A propriedade privada no socialismo (2)

Sabendo-se que o inimigo principal encontra-se no poder exercido pelo oligopólio/monopólio, um governo tido como socialista deve proceder ao seu desmonte em apenas um só golpe.

Poder político e caos econômico


 



Esta ação de cunho político deve-se a alguns fatores, porém o principal é aquele que relaciona a subida ao poder de um novo condomínio de classe ao possível caos econômico. Expondo exemplos de ordem prática, podemos vislumbrar um governo socialista que no “dia seguinte à revolução” socializa as minas de carvão, o sistema de transportes, os bancos, porém declara que em cinco anos a indústria têxtil também será socializada. Ora, só podemos concluir que em menos de cinco anos a indústria “quebraria” (1).


 


 


A razão para tal é simples: os proprietários ameaçados de expropriação não teriam a menor vontade de investir na produção, isso sem dizer na possibilidade real de sabotagem de diretores e funcionários técnicos. Não há resolução governamental capaz de intervir em tal processo.


 


Importante agregar que o governo de novo tipo deve deixar muito claro quais são as propriedades a serem socializadas. Também deve declarar de forma transparente e firme quais setores da economia que não serão afetadas pela expropriação inicial. A clareza de objetivos (e sua nítida exposição) é fundamental para o sucesso inicial de um processo de longo e extenuante prazo.


 


 


A história comprova a tese acima defendida. Vejamos o exemplo húngaro e dos primeiros oito meses da experiência russa.


 


 


Rússia e Hungria: gradualismo, fracasso e lições Bela Kun, social-democrata húngaro de velha cepa, fundou em 1918 o Partido Comunista da Hungria. Bela Kun e seu partido toma a frente de grandes marchas de protesto contra o governo de Conde Mihály Károlyi.


 


 


Uma revolução agrária leva o Partido Comunista ao poder em 1919 e a República Soviética da Hungria é fundada. O citado Estado socialista dura somente quatro meses. Por quê?


 


Os motivos são vários, porém o essencial – e apontado por Lênin como elemento principal a se considerar na derrota húngara – residiu na vacilação com que se procedeu a reforma agrária. O “gradualismo” do processo de redistribuição das terras foi o leitmotiv à derrota. Enfim, ficou uma lição: um governo realmente decidido a implantar o socialismo, deve proceder a socialização (do que é essencial) em um só ato. O caso húngaro demonstra que tal lição é extensiva à toda política cujo objetivo seja não somente a socialização, mas também transformar – de forma radical – as relações de produção.


 


***


Mesmo nos nossos dias, tem ampla aceitação a idéia de que a socialização dos meios de produção deve ocorrer de forma gradual. Argumenta-se que o processo, sendo gradual, evitaria um colapso econômico que, por conseguinte, acarretaria em fracasso político do novo poder.


 


 


Apesar de os bolcheviques terem procedido de forma rápida a reforma agrária, o gradualismo reinante nas mentes dos elaboradores do programa de transição, em nossa opinião, foi um dos fatores relevantes que caracterizaram os primeiros oito meses de poder soviético: um período marcado pelo colapso econômico do país (1). 


 


 


O governo soviético, deliberadamente, evitou uma rápida e total socialização dos meios de produção essenciais. Neste período, os decretos de socialização tiveram caráter de medidas emergenciais. Tais medidas foram necessárias na medida em que os antigos proprietários mostraram incapacidade gerencial sob as fábricas. A incapacidade assinalada – numa particular opinião –  foi conseqüência de três elementos conjunturais: 1) a insegurança quanto à natureza imediata da propriedade; 2) a incerteza quanto à forma de apropriação do excedente e 3) a dúbia relação de autoridade sob os trabalhadores (2).


 


 


***


 


No próxima coluna retomemos nossa discussão.



Notas:


(1) Aos interessados sugiro a leitura de: LÊNIN, V.: “A catástrofe que nos ameaça e como combatê-la”. In, Obras Escolhidas. Alfa-Omega, São Paulo, 1988, vol. 2, pág. 165-200. Neste texto podemos observar até que ponto os bolcheviques – antes da Revolução – concebiam a socialização como algo gradual.
(2) Maiores detalhes sobre este período podem ser encontrados em: DOBB, M.: “Russian Economic Development Since the Revolution”. Economic Journal. New York, 1928.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor