dia 7 de maio de 1947, o Tribunal Superior Eleitoral, por 3 votos contra 2, decidiu pela cassação do registro do Partido Comunista do Brasil. No dia 10 de maio o Ministro da Justiça determinou o encerramento de suas atividades em todo território nacional. Imediatamente as sedes foram invadidas e fechadas pela polícia.


 



Apesar da grave derrota política que havia sofrido, o Partido Comunista ainda mostraria sua força eleitoral nas eleições municipais que se seguiriam.


 


 


Eleições para câmaras municipais em 1947


 


Nas eleições para as câmaras de vereadores e prefeitos, realizadas no final de 1947, o desempenho do Partido Comunista foi ainda mais surpreendente, tendo em conta que estava na ilegalidade e sofrendo crescente repressão. Foi destacada a sua participação eleitoral nos principais centros operários do país.


 



Após a cassação do registro do PCB, os comunistas paulistas fizeram um acordo político com a direção do pequeno Partido Social-Trabalhista (PST). Assim, os “candidatos de Prestes”, como eram chamados, puderam disputar a eleição através daquela legenda.


 



Na cidade de Santo André, os comunistas numa atitude ousada lançaram o deputado Armando Mazzo para disputa da prefeitura. No entanto, após o registro dos candidatos comunistas, o diretório nacional do PST – pressionado por Dutra – interveio no diretório paulista na tentativa de impedir que os comunistas pudessem concorrer. O TRE aceitou a destituição do diretório estadual, mas manteve as candidaturas que já haviam sido registradas.


 


 


Em 9 de novembro Armando Mazzo foi eleito prefeito com 6.483 votos, o que representava 33% da votação geral. Os comunistas elegeram também uma bancada de 13 veeadores numa câmara que existiam 31 cadeiras. No dia 1º de dezembro, todos receberam os diplomas que certificavam a vitória eleitoral.


 



 Os setores conservadores, através dos diretórios do Partido Democrata-Cristão e do Partido Social Progressista, entraram com novo recurso no TRE, argumentando que era inconcebível que “um governo (…) no coração do parque industrial paulista fosse entregue aos comunistas”.  O TRE reconheceu a vitória dos comunistas, mas a decisão final coube ao TSE.  Menos de 24 horas antes da posse, o TSE decidiu pela anulação de todos os votos conseguidos pelo PST. Este foi um verdadeiro golpe branco do poder judiciário.


 



O brasilianista John French descreveu assim aquele acontecimento: “Ao despertar no dia 1º de janeiro de 1948, os habitantes de Santo André deram com o centro da cidade ocupado pelos soldados e cavalaria da força pública estadual, enquanto policiais com cães patrulham as ruas. Caminhões de água com mangueiras estavam colocados em pontos estratégicos e a multidão, que se agrupava para uma passeata de protesto até o local, foi dispersada. Com a exaltação dos ânimos a área central da cidade logo se transformou num campo de batalha onde os que protestavam foram agredidos e presos, pedras foram jogadas e golpes trocados com a polícia perto de três horas”.


 



Na cidade de São Paulo os comunistas elegeram 15 vereadores, conquistando assim a maior bancada da Câmara Municipal. Mas, no último dia de 1947, todos foram impedidos de tomar posse e, em seguida, tiveram seus mandatos cassados. As razões alegadas foram as mesmas que as utilizadas em Santo André.


 



Em Santos os comunistas elegeram 14 vereadores numa câmara de 35 cadeiras. O Partido também lançou seus candidatos pelo Partido Social Trabalhista. Mas, ali eles tiveram mais sorte e não foram cassados. Não seriam cassados também os quatro vereadores comunistas eleitos para a Câmara Municipal de Campinas.


 



Os comunistas tiveram também uma grande vitória na capital da República elegendo 18 vereadores. Em Recife os comunistas lançaram Gregório Bezerra para prefeito. Mas, foi aprovado a toque de caixa na Câmara dos Deputados uma lei que acabava com a autonomia de várias cidades como Recife, São Paulo, Santos e Distrito Federal, que passariam a ter o seu prefeito indicado pelo governador e presidente da República.


