Americanos fracassam no Iraque


A maior novidade hoje no Oriente Médio, foram as últimas declarações de George Walker Bush, dadas esta semana, afirmando que o Iraque poderia se transformar em um novo Vietnã (1). Dito de outra forma, é a confissão pública de um retumbante fracasso da

Origem do fracasso


 


Não acho que os mortos americanos – se é que estes são diferentes de outros mortos – vão quebrar o triste recorde de novembro de 2004. Mas não é exatamente a quantidade de mortos que devemos levar em conta para avaliarmos se a ocupação militar do Iraque foi ou não um fracasso. Há muitos outros fatores.


 


 
A questão central é que essas avaliações que não são apenas do próprio presidente, mas de um conjunto de oficiais generais, entidades da sociedade civil e mesmo o chefe do Estado Maior do Exército britânico, que também afirmou nessa linha de que quanto mais tempo as forças de ocupação, inovadoras, permanecerem no Iraque, maior será a violência no país. Até o primeiro Ministro Britânico Tony Blair acabou concordando com essa avaliação, sinalizando que em breve estes deixarão o Iraque.


 


A avaliação que Bush confessou ao mundo, de fracasso de sua ocupação ocorre a apenas duas semanas das eleições para a Câmara dos Deputados, hoje controladas pelos Republicanos. As pesquisas indicam que os democratas vão voltar ao controle da Câmara. E isso não apenas pelos recentes escândalos sexuais de deputados corruptos desse partido de extrema direita (o PFL de lá). Mas, a opinião pública, parte da mídia e dos chamados “formadores de opinião”, já defendem abertamente a retirada das tropas ou pelo menos a fixação de um calendário para que façam isso.


 


 
Não poderia dar certo mesmo uma ocupação militar que invade um país árabe, leva uma estranha cultura para esse país, rouba-lhe todo o petróleo sua maior riqueza, destrói seus monumentos históricos, implanta o modelo neoliberal, ampliam em muito as doenças, matam pelo menos 600 mil civis (estimativas publicadas na semana passada feita por uma conceituada universidade americana). Crianças são mortas por doenças tratáveis, mas por falta de medicamento. Praticamente todas as empresas estatais foram doadas de graça para estrangeiros. Não há quase luz elétrica nem em Bagdá, a principal cidade do país. Um governo fantoche foi instalado, completamente pró-americano. Esta semana mesmo, o vice primeiro Ministro, Barhan Saleh, viajou às pressas à Londres, para pedir, pelo amor de deus, para que os britânicos não deixem o país. O tal governo iraquiano, acena que em “alguns meses”, poderão controlar completamente (sic) até sete províncias das 17 totais. Mentira completa. As tais forças iraquianas não suportariam uma semana se o exército americano deixasse o país.


 


Uma recente pesquisa, realizada pelo Instituto Opinião Pública Mundial, apurou que 71% da população iraquiana deseja que as tropas de ocupação deixem o país em até no máximo um ano. Entre os entrevistados (1.150 em setembro), 78% entendem na mesma linha que o comandante em chefe das forças armadas britânicas: a presença de tropas de ocupação só faz com que a violência aumente cada vez mais. Interessante que entre os sunitas, adeptos da corrente religiosa do Islã que é minoritária no país, esse índice chega a 97% e entre os sunitas, a da corrente majoritária, o índice vai a 82%, mesmo os seus líderes tendo feito acordo com as forças de ocupação. O índice final é de 78% pelo fato que, entre os curdos, que vivem ao Norte, o índice dos que querem a retirada é de apenas 56%. Sabidamente, estes são os que mais apoiaram a ocupação, sob a completa ilusão de que o imperialismo norte americano iria formar o seu estado do Curdistão no Norte do país.


 


 
O aspecto mais interessante dessa pesquisa foi exatamente a questão do apoio da população aos ataques chamados de “terroristas” contra as tropas de ocupação. Se em janeiro o apoio estava na casa dos 47%, agora em setembro ele subiu para 61% no geral. Mas, em particular na comunidade sunita, composta pela maioria dos insurgentes, dos que resistem à invasão de armas na mão, esse índice chega a 92% (entre os xiitas o apoio é de “apenas” 62%). Entre os curdos, apenas 14% apóiam as ações dos beligerantes (2).


