A Saúde e os Brasileiros

A saúde dos brasileiros é tema central da campanha eleitoral já em curso, em todos os níveis. Ainda bem. Os números oficiais do Ministério da Saúde demonstram um quadro de enormes avanços. São dados verdadeiros, mas contrastam com a realidade encontrada no atendimento cotidiano da saúde pública em nosso país.

Os avanços vêm ganhando volume, mas tiveram início há mais tempo, como atestam os documentos, o que lhes dá ainda maior credibilidade. Um marco foi a Constituinte de 88, onde desaguou e virou norma um intenso debate nacional, principalmente nos processos das conferências nacionais de saúde, que ocorrem desde 1980.

A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que completa 21 anos, acabou com a duplicidade de funções na área federal e centralizou políticas e recursos. Ao mesmo tempo, entregou aos estados e municípios tarefas de atendimento.

Dois dados: em 21 anos de SUS, a mortalidade infantil caiu de 47 para 19 por mil crianças nascidas vivas e o número de medicamentos essenciais na rede pública subiu de 40 para 400. No caso da mortalidade, há que citar a ação de entidades sem fins lucrativos, como é o caso da Pastoral da Criança, criada por Zilda Arns.

Em verdade, essas mudanças começaram mais distante, no tempo e na geografia. O Brasil é signatário da Declaração da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários da Saúde, realizada em setembro de 1978 em Alma Ata, no Cazaquistão (na antiga União Soviética).

Alguns países (Inglaterra, Canadá, Cuba…) obtiveram resultados fantásticos por seguirem as recomendações. Já outros, como o Brasil, andaram mais lentamente, mas estão no rumo certo. Daí os avanços demonstrados. Há, porém, entraves de toda ordem. Começa por dinheiro.

Os R$ 60 bilhões anuais destinados pelo governo Lula ao setor saúde é recorde histórico, o que é bom. Mas o ideal mesmo seria o dobro disso. E aí surgem outros problemas. O maior deles é a destinação dada pelos estados e municípios aos recursos repassados pelo Ministério.

O Tribunal de Contas da União (TCU) coleciona preciosidades no item “desvio de finalidade”, que estão sendo questionadas ou investigadas. Há, por exemplo, estradas abertas com verba da saúde, com o argumento de que dão acesso a hospitais. Ambos, estrada e hospital, construídos pela mesma empreiteira. Isso, quando constrói.

Além do mais, poucas unidades da Federação vêm enfrentando a questão para valer. No topo da lista de exemplos positivos mais citados estão o estado do Ceará e o município de Belo Horizonte (MG). Em estados de grande peso, com São Paulo e Rio de Janeiro, é passo de elefante.

Há também as aberrações. É o caso da rede pública do Distrito Federal, alvo de reportagens da TV Record na semana passada. O Hospital de Base, o maior de Brasília, está com os seis elevadores de acesso às enfermarias quebrados. Quatro deles, parados há dois anos. Os outros, há apenas alguns meses! Isso é gestão de governo local.

Outras falhas, porém, dependem de clara definição do é competência de cada unidade federativa. A Emenda 29, que trata disso, já vigora, mas voltou ao Congresso Nacional para sua regulamentação, quando as funções serão detalhadas. Mas, ali, há outros interesses em jogo.

O principal deles é o da rede privada de saúde, que em boa parte funciona com recursos públicos. Esse setor quer manter a política dos hospitais e clínicas, em grande parte de pequeno porte. É neles que rola a grana.

Isso, mesmo para o primeiro atendimento, o que bate de frente com Alma Ata ou com qualquer política decente de saúde pública que valorize a prevenção. É a saúde perto da família, junto das comunidades.

A normatização tratará também de outro problema grave no Brasil. Mais de 500 municípios não têm um médico fixo sequer. A maior parte dos médicos forma-se com o dinheiro da população, em universidades públicas ou subsidiadas pelo governo. Ao se formar, porém, busca o setor privado, e não quer saber de ir para o interior do País.

A solução para essa distorção será o Serviço Civil Obrigatório, através do qual o profissional dedicará dois anos de serviço em localidade para onde for escalado, dos rios da Amazônia ao sertão do Piauí. É possível que Lula anuncie essa medida ainda antes do final do seu governo.

Já o usuário não deve recorrer a hospitais por causa de uma ânsia de vômito ou de uma dor nas costas. Nem para fazer o pré-natal, cuidar do recém-nascido, ver o pezinho, tomar vacina, buscar remédio ou contraceptivo, nem fazer curativos. Dizer “acho que estou com problema renal” e ir direto a um especialista é pular etapas. E o mais grave é que, se for clínica privada, por certo o problema vai existir.

As eleições de outubro são uma oportunidade para quem vota cobrar dos candidatos um compromisso com programas mais avançados. Eles devem dizer como o atendimento vai chegar aos lares dos brasileiros, estejam onde estiverem, e quando e onde irão funcionar os novos postos de saúde.

Instrumentos para mudar, nós já temos. Falta só a famosa vontade política.

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