A farsa da reconciliação no Iraque

O “governo” instalado no Iraque pelas tropas de ocupação é títere, ainda que venha tentando a sua legitimidade pelo processo de sucessivas eleições que ocorreram nos últimos dois anos. Um país ocupado po

Na semana que passou, o premiê Nuri Al Maliki apresentou um plano de reconciliação nacional, numa tentativa, desesperada é bem verdade, de estabelecer um certo pacto nacional com todas as forças políticas, incluindo ai os próprios sunitas, que são minorias no parlamento e no governo. Em linhas gerais, o tal plano de reconciliação resume-se no seguinte:

1. Anistia a todos os prisioneiros políticos que não estejam envolvidos diretamente em atos que chamam de “terroristas” ou crimes de guerra ou contra a humanidade;

2. Construção de presídios mais “humanizados” e coibição de práticas de torturas e uso de métodos degradantes, com punição para quem se utilizar torturas; direito de entidades de direitos humanos locais e internacionais de visitarem tais prisões;

3. Discussão com as “forças estrangeiras” (não usam tropas de ocupação), sobre violação dos direitos humanos no tratamento dos civis;

4. Melhoria dos serviços públicos, especialmente nas áreas onde ocorrem mais conflitos;

5. Tentativa de formar forças de segurança que atuem de forma regulares, para que não se dependa das forças estrangeiras, permitindo a sua retirada (não se menciona em lugar algum do texto, uma data para a retirada);

6. Garantia de suporte a todas as vítimas das forças de segurança durante o regime de Saddam Hussein; fala-se no pagamento e indenização de vítimas do que chama de terrorismo, violação dos direitos humanos e das operações militares (aqui uma clara tentativa de indenizar as vítimas dos soldados americanos);

7. Tentar agilizar e modernizar o sistema judicial, de forma a que possa julgar crimes supostamente praticados pelo governo anterior, bem como os praticados pelo que chamam de terroristas;

8. Fala-se, ainda que vagamente, na reconstrução do Iraque, o que poderia ajudar no combate ao desemprego elevado (mais de 405 da PEA);

9. O documento confirma o parlamento como a instância mais legítima do povo iraquiano para garantir a sua soberania no período que as forças estrangeiras ocupam o país (aqui também não se menciona prazos de saída das tropas americanas e inglesas).

Um fracasso anunciado

O Iraque vive dias profundamente conturbados. Nunca estive nesse país – como em nenhum país árabe ainda, a despeito do estudo e do desejo pessoal de faze-lo – mas por relatos de pessoas que lá estiveram e por leituras de livros, revistas e documentos que antecederam a guerra de 1991 e mesmo a de 2003, a situação era infinitamente superior ao que é hoje. Mesmo na capital Bagdá, bairros inteiros ficam sem luz por até 16h todos os dias. Os preços da gasolina, num país que é o terceiro maior produtor e exportador do mundo atinge níveis insuportáveis para a sua população (o que nos demonstra a disposição dos Estados unidos para o saque das reservas petrolíferas desse país em seu próprio benefício).

Esse será mais um plano que não dará em nada. Não há a menor chance de ocorrer a reconciliação no país, quando forças políticas importantes aceitam a se prestar a servir aos interesses estrangeiros, especialmente da maior potência militar e econômica do planeta que são os Estados Unidos. Do lado da resistência iraquiana, vários de seus líderes, a maioria na clandestinidade, rejeitaram de pronto a pseudo-reconciliação nacional do primeiro Ministro. Um outro aspecto que fará esse plano não ser vitorioso é também o fato que a oposição ao regime e ao governo, é muito dividida, não é unificada – alguns analistas dizem que isso é proposital e é positivo que assim seja – e, portanto não tem como ocorrer uma negociação e um diálogo.

Mas, a oposição à proposta vem também dos que eram membros do Partido Baath, de apoio ao governo de Saddam. Essa minoria sunita, que tem em torno de 20% da população e dos deputados no parlamento, são muito respeitados, pois defendem uma concepção de estado e de governo laico, ou seja, desvinculados da religião oficial, que é o islamismo, ao contrário dos xiitas que hoje praticamente mandam no país, apoiados tacitamente pelos curdos, que querem a criação de seu estado nacional ao norte do país.

