A França está insubmissa?

Pesquisas de opinião sugerem que mais de 2/3 dos franceses se opõem às mudanças na aposentaria, enquanto a popularidade de Macron caiu para apenas 28%.

Foto: Fotos Públicas

Não. Não é verdade que a vida das pessoas melhorou nos últimos 31 anos e quase 3 meses desde o fim do URSS, quando se prometia um “novo mundo”, livre dos pestilentos comunistas. A vida dos trabalhadores, na verdade, piorou. E quando falo isso, estou me remetendo ao conjunto da classe trabalhadora. E em todos os quadrantes esses quase 32 anos de hegemonia dos EUA e consequentemente do fortalecimento do imperialismo e da imposição do neoliberalismo trouxe uma gigantesca produção de riqueza e um descomunal distanciamento entre ricos e pobres.

Vendo as manifestações em Paris e ouvindo A Internacional, cantada pelos manifestantes, posso até me deixar levar pelo encanto da letra e acreditar que podemos estar começando a viver uma nova vaga revolucionária no Velho Mundo. Longe disso. Não estamos presenciando a Comuna e nem o Maio de 1968. Estamos vendo o resultado de um sistema falido, que agoniza e que se mantém apertando o torniquete dos que estão na base da pirâmide.

A rebelião popular é a revolta de uma sociedade cansada de “dar o sangue” em nome do equilíbrio das contas públicas, que vem deixando os ricos mais ricos, os pobres mais pobres e as camadas médias apavoradas. Macron, nessa queda de braços, testa a forma do sistema, que o elegeu para se contrapor ao fantasma fascista de Marie Le Pen, em abril de 2022 (58,6% contra 41,5% no 2° turno) e que em junho lhe deu 245 das 577 cadeiras, com a coalizão Juntos Cidadãos/Essemblè.

Mas o sistema político francês, que de simples nada tem, colocou a responsabilidade de estabelecer uma governança mais estável e Macron, ao nomear Élisabeth Borne, então ministra do Trabalho, Emprego e Inclusão Econômica, para conduzir os assuntos de governo e, por conseguinte, se responsabilizar por garantir, no parlamento, a maioria. Nesse momento a maioria cobrou um preço.

Aferrados ao fiscalismo a direita francesa não titubeou em apoiar as mudanças na aposentadoria, em nome do “equilíbrio previdenciário”. Os críticos dizem que as mudanças planejadas são injustas para as pessoas que começam a trabalhar cedo em empregos fisicamente desafiadores e para as mulheres que interrompem suas carreiras para criar os filhos. Mas isso não alterou o plano de Macron.

A França já vivenciou esse cenário, em 2018, com a rebelião dos “casacos amarelos” que, entretanto, expressava mais uma insatisfação difusa, transformada em manifestações que alimentou a direita nacionalista e não uma rebelião propriamente dita. O que estamos vendo nesse momento é uma insurreição de uma enorme parcela da sociedade civil organizada.

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Enquanto as políticas neoliberais conseguiram manter uma parcela da sociedade em estado de choque, com as manifestações se remetendo às periferias, cada vez mais empobrecidas e marginalizadas, o que aconteceu agora foi que a Guerra na Ucrânia e a Santa Aliança (EUA-OTAN-UNIÃO EUROPEIA), que tenta “cancelar” a Rússia, desestabilizou os mercados e os preços de produtos básicos dispararam. Como na Revolução Francesa, a pobreza crescente atingiu em cheio a população e esta reagiu.

O aumento da idade de aposentadoria numa nação que sempre se orgulhou dos seus direitos sociais caiu como uma bomba na população e Macron apostou no confronto. Foi o pequeno grupo político Liberdades, Independentes, Ultramarinos e Territórios/Liberties, Independents, Overseas and Territories, LIOT, uma coalizão centrista (radicais, centristas, pequenos movimentos democráticos, autonomistas da Córsega e etc.), que elegeu apenas 15 deputados, que fez uma moção de censura ao governo de Borne. O 15 deputados centristas se transformaram em 278 votos faltando apenas 9 votos para se abrir uma crise profunda. Além disso, pesquisas de opinião sugerem que mais de 2/3 dos franceses se opõem à reforma, enquanto a popularidade de Macron caiu para apenas 28%, de acordo com uma pesquisa publicada recentemente pelo Journal du Dimanche.

A esquerda, embora pulverizada, tenta participar e influenciar nessa rebelião e a Confederação Geral do Trabalho, a CGT, outrora ligada ao Partido Comunista Francês, PCF, reapareceu de forma contundente na cena política, mas não apenas ela. O velho PCF e a França Insubmissa, se juntaram à rebelião

E o que virá a seguir?

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