Aliado G: Carta ao movimento Hip-Hop
Hortolândia interior paulista, 06 de julho de 2006
Salve!
Sou Erlei Roberto de Melo, mas é mais provável que me conheça como Aliado G. Sou rapper do g
Publicado 04/08/2006 17:38
O que tenho a dizer nessa carta, não será nada diferente do que digo nesses 11 anos nas minhas músicas. Qualquer um pode conferir a qualquer momento em minhas obras e notará semelhança no que digo aqui, com aquilo que digo no mais de meio milhão de disco que vendi ao longo de minha carreira e em meus shows.
Escrevo para comunicar que decidi concorrer nas eleições que ocorrem em outubro e quero ser deputado do estado de São Paulo.
Sei que muitos integrantes do movimento hip-hop tem uma certa descrença com o processo político. Considero justificável, pois a única política pública que chega nas periferias tem cor: É branca, preta, vermelha e cinza. É a viatura da polícia, que oprime e mata em muitas das vezes.
Costumamos dizer na quebrada: “É tudo nosso!”. Na gíria, “É tudo nosso!”. Porque na prática o capital financeiro, o legislativo, o judiciário o executivo, …, nada é nosso!
Estamos numa guerra. E essa guerra que está em curso no Brasil, é a guerra de classes.
Existem duas classes sociais; o povo e a elite. Quando digo elite, não falo daqueles que pegam migalhas da elite e por isso tem um carro pago a prestação que nós chamamos de boyzinho. Falo da elite econômica, essa que não tem rosto, são marcas, siglas, que se escondem atrás dos números dos painéis das bolsas de valores. É desses que quero falar. De gente que chega de helicóptero nas sedes de seus escritórios luxuosos. Gente que agente nem vê.
Gente que compra na Daslu. Porque quando uma pessoa compra uma calça na Daslu. O que ela está comprando na verdade é um atestado social, a calça não custa quatro mil reais. O que custa quatro mil é a griffe, o status social agregado, para identificá-la quanto classe. E ela compra este atestado porque a elite tem nojo de nós e não quer se misturar com a gente nunca. Estive na Daslu durante o lançamento do livro Falcões e sei do que estou falando.
Nós também inconscientemente temos nosso atestado. É por isso que quando vemos um mano vestindo uma calça larga, nos identificamos quanto classe. Vou tentar demonstrar com dois exemplos como se dá essa guerra de classes.
Eu realizei diversos shows em todo o Brasil, e em várias situações viajei de avião para chegar até o estado onde me apresentaria. No aeroporto existe uma revista. Sua bagagem passa por uma esteira com um aparelho de raio X. Depois você simplesmente passa por um detector de metais. Caso apite, um funcionário virá com um detector de mão para verificar se o que apita é seu cinto ou seu relógio. Se desculpará do transtorno e sem tocar em você dirá, “Boa viagem!” sorrindo.
Uma mãe, que prepara no dia do aniversário de seu filho preso um bolo, para visitá-lo também passará por uma revista. Enquanto faz o bolo, se lembra dele ali, ainda pequeno correndo pela casa, apagando as velinhas nos primeiros anos de vida e se pergunta onde errou para o filho ter entrado na vida do crime. Nesse domingo, logo pela manhã filas enormes se formarão nas portas dos presídios. Enfrentando sol, chuva, essa mãe leva o bolo que ela fez com todo o carinho. Na revista não existe esteira, o que tem é um carcereiro que pega uma faca e esfaqueia todo o bolo na frente dessa mãe. Não percebe que, o que ele esta esfaqueando é o coração de uma mãe sofrida. Depois disso, no lugar do detector de metais, essa mulher terá que tirar sua roupa para ser humilhada. Sabe porque dessa brutal diferença nessas duas revistas?
É porque o presídio é um projeto pensado para o pobre, enquanto o aeroporto é um projeto para a elite. Que vez ou outra um de nós utilizamos por motivo de trabalho.
