A negação da Economia Política no “marxismo ocidental”

Não se pode negar a influencia que o denominado “marxismo ocidental” exerce na formação intelectual de muitas gerações de marxistas no mundo e no Brasil. A característica mais latente desta corrente é a secundarização da determinação econômica no âmbito d

Enfim, o que vem a ser esta influente corrente? Onde se encontra o limite de seu postulado?


 



Do objetivo ao subjetivo: deslocamento de ênfase


 



Com exceção da China, Cuba e Vietnã (afinal trabalham com problemas concretos), o “marxismo ocidental” exerce absoluta hegemonia sob os pensadores marxistas. Trata-se de uma corrente de pensamento surgida na década de 1920 como reação ao marxismo produzido e difundido pela União Soviética.


 


 


A principal característica do marxismo ocidental reside no deslocamento da ênfase do marxismo da Economia Política e do Estado para a cultura, a arte e a filosofia.  Concretamente, priorizam-se as análises de estruturas subjetivas como a alienação, cultura, consciência, subjetividade e o fetiche da mercadoria em detrimento de estruturas objetivas como a acumulação, o imperialismo e a questão nacional. Trata-se de um rompimento com os postulados de pensadores como Lênin, Kautsky, Bukharin e Stálin, para quem o marxismo era visto como um corpo científico caracterizado pela descoberta das leis do desenvolvimento humano.


 


A ênfase em estruturas subjetivas é uma resposta à visão soviética que definiu o marxismo como uma ciência universal da história e da natureza. Esta visão foi denominada – pelos marxistas ocidentais – como “materialista vulgar”. Para os “marxistas ocidentais” – sem perceberam o concreto como a síntese das relações entre homem e natureza – tal visão, além de não comportar categorias subjetivas (consciência, cultura, etc.), dá margem de manobra à abordagens positivistas.


 



A redução do objeto da Economia Política



 


A secundarização do “econômico” – no marxismo ocidental – é parte de um todo que envolve isolar o marxismo tanto do positivismo, quanto do materialismo vulgar. Ao argumentarem que a obra de Marx tem caráter “crítico” e não “propositivo”, deliberou-se que a continuação deste processo de crítica passa necessariamente pela luta intelectual contra a consciência, relações entre os homens e as expressões culturais típicas do capitalismo.


 


No campo do método científico, partiu-se de uma visão que classificou a Economia Política como ciência a serviço da burguesia. Por exemplo, para Lukács, “(…) o marxismo não é somente uma proposta de teoria social avançada e sim o abolicionador da Economia Política” (1). Trocando em miúdos, sendo o marxismo uma proposta de emancipação das relações entre os homens mediadas pelo domínio econômico, logo, conclui-se que o marxismo pretende subverter a dominação econômica inerente às categorias estudadas pela Economia Política.


 


Serve de base a esta opinião a redução do objeto da Economia Política ao estudo das leis econômicas que regem a produção mercantil, mais notadamente a lei do valor. Precede a esta conclusão uma opinião no mínimo a-histórica: as leis econômicas deixam de atuar sob o socialismo (2).


 


Um pouco de formação social brasileira


 


Cabem algumas poucas e rápidas palavras acerca da influência do marxismo ocidental nas recentes elaborações sobre formção social brasileira.


 


 


Não é nenhuma provocação aludir a presença de inúmeros estudos sobre formação social brasileira e caráter do nosso Estado, onde o elemento crucial da compreensão de nosso processo de acumulação é totalmente inobservado. Acredito que as próprias elaborações em formação social e Estado seriam, e muito, enriquecidas com a acréscimo da determinação econômica em tais.


 


 


A título de exemplo, é senso comum observar comentários acerca de uma superação da idéia da existência do modo de produção feudal no Brasil, a partir de idéias criadas na década de 1960. A chamada “historiografia recente” foi e é altamente influenciada pelo marxismo ocidental. Daí relações essenciais como entre pequena produção no Brasil e processo de substituição de importações e entre industrialização sem reforma agrária e inflação – entre outras – não serem minimamente abordadas.


 


 


Ora (sem pequenas provocações), expor idéias “recentes” acerca de nossa formação social sem a menor capacidade de relacionar tal elaboração com os impasses econômicos brasileiros de hoje é – em minha opinião – no mínimo um exercício muito perigoso.


 


 



Economia Política: a ciência da classe operária


 


A conclusão de que o marxismo é o abolicionador do papel da Economia Política como ciência carece de substância por pelo menos dois motivos. O primeiro tem a ver com o caráter de classe que uma ciência pode obter e o segundo é de caráter mais conseqüente e tem relação com a necessidade – por parte das classes trabalhadoras – de se apropriar das formas com que as leis econômicas atuam sob a sociedade.


 


 


Abrindo rápido parêntese, é oportuno lembrar que a Economia Política tem como objeto de estudo as leis econômicas: seu caráter, alcance histórico, modo de ação, relações mútuas e suas conseqüências nas múltiplas determinações do concreto. Especificamente, trata-se de uma área do conhecimento voltada para a investigação do processo de acumulação e as formas empregadas de apropriação e distribuição do excedente econômico.


 


O desenvolvimento científico da Economia Política, historicamente, está ligado aos interesses de determinadas classes progressistas. Seu desenvolvimento inicial remonta ao momento histórico onde se verificava na burguesia um reservatório de idéias avançadas. Com o processo de decadência política da burguesia, a classe operária torna-se o maior interessado no desenvolvimento científico da Economia Política. Daí o surgimento do marxismo.


 


 


Voltaremos a desenvolver este tema.


 



Notas:


 



(1) ARATO, A. & BREINES, P.: “The young Lukács and the origins of the Western Marxism”. Seabury, London, 1979, p. 93.


 


(2) Joseph Stálin destacou de forma inequívoca a existência das leis econômicas sob o socialismo da seguinte forma: “Assim, as leis da Economia Política no socialismo são leis objetivas, que refletem o caráter regular dos processos da vida econômica, que se realizam independente de nossa vontade. Negar esta tese é negar toda a possibilidade de previsão, ou seja, é negar a possibilidade de dirigir a vida econômica”. In, STÁLIN, J.: “Problemas Econômicos do Socialismo na URSS”. Anita Garibaldi. São Paulo, 2° Edição, 1990, p. 07. Sobre a existência da lei do valor sob o socialismo é elucidativa a seguinte observação: “A utilidade que apresentam todos os bens de consumo, comparada entre si e a consideração inerente à quantidade de trabalho para produzi-los, serão os fatores que determinarão o plano”. In, ENGELS, F.: “Anti-Düring”. Paz e Terra. São Paulo, 3º Edição, 1990, p. 335-336.


 

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