A parte do bolo que cabe a cada um

Estavam os dois a discutir a pujança da economia brasileira. O mais jovem, recém-diplomado pela Fundação Getúlio Vargas, argumentos e dados na ponta da língua. O outro, alguns quilômetros mais de estrada – trabalhou no IPEA e foi economista-chefe de um ba

– Garanto que o Brasil agora vai longe. Os fundamentos de nossa economia são sólidos – sentenciou o mais jovem.


 


 


– Eu diria que os fundamentos são relativamente sólidos, no atual quadro da economia mundial – ponderou o mais velho, procurando sublinhar a sua opinião com a entonação da voz.


 


 


– Não só isso, cara. Nossa capacidade de atrair investimentos externos nunca foi tão grande.


 


 


– Investimentos externos, você sabe, a gente tem que qualificar.


 


 


– Isso mesmo. Estou falando de investimentos produtivos. O que falta é o nosso povo tomar conhecimento disso.


 


 


(A essa altura, na entrada do restaurante onde tinham marcado o almoço de trabalho, vêem um jovem com crachá do Senai).


 


 


– Vou te mostrar – continuou o recém-formado pela Fundação Getúlio Vargas. – Amigo, permita que eu te dê uma informação do seu interesse?


 


 


– Pois não, senhor.


 


– Você sabe que a rentabilidade sobre o patrimônio, quer dizer, o lucro líquido sobre o patrimônio, hoje no Brasil é um grande fator de atração de investimentos estrangeiros?


 


– Sei não, senhor. Esses assuntos são muito complicados.


 


– Mas devia saber, rapaz. Deu ontem na Gazeta Mercantil, um jornal que vocês trabalhadores deviam ler. Na média total das empresas de capital aberto, a rentabilidade subiu de 14,6%, em 2003, para 20,1% no ano passado. É fantástico! O México, por exemplo, em 2005 se igualou ao Brasil, a taxa deles é de 20,8%. Sabe qual é a dos EUA? Apenas 14, 8%. Isto quer dizer mais produção, mais emprego!


 


– Tudo bem, moço. Sabia dessas coisas não. Tomara que tenha mais emprego mesmo, estamos precisando. Mas o senhor sabe dizer o tanto que influi o salário da gente nisso tudo?


 


– Como assim, rapaz?


 


– Pra atrair esses gringos o tamanho do salário da gente entra na conta?


 


– É, você está tocando num ponto que eu não sei esclarecer no detalhe, mas pesa, sim. Sabe como é, salário baixo quer dizer custo de produção baixo, a gente tem que oferecer essa vantagem também, não acha?


 


– Acho não, doutor. Vá me desculpando, mas o trabalhador brasileiro merece ser valorizado, é o que penso – respondeu o aluno do SENAI, já se afastando.


 


Os dois entram no restaurante e logo se sentam à mesa em que discutiriam alternativas de investimentos com um grupo holandês.


 


– Pois é, amigo. O cara do Senai tem razão. É preciso ver a parte que cabe a cada um. Os trabalhadores têm direito à sua parte.


 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor