A polêmica das hidrelétricas
Tavares, Bueno da Silva, Jorge Velho, os generais da ditadura, Delmiro Gouveia, Rondon e os Vilas Boas, o povo amazônida, a COPPE-Rio e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Essa mistura de gente e de entidades tem muito a ver com a frenética e polêmica onda de novas usinas hidrelétricas na Amazônia. Vejamos.
Publicado 12/06/2012 20:20
Os três primeiros são os bandeirantes Antônio Raposo Tavares, Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera I, e Domingos Jorge Velho. Eles estão ligados à questão pelo lado midiático, digamos assim. São três dos mais expressivos representantes da coroa portuguesa no brutal extermínio ou escravização dos povos nativos daqui, mas vendiam a ideia de que ou se preservava os primitivos ou desenvolvia a colônia.
Foram os precursores no uso do argumento dos tais “impactos do desenvolvimento”, ainda que de modo “sustentável”, já que o índio que virava escravo permanecia vivo e, de quebra, poderia usufruir das mudanças que fossem surgir. Seu modo de vida, seus hábitos e costumes, sua cultura, enfim, eram coisas secundárias.
O marechal Cândido Rondon, grande desbravador também, tinha uma visão bem diferente. Bem como os irmãos Vilas Boas, que o ajudaram na implantação das linhas de telégrafo pelas selvas e depois viraram indigenistas, responsáveis inclusive pela criação do Parque Nacional do Xingu, hoje acossado por todos os lados.
Eles tinham respeito por aquela gente e por sua cultura. Nem por isso deixaram de cumprir as tarefas que eram importantes para que o país fosse integrado pelas comunicações. E os grupos indígenas, caboclos, regatões, os amazônidas em geral com quem mantinham contato eram tratados como parceiros, não trastes que se jogue daqui para ali, para que não atrapalhem.
As hidrelétricas em operação, em construção e previstas até o ano 2016 na Amazônia brasileira, juntas, somarão área inundada superior a 40 mil km², o que equivale ao estado do Rio de Janeiro. Isto, sem contar as 15 usinas das bacias dos rios Araguaia e Tocantins. Ficarão debaixo d’água bichos, plantas, sítios arqueológicos e a vida de milhares de pessoas, ainda que fisicamente elas saiam.
O caso da usina de Belo Monte, no rio Xingu, já começou a mudar a vida dos povos da floresta. Mas já mudou muito, também, a vida dos citadinos, como os de Altamira, a maior cidade da região, que tinha 100 mil habitantes no início da obra e hoje já passa dos 130 mil. São trabalhadores, mas são também espertalhões, prostitutas e gente da pior espécie que se aproveita de uma situação de fragilidade.
As forças de segurança locais, que já eram precárias, hoje são zero. Os serviços de saúde e educação, nem se fala. Ademais, uma parte da cidade será alagada, e a população dali será transferida para outras áreas, ainda não definidas. Mesmo quem não ficar sob as águas, no entanto, terá outros motivos para ir para alguma periferia. O custo de vida é um exemplo.
Uma casa que há três anos era alugada por R$ 300,00, em Altamira, já custa R$ 1.800,00. O transporte urbano virou muvuca maior do que era e as crianças, meninas e meninos, sem escola nem mais o que fazer, e vendo o dinheiro correr, caem na prostituição infantil. O que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), órgão regulador, tem feito é desapropriar mais áreas para serem afogadas e outras para serem ocupadas, talvez longe do rio, dos peixes, da vida normal.
Ou seja, a obra da usina, com suas consequências, como o início da transferência de moradores das áreas a serem inundadas, vêm muito mais depressa do que medidas de cunho social e urbanístico. Se é que essas virão.
O mesmo está ocorrendo em Rondônia, especialmente na capital, Porto Velho, por decorrência das grandes hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em construção no rio Madeira.
A opção brasileira pela energia vinda dos rios competirá, assim, com a ocupação desordenada e o desmatamento na célere degradação da maior floresta tropical do mundo. Além dessas citadas, já estão previstas ou em construção 11 outras grandes usinas, duas delas na margem Norte do Amazonas, nos rios Jarí e Trombetas.
Essas obras constam dos planos de Expansão de Energia (PDE) 2007/2016 e de Energia (PNE) 2030, do Ministério de Minas e Energia (MME). Os dois documentos, elaborados em parceria com universidades e empresas do setor, definem a matriz de energia elétrica das próximas décadas. Essa matriz teve início durante o regime militar. E, a rigor, pouco mudou.
A energia de fonte hídrica, que hoje supre 81,2% do consumo, ficará em 75,3% em 2016 e se manterá nesta faixa em 2030. A de fontes limpas (eólica, solar, marés, bioenergética…) continuará como secundária. A compatibilidade é viável, mesmo levando em conta que a de fonte biológica, por exemplo, depende da sazonalidade agrícola.
Os especialistas de instituições científicas, como os do COPPE-Rio ou da Universidade de São Paulo, não se cansam de apontar soluções para o problema. Uma delas, por exemplo, se refere aos próprios rios. É a implantação de unidades produtoras em áreas que não seja necessário o barramento do curso d’água. O próprio movimento da água move as turbinas. E isso parece grande novidade.
A primeira usina do rio São Francisco foi colocada em operação em 1913, pelo empresário Delmiro Gouveia, que teimou até a morte (assassinado de modo misterioso) em montar uma fábrica de linha de costura da cidade de Pedra, em Alagoas, que hoje leva seu nome. Sua usina aproveitava só a força da cachoeira de Paulo Afonso, sem mexer no rio, e movia sua fábrica e a cidade inteira.
Ou seja, a conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente em 1992, a Rio-92, pregava que o desenvolvimento sustentável deve se assentar sobre o tripé do avanço econômico, ecologicamente não predatório e socialmente justo.
E a Rio+20 começa semana que vem!