A passagem de Einstein pelo Brasil

Dizem os registros que de 4 a 12 de maio de 1925, o quarto de número 400 do Hotel Glória, na cidade do Rio de Janeiro, abrigou um dos maiores cientistas de todos os séculos. Mas ninguém fala do desastre cômico da passagem do astro da física pelo Brasil.

Na chegada de Einstein ao porto do Rio de Janeiro só não lhe tocaram Cidade Maravilhosa porque a banda não poderia tocar o que ainda não existia. Mas as fotos mostram o cientista em um mar de curiosos, que lhe acenavam e sorriam como se ele fosse um astro de cinema. Se tivesse tempo para refletir, certamente diria o que certa vez comentou Borges, ao ser cumprimentado por muitas pessoas nas ruas de Buenos Aires: “eles acenam para um homem que pensam que sou eu”.

Dali, sempre cercado por uma comitiva das mais doutas toupeiras, visitou o Presidente da República, e deu três conferências, a primeira no Clube de Engenharia, a segunda na Escola Politécnica e a última na Academia Brasileira de Ciências. Com direito a almoços e jantares nos intervalos, em locais diferentes, no prazo de uma semana. Os organizadores da sua agenda conseguiram o que parecia impossível em 1925: transformar a bela cidade do Rio de Janeiro em uma anticidade.

E cabe aqui, de passagem, uma visão dos responsáveis por seus dias no Brasil, os doutores que o cercavam. Não havia, entre eles, um só físico ou um só matemático. Os doutores eram médicos, advogados, políticos, militares, embaixadores, e alguns engenheiros. Os doutores clássicos do Brasil: donos de uma posição social, e que por isso mereciam e merecem o tratamento honroso, como depois seria exemplo o Doutor Jornalista Roberto Marinho. Com tal gente, o resultado foi o que se viu.

Na primeira palestra, no Clube de Engenharia, o salão ficou completa e absolutamente lotado. Políticos, graduados oficiais das três forças armadas, altos funcionários, engenheiros, esposas e filhos e filhinhos, todos muito unidos na mais absoluta ignorância do que vinha a ser aquele indivíduo estranho e suas ainda mais estranhas idéias. Com a vantagem, que os deixava ainda mais unidos, de não entenderem uma só palavra da língua alemã. O que importava era ver o homem famoso em ação.
Einstein anotaria em seu diário, mais tarde: “Às 4 horas, primeira conferência no Clube de Engenharia numa sala superlotada, com ruído da rua, as janelas abertas. Não tinha nenhuma acústica para que me entendessem. Pouco científico”.

No dia seguinte, para ser mais científico, foi à Academia Brasileira de Ciências. Se alguma dúvida ele possuía que estivesse no Brasil, ali os acadêmicos trataram de resolvê-la, porque o fizeram ouvir três longos, vazios e tenebrosos discursos. Ouviu de certa forma, devemos retificar, porque os discursos vinham em um francês que todos, acadêmicos e cientista, mal falavam. Entre outros, falou o doutor Juliano Moreira, Vice-Presidente, sobre a influência da Teoria da Relatividade na Biologia, o que é lamentável, pela falta de um registro preciso desse discurso, pois teríamos um documento importante do nível mental dos nossos acadêmicos.

Eis que chega então o melhor dia. Na terceira e última palestra, na Escola Politécnica, não houve a invasão do grande público, das senhoras mães com seus filhinhos, dos oficiais com galões e de velhos generais do século dezenove. A julgar pelos jornais, “o Professor Einstein pôde desenvolver a sua palestra sob um ambiente tranqüilo, e dessa maneira os cientistas brasileiros acompanharam-no passo a passo na sua exposição”. Nem tanto, e por favor acreditem, porque nada é mais rico que a própria realidade. Um desses grandes nomes da ciência, um desses físicos foi o jurista Pontes de Miranda! Ele, a falar em alemão, desafiou Einstein, para maior fascínio dos doutores presentes:

– Data venia, Herr Einstein, a Teoria da Relatividade não considerou as implicações metafísicas das hipóteses que aventa. Das ciências físicas até as ciências jurídicas a diferença é de grau. A Física mantém um pacto com o mundo da sociedade também….

Do que fez da sua volta do Brasil não há registro, mas é sabido que Einstein levou um papagaio, recebido de presente de um homem do povo. Todos os dias o lindo papagaio lhe fazia lembrar, com graça e inteligência, a ciência daqueles doutores de posição social. “Data venia, Herr Einstein… Data venia, Herr Einstein”, repetia-lhe o papagaio. Os amigos contavam que tais arremedos traziam sempre um pouco de luz nas manhãs frias e escuras do Doktor Einstein.

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