 


 
A despeito da declaração de Bush de que “a questão da desocupação do Iraque é decisão para o próximo presidente dos EUA (o 44º)”, que tomaria posse em 20 de janeiro de 2009, não compartilho com essa opinião. Tanto por fatores internos no próprio Iraque e no mundo árabe, como os externos, levam a crer que uma data para a desocupação vai acabar tendo que ser anunciada para breve. A grande contradição é que com esse anúncio, a resistência intensificará ainda mais os combates e seguramente acabará vencendo.


 


 
Podemos acrescentar a tantos erros cometidos pelos Estados Unidos, na visão do analista político Michael Lind, pelo menos os seguintes: 1. invasão completamente desnecessária e desgastante; 2. insultos gratuitos da administração Bush a muitos dos seus aliados, especialmente árabes; 3. seu unilateralismo arrogante e 4. Sua hostilidade às leis internacionais (3).


 



O fator “Saddam”


 


Muitos podem não compartilhar com as idéias e métodos do último presidente do Iraque, Saddam Hussein, hoje prisioneiro de guerra do império americano. No entanto, mesmo pela sua forma autoritária de atuar, o país funcionava a contendo, as escolas tinham professores, a saúde era gratuita para todos e não faltava luz em parte alguma do país. A reconstrução do país, destruído em 1991, estava avançada, apesar do bloqueio econômico odioso imposto por determinação americana, pela ONU.


 


 
Hoje, Saddam vive um drama, que é político e não pessoal. Vem sendo “julgado” por um tribunal espúrio, em uma farsa de julgamento. Praticamente não tem direito a defesa, ainda que um comitê de mais de mil advogados tenha sido formado em vários países para atuar no seu processo. As convenções de Genebra proíbem que países ocupantes montem “tribunais” para julgar os líderes do antigo regime que depuseram com a ocupação. Saddam, da forma como tem conseguido, seja em pronunciamentos na própria corte que em alguns momentos são televisados ou seja em cartas e notas que envia através de seus assistentes, tem conclamado a população a resistir cada vez mais à ocupação. E vem mencionando que os árabes iraquianos vão derrotar os americanos, mais dia menos dia. Três de seus advogados já foram assassinados.


 


 
Fala-se nos bastidores que emissários do “governo” iraquiano, com apoio americano, vêm tentando conversar com árabes sunitas, os principais líderes da insurgência, para que participem mais do poder. É o desespero da parte de quem não vê saída alguma com os erros que cometeu com a invasão. Até mesmo o atual primeiro Ministro do Iraque, o xiita Nuri Al Maliki, vem deixando a desejar do ponto de vista dos norte-americanos. Os chefes do Pentágono o acham um frouxo, impotente para lidar com a resistência. No entanto, por ora não tem ninguém para colocar em seu lugar.


 


 
Em curto prazo, nós brasileiros, ainda vamos presenciar muitas mudanças, conflitos, mortes e reviravoltas nesse milenar país chamado Iraque. De nossa parte, manteremos nossos leitores sempre informados e procurando analisar esses fatos dentro de um contexto global.


 


OS: Sei que minha tarefa nesta coluna semanal, é cuidar de comentar assuntos do Oriente Médio, mas tem algo que não poderia deixar de dizer: no próximo domingo, dia 29, Vamos Todos de Lula Lá! Abraços.


 


Notas


 


(1) “Bush já compara Iraque a Vietnã”, publicada no jornal Estadão do dia 19 de outubro, página A16;


 


(2) Ver para isso a matéria publicado no Estadão do último domingo, dia 22 de outubro, no Caderno Aliás, intitulada “A guerra, na visão dos iraquianos”, na página J4-5 e assinada por Flávio Tavares;


 


(3) “A herança maldita de Bush para o seu sucessor”, publicada no Caderno Aliás, do Estadão, páginas J4-5 do dia 22 de outubro de 2006.

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