“Adeus, Minha Rainha”: Nem poder, nem brioches
As relações de Maria Antonieta com sua amante e a leitora oficial às vésperas da Revolução Francesa são o centro deste filme do cineasta francês Benoît Jacquot
Publicado 22/05/2013 18:34
A Maria Antonieta deste “Adeus, Minha Rainha” não guarda qualquer semelhança com a jovem austríaca insegura e interessada em atrair as atenções do Rei Luís XVI (1754/1793), vista no filme de Sofia Coppola. A Maria Antonieta (Diane Kruger) do cineasta francês Benoît Jacquot é uma mulher madura, com seis filhos, que usa sua leitora de livros Sidonie Laboné (Léa Seydoux) para levar mensagens para sua amante, a baronesa Gabriele Polignac (Virginie Ledoyen). Não se tratava apenas de paixão, o clamor das ruas já a preocupava.
“Eles não gostam de mim, querem minha cabeça”, comenta num instante de desespero. As massas e os republicanos por sua frivolidade e resistência às mudanças a tinham como inimiga. Toda sua pompa foi substituída por estratégias de fuga dos nobres que lhes eram próximos. Este é o clima que Jacquot dá a seu filme. Capta a agonia do reinado de Luis XVI (1774/1792) e da nobreza. “(A Revolução Francesa, 1789/1792) se fez graças ao apoio das massas populares atiçadas pelo ódio contra os privilégios e sublevadas pela fome, desejosas de se libertar da carga do feudalismo” (1) E não só isto:
“A má colheita de 1788 e a crise de 1788-1789, afligindo dolorosamente as massas populares, as teriam mobilizado a serviço da revolução burguesa (…). Em realidade, o mal era mais profundo, atingia as massas populares no momento exato em que a burguesia, após um progresso sem precedente, era atingida em seus rendimentos e seu lucro. A regressão econômica e a crise cíclica que se desencadeou em 1788 foram sumamente responsáveis, em primeiro lugar, pelos acontecimentos de 1789 (…)” (2).
Criadagem é a protagonista
As massas, neste “Adeus, Minha Rainha”, ganham corpo com a criadagem. Ela circula pelos corredores, cômodos e jardins sem os cuidados de antes, como se assenhoreassem desde já de um poder que os proletários teriam, de fato, durante a Comuna de Paris em 1871. Jacquot coloca-a nos porões onde fazem suas refeições e dão vazão às suas preocupações sobre o que se passava nos andares de cima. Muitos de seus comentários se restringem a seus casos amorosos com outros criados, caso, no entanto lhe é difícil ignorar a pressão das ruas e da Penitenciária de Bastilha.
Quem mais a sente são os ministros, conselheiros e nobres que perambulam pelos corredores do Palácio de Versalhes, tramando, trocando más notícias, prenunciando sua derrocada. Um deles, espécie de conselheiro-contabilista, idoso como o regime, distribui comentários a Sidonie, sem reservas, já vendo os revolucionários às portas do palácio. Não só ele. Maria Antonieta (1755/1793), prevendo o fim do poder, dos anéis e dos brioches, já não atenta às leituras de Sidonie, preocupada que se mostra com o marido, Luis XVI, e a amante Gabriele Polignac.
Sidonie figura nesta história como o elo entre a criadagem e a realeza. Ela tende, às vezes, a ver a pressão vinda da Bastilha, como o fim de sua relação com a Rainha. É mais uma serva a submeter-se a seus caprichos. Jamais se insurge, jamais reflete sobre o que está se passando. Quando muito procura o conselheiro-contabilista para se inteirar do que realmente se passa. É o contrário de sua amiga-criada que vê a queda de Luis XVI como forma de escapar com o namorado. Sidonie amarrou-se demais à Maria Antonieta, enquanto esta se vê enredada ao que acontecerá ao Rei e a si própria.
Maria Antonieta não é vítima
Numa sequência que demonstra a antecipação de sua queda, ela, a um só tempo articula a partida da amante e o uso que fará de Sidonie para ajudá-la a mantê-la viva. Seu olhar da partida de Polignac é desses instantes em que o cinema numa imagem dá a profundidade de suas intenções e do momento histórico. Nada mais a ser feito senão ceder ao peso da história. Ela não é vítima, como se pode supor no “Maria Antonieta” (2006), de Sofia Coppola. Ajudou a urdir a sua própria execução na guilhotina. Jacquot despe-a de qualquer glamour ou suntuosidade. É uma mulher vivendo sua derrocada.
Sua derradeira conversa com Luis XVI, antes de ele partir para uma reunião com os revolucionários, é quem de nada mais espera. A câmera de Jacquot ao transitar pelos corredores, cômodos e jardins atesta seu isolamento. Nem a hesitante Sidonie consegue aplacar seu dissimulado desespero. Ser rainha para ela, àquela altura, pouco ou nada significava. As ruas a condenaram.
Entretanto, o detido olhar de Jacquot na criadagem e na Rainha às escadas do cadafalso perde força no desfecho com a fuga rocambolesca de Polignac. Trata-se agora da história de Sidonie. Sua recompensa será dupla, ainda que conquistada a custo de subserviência. Contrasta com a operística revolução dos proletários de “Os Miseráveis” (2012), em justa luta por pão e liberdade. Sidonie em seu afã de servir acabou sendo usada.
“Adeus, Minha Rainha”. (“Les Adieux à La Reine”).
Drama. França.
2011. 104 minutos.
Direção: Benoît Jacquot.
Elenco: Léa Seudoux, Diane Kruger, Virginie Ledoyen.
Notas:
(1) Soboul, Albert, História da Revolução Francesa, 2ª edição, Zahar Editores, 1974, pág. 93;
(2) Idem, idem, idem, pág. 92.
(*) Exibido no Festival Varilux de Cinema Francês.