“Aproximação”: Difícil ficar indiferente
O olhar de uma judia, não criada nos preceitos judaicos. e sua reação ao conflito árabe-israelense, são o centro do filme do diretor Amos Gitai
Publicado 04/11/2010 20:12
Em “Aproximação” do israelense Amos Gitai, o título diz o que ele, diretor, não pretendia. No original, o título “Désagagement”, significa “descompromisso”, “desobrigação”, justamente de que se trata a relação de Ana (Juliette Binoche) com sua filha Dana (Dana Jugg) e dos judeus ortodoxos com os palestinos, ao ocupar as terras destes na Faixa de Gaza. O filme trata justamente do que os separa. É partir deste tema que Gitai leva o espectador do velório do respeitado professor de Direito, Fritz, ao centro do conflito árabe-israelense.
A “aproximação”, quando se dá, é para mostrar a possibilidade de convivência entre os dois povos. Gitai o ilustra no plano sequência do corredor do trem, quando Uli (Liron Levo) trava ilustrativa conversa com a desconhecida palestina (Hiam Abbas). E rompem os ditames político-religiosos que os separam no Oriente Médio. Então, Gitai diz ao espectador que a convivência entre eles é possível e necessária.
A este preâmbulo vem o que dá sentido ao título em francês. O descompromisso do falecido professor Fritz para cujo funeral Uli atravessou fronteiras. Embora fosse judeu, Fritz não seguia seus preceitos, tampouco educou a filha Ana para entender o judaísmo ou os conflitos árabe-israelenses. É este descompromisso que ela demonstra em todo o velório, quando dança, brinca com o meio-irmão Uli e ouve o canto lírico da intérprete afrodescendente (Bárbara Hendriks).
Existem fatos, no entanto, que a ligam a uma realidade que o espectador ignora nas sequências do velório. A câmera de Gitai (“Keedma”, “Free Zone”) percorre os cômodos, fixa-se no comportamento excêntrico de Ana, porém o estranhamento vem de Uli. Ele parece um desconhecido naquele ambiente, não está vinculado àquele casarão, àquela cultura. Sua realidade é bem outra. São apenas reflexos de uma vida que não viveu ou conviveu, ao contrário de Ana. E pode-se dizer que estas são as sequências ficcionais de “Aproximação”, as demais são tipicamente documentais.
Primazia pela terra
gera o conflito
É como se o espectador estivesse num daqueles filmes de Visconti (“O Leopardo”) ou Bertolucci (“Novecento”) em que a herança cultural pesa mais que as intenções dos personagens em ignorá-las. Ana encaixa-se perfeitamente neste caso, dado ao fato aparentemente corriqueiro que a faz retomar seus elos perdidos. Então, Gitai repõe o filme naquilo que lhe interessa: a relação palestino-israelense. E a “ficção” cede à realidade. Com o mesmo descompromisso de antes, Ana toma uma decisão que a lançará em meio ao redemoinho de sua cultura, de sua história. E o filme então se desliga da construção impressionista, cheia de sombras e retração.
Não que a câmera de Gitai, sempre em grandes planos, não flagre a intimidade dos personagens, o atrevimento de Ana. Ela menos que Uli se mostra inteira para o espectador, pois desligada da cultura e da política israelense tem menos noção de seus compromissos. Afinal, em Avignon, ela pode ignorar fronteiras, transitar entre povos de diversos continentes, e não enfrentar os conflitos violentos dos subúrbios da capital, Paris. E quando, por fim, é lançada ao campo de batalha, está completamente despreparada. Tudo lhe parece absurdo, sem sentido, até descobre outro Uli, mais decidido do que no velório do pai.
Nestas sequências, “Aproximação” penetra em outro campo: o da crença dos judeus ortodoxos na primazia da terra, que “lhes pertence” por razões teológicas. Estão ali primeiro por isto, depois para ocupar a Faixa de Gaza, retirada aos palestinos. A sequência do rabino rezando diante da cerca de arame, com as tropas israelenses do outro lado, ilustram bem esta dualidade. Os soldados estão ali para derrubar o assentamento e ele, com seus seguidores, se apegam a “Tora” para fazer valer sua crença de que a terra lhes pertence por “graça divina”. Ana, colocada entre ambos, encontra uma cultura que a choca, mergulhando-a no absurdo.
Esta contradição entre o desconhecimento da cultura e sua realidade é que a põe em transe. A cena em que ela vê a filha Dana no ônibus tem muito de violência e atesta o quanto de tragédia grassa não só na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e nos demais territórios palestinos. Os soldados comandados por Uli, que enfim se revela, estão ali cumprindo determinação de Estado; pouco importa a crença ortodoxa, ela não pode estar acima da convivência pacífica entre dois povos. Tudo aquilo parece sem sentido. Igual aos assentamentos e outros bloqueios que impedem hoje o acordo para a edificação do Estado Palestino.
Gitai reforça, desta forma, o “cinema do imediato” que franceses, asiáticos, árabes e israelenses fazem hoje, retirando da realidade em ocorrência aquilo que pode contribuir para a reflexão do espectador. E não é que não divirta ou emocione. As sequências da retiradas dos assentados são eletrizantes, bem encenadas e montadas. Difícil é ficar indiferente ou não condenar os constantes massacres do povo palestino.
“Aproximação”. (“Désengagement”). Drama. França/Isarael. 2007. 115 minutos. Roteiro: Amos Gitai/Marie-José Sanselme. Elenco: Juliette Binoche, Liron Levo, Jeanne Moreau, Barbara Hendriks, Dana Jugy, Hiam Abbas.