A vitória de Obama e o Oriente Médio

Há alguns meses escrevi uma coluna cujo título era “Um Hussein na presidência dos EUA?”. Tratava de algumas repercussões preliminares sobre uma possível vitória de Barak (o “Iluminado”, em língua do Quênia) Hussein Obama como presidente dos Estados Unidos

Um político contraditório


 


 


Não farei aqui uma análise da trajetória pessoal, familiar e política desse jovem senador democrata pelo Estado de Illinois, residente em Chicago, de 47 anos, já reeleito senador uma vez (cabe esclarecer que mandatos de senadores nos EUA são de apenas quatro anos). Obama nasce no Havaí em 1961, filho de mãe branca e pai negro, queniano. nasce numa época em que a discriminação racial era ainda imensa e que somente três anos depois, em 1964, os negros conseguem direito de voto em eleições americanas.


 


 


Obama teve carreira intelectual brilhante. Formou-se em Ciência Política e depois cursou direito na conceituada Universidade de Harvard, uma das mais antigas dos EUA e seguramente uma das três melhores universidades do mundo. Não quis seguir carreira acadêmica, passando a se dedicar em organizar jovens e comunidades negras e pobres em localidades por onde residiu. Ingressa na vida pública como senador em 2000, sendo reeleito em 2004 e disputa as primárias no Partido Democrata, onde ficou em campanha praticamente por 21 meses seguidos. Chega agora à presidência dos Estados Unidos. Uma raridade.


 


 


Muitas pessoas me indagam se ele seria algo como um Lula para a sociedade americana. Não há como comparar dessa forma. Lula é sindicalista, de luta, esteve preso na época do regime militar. Ainda que não se declare socialista, é homem de ideais avançados, de elevada sensibilidade social. Não tenho dúvida alguma que Obama é e sempre foi capitalista. Isso não está em discussão. No entanto, no contexto da sociedade americana, a sua eleição é positiva. A vitória do outro candidato, McCain, seria o continuísmo da era Bush, um verdadeiro retrocesso, a continuidade de uma política externa belicista, guerreira, agressiva, de subjugação dos povos e dos países emergentes. De nossa parte, com o nosso foco no Oriente Médio, cabe-nos tentar ver as perspectivas e desdobramentos sobre a vitória de Obama, um Hussein, junto especialmente ao mundo árabe.


 


 


Repercussões no Oriente Médio


 


Há várias questões que são fundamentais para a política dos Estados Unidos no Oriente Médio e que Barak Obama vai ter que tratar e de imediato. Qualquer que venha a ser o seu posicionamento vimos, de forma ampla, pelo noticiário, que em diversos países houve ampla comemoração pela vitória de Obama nas eleições. Não se sabe de um árabe que tenha torcido para que McCain fosse o vitorioso.


 


A questão central, no meu ponto de vista, e já comentei há algumas semanas, trata-se da retirada total e completa das tropas estadunidenses do Iraque. Na início da campanha – começo do ano – ele defendia a retirada mais rápida, ao lado de Hilary Clinton. Hoje, pelo que a imprensa noticia e fruto de um acordo que o atual governo vem tentando fazer com o governo iraquiano, fala-se na retirada quase total em 16 meses, ou seja, aproximadamente em abril de 2010. Ficariam apenas alguns contingentes pequenos de tropas. Há resistência por parte dos xiitas que governam o Iraque hoje, em aceitar prazos tão longos assim. A polêmica que Obama vem defendendo é o absurdo aumento de tropas no Afeganistão, um país dos mais pobres da Ásia, hoje ocupado pelos EUA. Porque não retirar-se também do Afeganistão?


 


Obama vai ter que se debruçar sobre os processos de paz em Israel. Ele vem defendendo a criação do Estado Palestino, mas nunca disse com quais fronteiras. Do lado palestino, a conversa começa com a fronteira de 1967. Durante a campanha, em certo momento, falando para judeus americanos – que o apoiaram maciçamente – Obama disse que não concorda com a divisão de Jerusalém e que essa cidade seria a capital indivisível de Israel. Isso repercutiu muito mal entre o mundo árabe. De forma que no dia seguinte mesmo, Obama teve que voltar atrás, e desdisse o que tinha dito. Melhor assim, do que firmar uma posição muito ruim. O noticiário informa que, de cada quatro judeus americanos, três apoiaram abertamente Obama para presidente. Livni, atual chanceler e nova líder do centrista Kadima e que defende os processos de paz e vai disputar as eleições em fevereiro de 2009, ao que tudo indica, aceita negociar Jerusalém como capital do futuro Estado Palestino (pelo menos a sua parte oriental e árabe).


 


Por fim, há duas questões que Obama vai ter que se debruçar ainda, envolvendo concessões de terras. As Fazendas do Shebaa, no Sul do Líbano, ainda sob controle israelense e as Colinas de Golã, que pertencem à Síria. Obama defende a reabertura de diálogo com o governo de Assad. Acha que se distensionar com a Síria, pode melhorar o clima político no Iraque e até mesmo abrir canais indiretos com o Irã, outras das preocupações, relacionadas com a possível construção de um artefato nuclear.


 


 


Assim, se puder resumir alguns pontos de vista e opiniões, dando comentários, eu diria que:


 


 


• Obama vai tentar ter uma boa relação com o governo libanês, defendendo o desarmamento do grupo Hezbolláh. Em contrapartida, vai defender que Israel devolva as terras no Sul do país que ainda ocupa ilegalmente;


 


• Com a Síria, um canal diplomático será imediatamente estabelecido. Isso ajudará indiretamente com os sunitas no Iraque;


 


• Pode passar a defender a democratização no Egito, mas terá receio do crescimento da Irmandade Muçulmana;


 


• Ainda que defenda o Estado Palestino, Obama segue considerando o grupo Hamas, que tem forte influência na Faixa de Gaza, como um grupo “terrorista”;


 


• Israel – Obama vai manter uma relação estreita com o Kadima, que deve conseguir formar um governo de maioria com os trabalhistas, já a partir de fevereiro de 2009. Vai defender a paz e o Estado Palestino. Pode até não se dobrar ao famoso lobbie judaico nos Estados Unidos, mas sofrerá sua influência. Os EUA não perderão Israel como seu parceiro estratégico no Oriente Médio;


 


• Obama liderará a saída das tropas americanas no Iraque em até 16 meses. Pode inclusive antecipar, o que é desejo de todos nós;


 


• Deverá manter estreitas ligações com a Arábia Saudita, tradicional aliado americano na região, ainda que entre os sunitas que governam esse país, existam contradições com a política externa dos americanos;


 


• Por fim, vai tentar dialogar pela diplomacia com o Irã, para que esse país não venha a dominar a tecnologia que permitirá a fabricação de um artefato nuclear.


 


Não tenho bola de cristal nem somos profetas para fazer previsões. No entanto, uma certeza eu tenho, com relação ao Oriente Médio, o slogan que Obama usou na campanha – “Change” (mudança, nós precisamos!) – talvez, pelo menos nessa região extremamente conflitiva, muitas coisas vão mudar. Espero que para melhor. A esperança tem que vencer e, claro, tudo vai depender da famosa correlação de forças. Os povos árabes precisam, mais do que nunca, organizarem-se, mobilizarem-se para a defesa de seus verdadeiros interesses. Nada lhes cairá do céu.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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