A lei diz, que tem direito a responder em liberdade aquele que não oferece perigo a sociedade. Então temos assassinos como o jornalista Pimenta Neves, que matou a ex-namorada a “sangue frio” e mesmo sendo réu confesso, com provas e com testemunha, continua em liberdade. Enquanto a empregada doméstica Angélica Aparecida foi presa por ter pego um pote de manteiga no valor de R$ 3,20 para poder matar sua fome.
Isso que eu chamo de luta de classes e a responsável é essa elite que não deseja que saibamos como funciona o processo eleitoral. Quero dizer um pouco como isso funciona e porque eu quis entrar nesse troço.
O processo eleitoral no Brasil funciona da seguinte maneira: O dono de uma grande empresa de plano de saúde, por exemplo, precisa que a saúde continue sendo uma mercadoria. Porque se tiver saúde pública, gratuita, de qualidade, ele quebra. Então ele investe milhões de reais na campanha de um ou alguns candidatos.
O candidato utiliza esse dinheiro para comprar dentaduras, “doar” muletas, distribui cesta básica, arruma emprego temporário para um monte de gente entre outros “benefícios”. Com isso ele ganha a eleição, e o compromisso desse candidato você acha que é com quem?
Certamente não com aqueles que o elegeram, mas com quem financiou sua campanha.
A conseqüência é uma bancada que faz o lobby da saúde paga, e vai lutar contra qualquer proposta de um hospital na periferia. Essa é a privatização do mandato, a mercantilização do espaço público.
O mesmo acontece com a educação. O dono de uma escola ou universidade privada, necessita garantir que se vete verbas para a melhoria da educação pública. E a educação passa a ser uma mercadoria, só acessível para aquele que tem dinheiro. O que tem boa educação se qualificará para o mercado de trabalho. O que tem uma péssima educação também se qualificará. Mas para um outro mercado, para o mercado que move as duas maiores indústrias do planeta. O tráfico internacional de armas e o tráfico internacional de drogas. Essas duas empresas precisam de muita mão de obra, porque o tempo de vida desse trabalhadores é muito curto.
O Lobi do povo
Há então o lobi do ensino pago, da saúde paga, o lobi do agronegócio, lobi de todas as áreas, porque tudo hoje é mercadoria. E quem vai fazer o lobi do povo?
Por isso decidi ser Deputado. Não prometo nada. Só uma coisa posso prometer e podem me cobrar por isso. O que eu prometo é luta! Muita luta por todos os movimentos sociais.
Estou ciente que todo político tem que fazer acordos, a política é a arte do acordo. Eu também vou fazer acordos. Há opção é, com quem irei fazer esses acordos. E quero fazer acordo com o povo, com os movimentos sociais, com o hip-hop. Quando for votar algo, precisamos encher a assembléia de gente pra fazer pressão, mostrarmos resistência.
Temos proposta, propomos a renovação da política, propomos a juventude no centro do debate, lutar por investimento em educação que é a forma de diminuir gastos nas Febems, queremos fazer ouvir na câmara a voz dos que não tem voz.
Dizem, por exemplo, que é polemica a questão das cotas nas universidades públicas. Não quero discutir as cotas. Pois elas sempre existiram. Quero lutar para acabar com a cota de 100% para os brancos, 100% das vagas para a elite, que é assim que funciona no modelo atual. Não vejo outra forma de mudar o Brasil sem o conhecimento.
Se eles se chamam de “vossa excelência”, nós aqui somos manos. A pegada é outra, e lá não tem mano meu, os meus manos estão aqui fora. E com esses que tenho compromisso. Com o povo aqui de fora, com meus aliados.
O povo deve ocupar um lugar que hoje é de…
Quero ser Deputado para ocupar uma cadeira que hoje é ocupada por algumas pessoas das quais vou te apresentar.
