A última visita da cegonha

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 Era madrugada do dia 10 de janeiro do ano de mil novecentos e sessenta e seis. Acordei com o choro de Gizêlda, a irmã caçula, na cama de Conceição, ela chegava no meio da noite pela primeira vez ao nosso quarto. Fiquei assustada, ali ainda não tinha uma cama pra ela. O que teria acontecido? Solange e eu, ficamos observando a movimentação silenciosa de algumas mulheres que entravam no quarto de mamãe. A porta que fazia a ligação com o nosso quarto foi fechada, elas passavam pela sala da frente. No escuro da noite tentávamos descobrir o que acontecia. Não lembro de quem chegou a notícia de que a cegonha estava chegando para uma visita. Foi o suficiente para que o sono fosse embora. Das camas, apenas, quatro pares de olhos grandes saltavam no meio da noite a meia luz – sentinelas aguardando um aceno que não chegava.

Na primeira luz do dia ouvimos o choro do bebê e um sorriso iluminou todas as carinhas. Tomamos café com bolo em festa. Em seguida enfileiradas, com passos macios fomos levadas ao quarto de mamãe, os meninos também entraram, um pouco encabulados, pareciam não estar muito à vontade. Ela estava deitada com o bebê que usava um conjunto pagão clarinho, envolto em cueiros bordados, baixou um pouco a manta de flanela, que o protegia, para que pudéssemos ver o rostinho e então vimos um lindo bebê, branquinho, ainda sem os cabelos e as sobrancelhas eram apenas umas marquinhas avermelhadas, a imagem de um anjo que caiu do céu. O bebê mais lindo que vi em toda a minha vida. Ele dormia para descansar da longa viagem no bico da cegonha. Essa foi a explicação que recebemos.

O quarto estava com pouca iluminação, do lado direito, a porta que dava acesso ao nosso quarto continuava fechada e agora tinha uma rede branca de linha, no canto em cima da mesinha próxima da penteadeira, uma bacia com água quente cheia de folhas de alfazema e o vapor que enchia o quarto com um cheirinho bom. Mas não foi o cheiro e nem o enxoval do bebê que me deixou mais impressionada, o que me marcou foi a imagem de minha mãe com o seu filho nos braços, alegria e beleza impossível de descrever, foi a apresentação mais encantadora da minha meninice.

Os dias que se seguiram foram de cuidados com os maiores e com o recém-nascido, era a aproximação dos irmãos. E nessa época papai fazia tudo para agradar a todos. Aos poucos fomos convidados a participar da hora do banho, das mamadas, da troca das roupas e em alguns meses a nossa porta foi aberta e a casa retomou a vida normal.

Naquele dia, com a chegada do oitavo filho, que foi batizado com o nome de Marcos Evangelista a nossa família ficou completa

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