Amizade sincera

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Numa época em que convivemos diariamente, através das redes sociais virtuais, com conceitos como amigo e comunidade, creio que seria muito pertinente uma reflexão sobre a amizade e os sentimentos e valores que agrupam as pessoas.

Na internet podemos formar incontáveis redes de amigos trocando as informações mais diversas, compartilhando aspectos da vida íntima e socializando ideias. É uma ferramenta eficiente e até há pouco inimaginável na vida social, que possibilita a aproximação constante com amigos distantes e o contato com novas pessoas, cujos interesses comuns podem favorecer boas "conversas" por meio de textos sempre circunscritos a um pequeno número de caracteres. Seria talvez a amizade virtual uma forma de comunicação com um forte potencial de solidariedade, uma vez que torna quase familiares pessoas de círculos e mundos diferentes?

A amizade é uma mescla de familiaridade, afeição e compromisso ético. Por isso os amigos são tão importantes, afinal representam as nossas escolhas, as nossas afinidades eletivas elaboradas ao longo da vida. Nesse sentido, a amizade virtual pode ser sincera e intensa, do mesmo modo que a amizade na vida real pode se tornar com o tempo algo superficial. Tudo depende de como utilizamos as novas tecnologias: se a serviço do aprofundamento das relações humanas ou como uma forma vazia de ocupar o tempo e construir falsas ilusões. De qualquer modo é fundamental a presença do gesto e do olhar, do corpo e de suas emoções. Algo que será sempre imprescindível.

Guy Debord, em "A Sociedade do Espetáculo", já nos alertou a respeito enfatizando que "a vida nas sociedades, nas quais reinam as modernas condições de produção, apresenta-se como um imenso conjunto de espetáculos".

Para muitos pensadores o principal ingrediente da amizade é a conversação. A personagem do conto "Uma Amizade Sincera", de Clarice Lispector, confessa que "depois da conversa, sentíamo-nos tão contentes como se nos tivéssemos presenteado a nós mesmos." Na conversação entre amigos cabem as brincadeiras, os assuntos pueris e os mais íntimos e sérios. Em sua obra "Sobre a Amizade" o filósofo latino Cícero pergunta: "Há coisa mais doce do que poder falar com alguém como falamos a nós mesmos? De que valeria toda a felicidade do mundo se não tivéssemos quem com ela se alegrasse tanto quanto nós?"

Em uma conhecida fábula indiana, Budha responde a um discípulo que a amizade nada mais é que uma bengala forte e segura, um apoio e um auxílio para se atravessar o Rio da Vida sem receio de escorregar. E termina esclarecendo que a amizade, como a bengala, deverá ser bem cuidada, para que nunca se deteriore e não apodreça, pois uma amizade é algo vivo, que necessita de cuidados para não morrer.

As novas tecnologias abrem novos caminhos e novas possibilidades de comunicação e nos confrontam, ao mesmo tempo, com o imenso desafio de nos tornarmos mais humanos. Quem sabe, fortalecendo ainda mais os laços afetivos que nos unem a outros seres humanos.

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