Anotações sobre marxismo e classes (final): contradição permanente

As classes sociais são fenômenos objetivos e não experiências subjetivas. São realidades políticas e não mercadológicas.

Este é o ensinamento fundamental deixado por Marx, Engels, Lênin, e pela tradição marxista.

O sociólogo brasileiro Luiz Aguiar da Costa Pinto, autor de Sociologia e desenvolvimento: temas e problemas do nosso tempo (1963) definiu classes sociais seguindo a tradição marxista. Disse que “as classes sociais são grandes grupos ou camadas de indivíduos que se diferenciam, basicamente, pela posição objetiva que ocupam na organização social da produção. Essas classes se relacionam e se superpõem formando um sistema de classes que é parte integrante da estrutura social e que, historicamente, se transforma com a transformação de sociedade. A posição das diferentes classes na estrutura social é fundamentalmente determinada por suas relações com os meios de produção e com o mercado. Elas se identificam pelo papel que têm na organização do trabalho e, daí, pelo volume, pelo modo de ganhar e pelo modo de empregar a porção de riqueza de que dispõem” (Costa Pinto: 1978).

Lembro este texto para indicar o grande esforço para a compreensão deste fenômeno social feito por muitos estudiosos brasileiros.

Esforço que, nos quadros da tradição marxista, descreveu as classes como fenômenos objetivos baseados na posição de cada nas relações de produção – se são proprietários dos meios de produção e do capital e, portanto, compradores da força de trabalho, vendida por aqueles que, destituídos de instrumentos e meios de produção, e dos meios necessários à própria sobrevivência, são obrigados a vender sua força de trabalho para adquirir, em troca, os meios necessários à vida.

Esta é a primeira linha da visão científica que permite a classificação dos seres humanos em uma sociedade.

Mas não basta esta visão que identifica as classes em si, como ensinou Marx. É preciso ir além e acompanhar o desenvolvimento da consciência de classe – a percepção da contradição entre os que trabalham e os que exploram o trabalho. As classes não são apenas realidades “objetivas” – elas são principalmente realidades políticas; aquele grupamento humano se torna em classe para si quando adquire a consciência desta contradição e a desenvolve até a formulação de um programa nacional, para toda a sociedade. Programa que se concretiza no partido político de classe capaz de lutar por sua implantação. Pela ultrapassagem do modo de produção capitalista e sua substituição por outra forma, mais avançada, de organizar a vida: o socialismo.

A consciência de classe se torna objetiva pela conquista do partido político de classe, socialista e avançado.

Este é um aspecto essencial da visão marxista: não basta a existência real, concreta, da classe – ela precisa se desenvolver e adquirir a dimensão subjetiva representada pela consciência da contradição social que opõe aqueles que trabalham aos que exploram o trabalho dos demais.

Outra dimensão fundamental da visão marxista é que as classes não são realidades fixas, que surgem num certo momento, prontas e acabadas, e se transformam de forma abrupta quando ocorre a situação social que impõe a mudança.

Para Marx as classes são realidades históricas. São realidades que respondem às situações concretas de cada época e também ao aprendizado que a classe incorpora durante seu desenvolvimento.

Neste sentido, o próprio desenvolvimento do modo de produção capitalista cria necessidades novas, para a produção prioriamente dita, para sua administração, e que tem grande impacto na distribuição dos bens produzidos no processo de trabalho.

Nesse sentido, Marx foi pioneiro em perceber outros dois aspectos fundamentais – o primeiro é que, nas condições da produção capitalista produtivo não é apenas o trabalho empregado na produção de riqueza nova (tangível) mas aquele que permite a reprodução e ampliação do capital seja pela apropriação da mais valia gerada no próprio processo de produção, seja pela incorporação de uma fatia maior da mais valia apropriada no processo de sua circulação. Isto é, para o capital o caráter produtivo do trabalho é duplo: produz riqueza nova e também permite a apropriação de riqueza já existente. O que importa, no capitalismo, é a valorização do capital!

O outro aspecto fundamental descrito por Marx, e que ajuda a esclarecer a discussão contemporânea sobre o chamado fim do trabalho, diz respeito ao impacto que o desenvolvimento das formas de produção capitalista produz nas própria maneira de trabalhar, e que tem impacto direto na definição das classes sociais.

Aquilo que, em polêmica contra as ideias de Thomas Malthus, Marx chamou de tendência normal da sociedade capitalista ajuda a entender as mudanças que, no século e meio seguinte a classe operária – aliás o proletariado – sofreria.

O enorme aumento da produtividade permitiu a incorporação cada vez maior da ciência à indústria. Este é o fundamento da diminuição do número dos trabalhadores diretos, e do aumento daqueles exigidos para a administração capitalista. E também para o planejamento e organização da produção. Aumentou também, de forma nunca pensada antes, o número de trabalhadores de classe média voltados a estas atividades fundamentais para a produção capitalista.

E também, por sua vez, permitiu o crescimento do número dos trabalhadores voltados ao bem estar social – médicos, professores, artistas, etc, etc. Uma sociedade mais rica permite que um número maior de pessoas não exerçam atividades diretamente produtivas mas se dediquem a serviços coletivos, como os chamou Marx.

Sob o capitalismo, estes trabalhadores – todos! – estão afastados dos meios e instrumentos de trabalho (do capital) e sua sobrevivência depende da venda de sua força de trabalho (suas habilidades e conhecimentos) aos donos do capital.

A sociedade capitalista se torna crescentemente polarizada entre a minoria que detém o capital, e a imensa maioria daqueles que estão em contradição objetiva direta com os donos do capital.

No início do século 21 a contradição capital-trabalho divide, como nunca ocorreu antes, a sociedade. Ao polarizar radicalmente as classes sociais, o capitalismo esgota cada vez mais seu papel histórico: a propriedade privada dos meios de produção, em mãos de uma minoria cada vez menor de pessoas torna a produção, sua gestão e planejamento, cada vez mais socializada. Mas a apropriação de seus resultados continua cada vez mais privada. Esta é a grande contradição de classe de nosso tempo.

Referência

Costa Pinto, Luiz de Aguiar. Sociologia e desenvolvimento. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.

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