Alckmin: outro Collor no caminho de Lula

A campanha do segundo turno tende a se afunilar para a baixaria da direita, como ocorreu em 1989.

O debate sobre o debate entre os presidenciáveis no domingo (8), promovido pela TV Bandeirantes, mostra um panorama político trágico e indigno neste segundo turno das eleições presidenciais. Primeiro porque a exploração do evento pela mídia é ditada pela mesma distorção havida quando Luiz Inácio Lula da Silva debateu com Fernando Collor de Mello no final da campanha presidencial de 1989. Eis o perigo que esse tipo de atividade política oferece: como a “grande imprensa” é um poderoso cabo eleitoral da direita, ela aproveita cada vírgula para distorcer, manipular e reinventar fatos. Chega a ser vergonhosa a versão que vem predominando nas “análises” do debate. Talvez esteja aqui um evidente sinal de alerta para a militância progressista e democrática sobre como esta campanha do segundo turno se afunilará.  


 


O segundo aspecto trágico e indigno do debate sobre o debate é o despudor da “grande imprensa”, que insiste em estimular a discriminação aos eleitores de Lula, apresentados como ignorantes por serem pobres. O bestialógico consome papel, tinta, espaço na TV e uma quantidade ainda maior (e ainda menos aceitável) de graves reflexões vindas daquilo que se poderia chamar de intelligentsia nacional — a soma de quem produz e de quem consome informação no país. Intelligentsia? Mais apropriado seria dizer burritsia. A polêmica se alimenta da aparente incompetência que se apresenta como uma característica irremediável, quase genética, que marca tudo aquilo que a grossa maioria dos ''analistas'' políticos que freqüentam a ''grande imprensa'' comenta.


 


Salto decisivo de Alckmin


 


Escrevo aparente incompetência porque no fundo o que há é descarada manipulação ideológica. Os “analistas” — figuras inventadas com o propósito de emprestar credibilidade às manipulações — estão dizendo que os votos de Lula no Norte e Nordeste são consolidados, mas que Alckmin pode avançar sobre o eleitorado de “classe média” das demais regiões do país. Nas entrelinhas, esses estultos tentam dizer que agora é a hora de uma virada para a redenção de uma situação criada por um povo que escolheu mal o destino do país em 2002. Esse comportamente deve ser tomado como um alerta sobre a nossa responsabilidade de cidadãos que não corroboram com as piores práticas do poder elitista. Os frutos dessas práticas podem virar perigosas sementes.


 


Supunha-se até há bem pouco que Lula imporia margens folgadas sobre seus adversários, de “esquerda” e de direita, agrupados em torno da tática pró-Alckmin. Chegou-se a dar por certo que nem haveria segundo turno — Lula conquistaria a reeleição em uma só rodada. O que de substancial ocorreu para a mudança? Nenhum fato, fora a armação conhecida como “escândalo do dossiê”, colocou a gestão Lula à prova este ano (considere-se que o capital político do presidente é sólido: sobreviveu, incólume, a denúncias de toda ordem inventadas pela mídia). O que, afinal, na véspera do segundo turno, foi decisivo para catapultar Alckmin, um candidato estigmatizado por sua mediocridade, à condição de abalar as certezas eleitorais lulistas? O “escândalo do dossiê” contou muito, evidentemente, mas ele apenas se apoiou no caso para dar o salto decisivo e impedir a vitória de Lula no primeiro turno.


 


Previsibilidade dos resultados


 


Alckmin, há muito tempo, optou por uma tática de campanha de baixa reputação. O ''escândalo do dossiê'' apenas cumpriu, estranhamente, o papel de degrau cronológico decisivo no apagar das luzes da campanha do primeiro turno. Para o segundo turno, a lembrança de 1989 é inevitável. À época, Collor e Lula se digladiaram até o último dia de campanha. Havia uma tensão magnetizando o país. O horário eleitoral na televisão teve boa audiência e os debates entre os candidatos atraíram doses maciças de atenção. Foi a campanha do show democrático, do confronto aberto, do engajamento, das paixões. As eleições eram para ser decididas nas ruas, mas foram ganhas no grito.