O assassinato do advogado de Saddam

Já denunciamos neste espaço a farsa do que vem sendo o “julgamento” de Saddam Hussein. Todas as convenções internacionais são unânimes em afirmar que países ocupados militarmente por potências estrangeiras não podem constituir “tribunais” para julgar membros do regime deposto. Não há legitimidade alguma nisso. O comitê de advogados de Saddam, integrado por mais de mil profissionais de vários países do mundo, do qual integra inclusive o ex-procurador geral dos Estados Unidos, Ramsey Clarck, vem denunciando o cerceamento a que Saddam estaria sofrendo.

No último dia 21 de junho, um dos principais advogados de Saddam Hussein, Khamis Al Ubaidi foi brutalmente assassinado. Ele é o terceiro advogado, membro do staff da defesa a ser morto, além de sete assessores de alto nível, além de dois outros advogados terem sido feridos. Só por esses dados vê-se como não há absolutamente clima algum para proceder a “julgamentos” de qualquer natureza.

O pior de tudo é que a forma como o assassinato ocorreu demonstra de maneira clara duas coisas: que os algozes do advogado eram todos membros das forças policiais e que teve o apoio das tropas americanas. Isso porque os que seqüestraram Ubaidi, desembarcaram uniformizados de quatro carros de polícia na casa do advogado, mostraram suas identidades funcionais e disseram ao mesmo que o levariam para um “interrogatório”. E, ao fazer isso, tinham a conivência das tropas de ocupação, que foram dispensadas de fazer escolta ao cortejo do advogado, que atua dentro da chamada Linha Verde em Bagdá, considerada a região mais segura do Iraque. O corpo do advogado foi encontrado apenas algumas horas depois, próximo de sua casa, com marcas de tortura por todo o seu corpo.

Essa atitude foi interpretada, de forma clara, por vários dos advogados de Saddam, bem como parlamentares, como um sinal para que se intimidem, se acovardam e deixem a defesa do presidente Saddam Hussein, no próximo dia 10 de julho, as chamadas “alegações finais” . Indagam os advogados: se o ambiente não tem nenhuma segurança, como pode haver um julgamento seguro?

Do lado da Casa Branca, do governo de Bush Jr. argumentam que não tem nada a ver com esses episódios e que não os apóiam nem os incentivam, deixando que a mídia que os apóia a fazer “análises” de que atos como esse seriam de grupos “sectários”  que querem tumultuar o Iraque. Uma verdadeira falácia, pois esse assassinato foi cometido por gente do governo fantoche do Iraque e apoiados e incentivados pelas tropas de ocupação, que deixaram o terreno livre para que isso ocorresse. Manter esse “tribunal” instalado, a farsa em andamento, é parte de um processo para manter o completo controle sobre todas as reservas petrolíferas iraquianas, hoje nas mãos dos americanos.

Proliferam pela Iraque diversos esquadrões da morte, montados com apoio de especialistas da CIA e do departamento de Estado. O próprio presidente tem a sua parcela de responsabilidade nesse processo. Tais esquadrões vêm sendo criados nos mesmos moldes dos que existiram durante a guerra do Vietnã entre 1962 e 1975, formados por soldados clandestinos ou mercenários, financiados pelos EUA, para matar civis. Era a operação Phoenix (1).

O pior nisso tudo é que o pretenso “juiz” da corte que julga Saddam, Raouf Abdel Rahman, tem dito que não vê qualquer problema em encabeçar um tribunal desse tipo e que o assassinato de um dos advogados de defesa não é início algum de que existam problemas no julgamento. Nem sequer determinou qualquer ato de investigação e apuração dos ocorridos. Compreensível. Não é para isso mesmo que ele vem sendo pago pelos americanos.

Nota

(1) ver artigo de Antônio Pimenta, intitulado “EUA retiram escolta e fantoches matam terceiro advogado de Saddam”, publicado no jornal Hora do Povo do dia 23 de junho de 2006, página 7.

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