Durante o massacre do Carandirú. Muitas pessoas se revoltaram com a tropa de choque. Precisamos estarmos cientes de quem comanda a polícia é o governo do Estado. Na época desse massacre o governador era o Antonio Fleury Filho. Abaixo dele o comandante da polícia era o Corel Ubiratã.
Hoje, Ubiratã é Deputado Estadual. E nesse massacre segundo as estatísticas oficiais, morreram 111 presos. Você sabe qual é o numero do Coronel Ubiratan quando concorreu a deputado? É 11.111, é muita tiração.
E o Fleury Filho, você sabe o que ele é hoje? Ele foi eleito Deputado Federal.
Muitas mães que perderam seus filho no massacre, vestiram uma camisa no dia da eleição com o nome de Fleury e de Ubiratã, não para pedir punição a eles, mas para pedir voto para eles. Então temos hoje ocupando a assembléia, gente como o Coronel Ubiratan, Conte Lopes, Afanasio Jazadji, Edson Ferrrarini e Romeu Tuma.
Vão ter gente por ai dizendo que sou candidato do crime organizado. No dia da convenção do PCdoB, quando foi homologado minha candidatura, estavam presentes mais de mil pessoas, entre eles estava meu pai. Na minha fala, disse: “Pai, desse filho você pode ter certeza que nunca irá se envergonhar”. Sou filho de sem terra, venho do movimento hip-hop, tenho concepção desses movimentos, por isso me filiei no Partido Comunista do Brasil, porque minha concepção não é reformista, é revolucionária. Convicção é algo que temos ou não temos. Aquele que se vende, é porque não tem convicção. Sempre esteve a venda o que achou foi comprador.
Essa guerra é herança da escravidão
Essa guerra de classes que estou apresentando, não é algo novo, vem dês da Independência, quando as elites trataram de pensar um caminho jurídico para manter suas economias que perderiam com a abolição da escravatura. Surgiria um monte de ex-escravo livre para poder plantar, produzir e ser donos de terras.
Surge ai em 1850 a lei Vergueiro na qual a Legislação brasileira, concede a terra por título e não por ocupação. É por isso temos uma elite de 1% dos proprietários de terra no Brasil que são donos de 50% do país. E como homenagem ao senador Vergueiro que era um grande proprietário de terras em São Paulo pelo serviço prestado as elites temos no centro de São Paulo a avenida Vergueiro. Que é continuação da avenida Paulista, o centro financeiro da América Latina, a Vergueiro corta São Paulo, vai sentido zona sul até a Anchieta que é a via de acesso ao litoral.
Nosso estado é governado a 12 anos ininterruptos por um único partido, o PSDB. Fizeram cortes em todas as áreas sociais para dizer que é gestão de primeiro mundo. Gestão de primeiro mundo para eles é menos estado e mais mercado.
Uma nova guerra de canudos
Geraldo Alckimin, que deixou o governo paulista para se candidatar à presidência da República, declarou que se eleito irá reduzir a maioridade para 14 anos. É isso que faz quem não tem proposta para a juventude. Alckimin é descendente direto de Moreira Cesar, um dos mais cruéis homens que já passou pelo exercito brasileiro conhecido como “O Corta cabeças”. Mas Moreira Cesar teve também sua cabeça cortada na Guerra de Canudos. E faremos das eleições desse ano uma nova guerra de canudos…
Já conto com o apoio à minha candidatura do MV Bill que conhece e se indigna com a realidade dos falcões do morro. Também conto com o apoio de Rappin Hood, do DBS & a Quadrilha do Marcão do DMN, Douglas e os parceiros do Realidade Cruel, e de vários guerreiros do rap. Quero contar também com seu apoio, e por isso resolvi escrever essa carta a você.
Pois precisamos ter nas periferias advogados, juizes, médicos, rappers, escritores, e também Deputado Estadual. Ai sim, será; Tudo Nosso!
Somos todos Aliados!
Aliado G
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