A foice e o martelo, sua importância no terreno simbólico

A questão da atualidade do símbolo do movimento comunista – a foice e o martelo – surge, volta e meia, como mote de debate político, numa proclamada necessidade de “actualismo” simbólico. E, de arrasto, o próprio termo identitário «comunista» é colocado em questão. A unidade mais ampla, imprescindível no momento atual, faz alguns considerarem que se pode prescindir dos referenciais de identidade, confundindo assim, no plano simbólico, tática com estratégia

A criação de uma identidade específica para o plano eleitoral e as batalhas travadas ao nível da democracia representativa – no caso brasileiro, com o «Movimento 65», no caso português, com a CDU (Coligação Democrática Unitária), no espanhol, com a “Isquierda Unida” – correspondem a estratégias de intervenção política mais adequadas às condicionantes históricas de cada momento e país. No plano tático, representam diferentes formas de concretização desse objectivo estratégico.

Já a criação de movimentos aparentemente abrangentes de uma conceção progressista, desvinculados dos partidos que os antecederam (no caso português, temos o caso do «Bloco de Esquerda», reunindo integrantes de siglas diversas entretanto extintas – UDP, PSR – bem como ex-militantes do PCP), esses movimentos caracterizam-se por admitir, no seu interior, tendências organizadas ou fracções. Esse é um traço que os afasta da tipologia partidária leninista (caracterizada pela defesa permanente da unidade interna, com recurso ao princípio do «centralismo democrático»). O termo «comunista» e o símbolo da foice e martelo representaram, ao longo do século XX, sobretudo este tipo (leninista) de partido. E será em relação a este tipo de partido que se faz sentir hoje o maior ataque anti-comunista.

O conceito «partido comunista» foi oficialmente adoptado, em meados do século XIX, para designar a organização do movimento revolucionário do proletariado mundial (em 1848 Marx e Engels elaboram e fazem aprovar na então designada «Liga dos Justos» o Manifesto do Partido Comunista). Já a foice e o martelo será consagrada como ícone do movimento comunista no bojo da Revolução de Outubro.

Outra utilização da foice e do martelo, coetânea com a revolução soviética, pode ser vista, no escudo da Áustria, onde a aguia imperial segura, com grilhetas e correntes rompidas, cada um dos instrumentos representativos das duas principais classes laboriosas (o proletariado industrial e o campesinato), encimada com uma coroa mural representando a burguesia. No caso austríaco, podemos considerar que a águia, simbolo de poder, impõe-se subjugando as classes laboriosas. Já no caso soviético, o símbolo, que na proposta inicial trazia a foice, o martelo e uma espada (a qual não foi aceite por Lénine, pelo que acarretava de simbolismo bélico). Acrescentou-se-lhe no entanto uma estrela, simbolizando com ela o internacionalismo proletário.

O cruzar da foice com o martelo, representando a aliança de classe, encontra-se também em outras formas, mas com o mesmo simbolismo (como o caso do MPLA, em que a foice é substituída por uma catana e o martelo por uma parte de engrenagem). E, e última análise, o cruzar de dois vetores – a cruz – surge como núcleo simbólico ao nível religioso, e impõe-se como símbolo dominante em parte substancial da Humanidade (desde o início dos tempos medievais).

Se colocassemos como objetivo haver uma plena adequação da imagem dos símbolos políticos ao contexto do processo produtivo em cada época, teríamos hoje que recorrer à imagem do chip ou dos circuitos eletrônicos… Mas, aquela necessidade proclamada de “actualismo” ao nível simbólico, é ela própria um produto ideológico do tempo que vivemos, uma necessidade caracteristicamente burguesa.

O símbolo comunista (a foice e o martelo) não é, por si, gerador do preconceito de que padece o conceito «comunista». E, no plano identitário, lamentável é viver-se em função dos preconceitos alheios. Todo símbolo carrega um peso, um conteúdo ideológico que lhe é dado pelo seu uso histórico. O símbolo comunista não é portador de estigmas maiores que a cruz ostentada pela igreja católica (se atendermos ao período em que esta veneranda instituição mundial manteve em funcionamento a sua “santa inquisição” e os inúmeros crimes que foram cometidos em seu nome).

O estigma de que padecem tanto o símbolo como o termo «comunista» tem raiz de classe. E, é nessa dimensão de classe (na contradição dos interesses de classe), mas em oposição aos valores dominantes (onde se filiam os preconceitos mais retrógrados), que se define a própria identidade comunista. E esta não pode existir no medo de se afirmar. Pelo contrário, uma estratégia de unidade na ação de forças políticas com pensamento próprio somente se pode concretizar quando estas assumem aquilo que lhes dá identidade própria.

Nota: O Portal Vermelho optou por preservar a redação original do texto em português lusitano.

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