 


De novo, a direita grita. Assim como em 1989, ela quer ganhar no verbo, na rasteira, na trapaça. A razão básica disso é que os bons índices de aprovação do governo Lula deram ao candidato Lula uma posição quase imbatível nas pesquisas de intenção de voto. A inapetência da oposição por um projeto popular consolidou a previsibilidade dos resultados eleitorais. Como conseqüência, a campanha do segundo turno destas eleições parece estar ocorrendo no mesmo país daquela de 1989.


 


Sem o cabo eleitoral de 1994 e 1998 — o Plano Real —, a direita volta a se utilizar do berro para impedir que o raciocínio dê o tom na hora da decisão sobre o voto. Na contramão deste movimento que tenta desviar o Brasil do rumo da maturidade eleitoral, está a política propriamente dita, o debate partidário que se estabelece no país. Houve, sem dúvidas, muita demagogia barata por parte dos candidatos que ajudaram Alckmin a ir para o segundo turno. E muita desinformação, falta de seriedade com a importância do voto ou estultícia mesmo de certos partidos de “esquerda”.


 


Terreno marrom


 


Tomemos o exemplo de Heloisa Helena. Ela se diz orgulhosa pela conexão entre suas posições de dez anos atrás com as de hoje. Com isso, a ex-candidata à Presidência da República se declara uma referência para o país, um exemplo de firmeza e de coragem, um parâmetro de reputação e de credibilidade. Em meio a esse fogaréu ateado pela “grande imprensa”, ela permanece impávida, sustentando a contundência, com a bandeira da “ética” em punho, se imaginando uma Joana d’Arc que se recusa a renegar seus princípios. O ponto aqui, no entanto, é que o salto eleitoral de Alckmin encerra uma verdade: a luta política não admite irresponsabilidades. Ele cresceu na hora errada e pelos motivos errados.


 


Um debate eleitoral sério deve ser intransigente com a ética e com a verdade. Fora disso, tudo o mais é demagogia. Em 1989, Lula não desceu aos subníveis do discurso político de Collor. Assim como Alckmin está fazendo agora, Collor recusou-se a debater com Lula, pautou suas intervenções pela frase de efeito e pelo que seu público-alvo queria ouvir, não por seu projeto para o país, e lançou mão de expedientes sórdidos de campanha sempre que os julgou necessários. Ganhou. Lula norteou sua campanha, de modo geral, pela ética de não atacar os adversários pessoalmente e pela transparência de dizer francamente o que iria fazer na Presidência. Foi taxado de ingênuo por tender à verdade e de despreparado por não contra-atacar Collor em seu terreno marrom. Perdeu.


 


Discurso inconseqüente


 


Hoje, a campanha tende a se afunilar por aí. Lula deve contra-atacar Alckmin ou continuar se preocupando somente com o futuro do país? É uma falsa contradição, está claro. Só que do tipo que pode influir decisivamente no resultado das eleições. Primeiro, porque as mentiras da direita são imediatamente amplificadas pela “grande imprensa”. Segundo porque o salto de Alckmin é de ordem mais específica. Trata-se de uma guinada do discurso político da direita. Alckmin está ainda mais pragmático, menos politicamente correto, mais matreiro, mais capcioso. Ele não passa verdade em seu olhar. Podemos desmontar as “verdades” de Alckmin por uma série de razões.


 


Sua antipatia renitente ao papel do Estado na economia, seu descompromisso com as necessidades do povo — seja no apoio às privatizações, seja na defesa dos interesses do grande capital estrangeiro expressos na proposta de Área de Livre Comércio das Américas (Alca), seja nas críticas aos investimentos nos programas sociais — e seu pendor autoritário bastam para desmascará-lo. Por isso ele se concentra nos ataques pessoais a Lula. A direita está fazendo um discurso inconseqüente. Se fizesse diferente, a experiência diz que perderia. Nesta campanha, Alckmin, assim como Collor, ajudado despudoradamente pela “grande imprensa”, foge de assuntos fundamentais para o futuro dos brasileiros, faz pose e sorri falso. Olha sempre para a câmera certa e quer ver o circo pegar fogo. Pode ganhar.


 

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