 


 
Esta foi a maneira encontrada para impedir que candidatos comunistas pudessem vencer eleições em municípios estratégicos.  Os comunistas de Recife não puderam eleger o prefeito, mas garantiram 12 vereadores numa câmara de 25 assentos e em Olinda, também, fizeram a maior bancada.


 



Na cidade de Jaboatão, centro ferroviário em Pernambuco, o médico comunista Manoel Rodrigues Calheiros se elegeu prefeito. Este foi o primeiro prefeito comunista que tomou posse no Brasil. Por isso, a cidade ficou conhecida como “moscouzinha” brasileira. Os jornais da época dão conta que a condição de prefeito não lhe deu imunidade contra o arbítrio do governo Dutra. O prefeito comunista foi preso várias vezes, porém não consta que tenha sido cassado.


 



Não foram apenas nestas cidades que os comunistas tiveram vitórias eleitorais. Esta situação se reproduziu em todos os cantos do país. Em Fortaleza, o PCB elegeu 8 vereadores.  Na cidade operária de Nova Lima em Minas Gerais, elegeu o vice-prefeito e quatro vereadores, sendo que dois deles foram os mais votados.


 


A cassação dos mandatos comunistas e início da clandestinidade


 


O Partido havia se recusado a mobilizar as massas contra o processo de cassação do seu registro. Acreditava que qualquer manifestação pudesse fortalecer as teses dos seus adversários que afirmavam que o Partido Comunista pretendia derrubar o regime constituído. A direção escolheu como campo de batalha preferencial o Parlamento e o Judiciário. Apenas em 18 de junho, sentindo a real ameaça de cassação e o esgotamento da tática anterior, os comunistas realizaram um grande comício no Vale do Anhangabaú em São Paulo contra a cassação do registro do Partido e a ação movida contra os seus parlamentares.


 



No dia 21 de outubro a Tribuna Popular foi invadida e depredada pela polícia, os funcionários resistiram e acabaram sendo feridos. No mesmo dia o governo rompeu relações diplomáticas com a URSS. Em 24 de outubro realizou-se uma grande manifestação anticomunista de apoio à decisão do governo. Agora era a direita que tomava as ruas da capital da República.  Em 27 de outubro de 1947 o Senado aprovou o projeto de cassação dos mandatos comunistas e o enviou à Câmara dos Deputados.


 



Em novembro os comunistas, embora alterassem a sua posição em relação ao caráter do governo Dutra — que passava a ser definido como uma “ditadura terrorista” —, continuavam tendo ilusões quanto à correlação de forças existente no país. Para Marighella o governo “fascista” de Dutra estava completamente isolado e não contava nem com o “apoio do partido que o levou ao poder” e concluiu incisivo: “o grupo fascista pensou eliminar o Partido Comunista, cassando-lhe o registro eleitoral, mas hoje nos achamos em pleno caminho da legalidade”.


 



No entanto, no dia 10 de janeiro de 1948, o projeto de cassação dos mandatos foi aprovado na Câmara dos Deputados por uma tranqüila maioria de 179 votos contra 74.  Encerrava-se assim mais uma fase da vida do Partido Comunista do Brasil, que começava o seu mergulho na clandestinidade da qual só sairia quase uma década depois.


 


Bibliografia


PCB


BRAGA, Sérgio Soares (1997) “A bancada comunista na Assembléia Constituinte de 1946” in Princípios, nº46, agosto/outubro de 1997
CARONE, Edgard. (1982) O PCB (1943 a 1964), Ed. Difel, S.P.
CHILCOTE, R. H. (1982) PCB Conflito e Integração, Ed. Graal, R.J.
FRENCH, John D. (1995) O ABC dos Operários: conflitos e alianças de classes em São Paulo – 1900-1950, Ed. Hucitec/Pref. Mun. de São Caetano do Sul.
GIOVANETTI NETTO, Evaristo (1986) O PCB na Assembléia Constituinte de 1946, Ed. Novos Rumos, S.P.
SEGATTO, José Antonio (1989), Breve História do PCB, Oficina de Livros, B.H.
SEGATTO, J. A. e outros (1982) PCB – 1922/1982 – Memória fotográfica, Ed. Brasiliense, S.P

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor