As ações do Maranhão no enfrentamento à pandemia

.

O governador do Maranhão, Flávio Dino - Foto: Divulgação/Secap

O Maranhão, que situa-se numa área de transição geográfica, entre o Norte e o Nordeste do país, está num momento de transição política. O estado experiencia a diferenciação entre um modo de governança oligárquico para um sistema mais plural, baseado na coordenação de diferentes grupos de interesse sob a égide de um projeto de desenvolvimento social e econômico. 

Flávio Dino (PCdoB) apresenta uma agenda de centro-esquerda pautada na justiça social,  e sustenta-se em alianças políticas tão heterogêneas quanto ambivalentes, que possuem vínculos até mesmo com o sarneísmo [1] que ele sepultou. Foi uma coalização de 16 partidos [2] que o reelegeu em 2018, e, apesar da pluralidade de forças que compõem o governo, a locomotiva capitaneada por Dino, alicerçada em um pragmatismo legislativo, tem se mostrado eficaz em romper, ainda que parcialmente, com o que chamamos de gramática política oligárquica de distribuição de incentivos e recursos de poder. 

A atuação do ex-magistrado como governador e sua oposição pública ao bolsonarismo abrem possibilidades de uma candidatura em 2022, e colocam o Maranhão sob os holofotes da imprensa nacional. 

Os desafios e estratégias do Maranhão

A crise sanitária evidencia um obstáculo histórico para a saúde no Maranhão: a centralização dos pontos de atenção. A atual dificuldade em ampliar a oferta é herança da política de saúde implementada por governos passados, que concentraram investimentos na capital e em municípios administrados por aliados, ignorando as diretrizes do SUS e a lógica de descentralização e regionalização de serviços. Esse insulamento tem se mostrado um desafio no enfrentamento da pandemia. 

Além disso, a partir de maio temos a interiorização da doença. No início, mais de 90% dos casos confirmados estavam na região metropolitana de São Luís. Àquela época, barreiras sanitárias foram montadas para retardar a chegada do vírus e monitorar casos, principalmente em aeroportos e rodoviárias [3]. 

Com o aumento exponencial da doença, o foco de contágio se deslocou para o continente, onde a infraestrutura é consideravelmente menor. Enquanto na capital houve margem para ampliação, readequação, aluguel de estruturas privadas ou mesmo requisições administrativas [4], no interior do estado estas possibilidades são menores.

Porém, a ampliação da capacidade hospitalar [5], como toda política pública, dispõe de recursos limitados, há um teto. As medidas de isolamento social são a segunda parte da difícil equação necessária para diminuir o ritmo de contágio e, portanto, garantir a manutenção do sistema de saúde sem que o mesmo entre em colapso. 

As relações federativas na pandemia

O governo federal tem atuado de forma desordenada e por vezes contrária às evidências científicas, se eximindo de seu papel histórico de coordenador das políticas de saúde. Entretanto, é o ente federado que dispõe de maior capacidade de mobilização de recursos (financeiros, institucionais e políticos) e que detém, efetivamente, a responsabilidade de orientar as diretrizes que Estados e municípios devem seguir. Já os municípios se vêem diante de dificuldades históricas, de fragilidades das redes municipais de saúde devido ao subfinanciamento e utilização ineficiente de recursos, e da demanda imediata da população. 

Portanto, a pandemia é um cenário que interfere nas relações federativas, de modo que problemas anteriores são agravados e a tomada de decisão dos atores políticos leva em consideração os avanço da doença e seus impactos sanitários e econômicos. 

A articulação institucional do governo estadual com os municípios maranhenses pode ser analisada a partir da capilaridade que o executivo estadual dispõe com as diferentes realidades municipais. Em 11 de abril de 2020 foi editado o decreto 35.731, que flexibilizava às prefeituras municipais a possibilidade de estabelecer suspensão a uma eventual restrição geral, observando as condições epidemiológicas de cada cidade. 

O decreto à época serviu a dois princípios: 1) garantir autonomia dos municípios maranhenses em definir seus próprios critérios de isolamento social e vigilância, uma vez que São Luís apresentava até então números relevantes de casos e óbitos por coronavírus; 2) aliviar a pressão sobre o governo estadual no que diz respeito a setores empresariais pró-abertura de atividades econômicas não essenciais. Esta postura tática garantiu fôlego para o executivo no enfrentamento ao contágio do vírus na capital que, entre os dias 5 e 17 de maio, aderiu, por intermédio do judiciário, ao lockdown

A mudança de comportamento em relação aos municípios veio no dia 20 de maio de 2020, com o decreto 35.831, que autoriza de forma mais abrangente a regra de funcionamento do comércio nas cidades do interior, sem contudo eliminar a autonomia municipal. Ainda em 20 de maio, Flávio Dino anunciou a reabertura gradual [6] das atividade econômicas a partir de 1° de junho, assim como outros estados e municípios. Essa linha tênue de atrito institucional entre governador e prefeitos não é, como temos visto na pandemia, privilégio do Maranhão. 

Já a relação entre governo maranhense e o governo federal pode ser analisada a partir de duas óticas distintas. A primeira e mais evidente, é de que são narrativas políticas antagônicas, pois presidente e governador divergem ideologicamente, e entram em atrito também devido às possibilidades eleitorais em 2022. Uma segunda camada diz respeito à burocracia cotidiana da gestão do SUS, tendo em vista que os embates do primeiro plano não eximem os atores de dar andamento às relações institucionais necessárias e pré-existentes. 

Assim, como frisamos em textos anteriores, o federalismo brasileiro caminha tortuosamente e o Maranhão é um caso relevante para compreender os limites e possibilidades destas relações políticas e institucionais sob um cenário de pandemia. Enxergar estes conflitos, do ponto de vista de avanços e entraves entre união, estado e municípios é o ponto de partida para compreender melhor que rumos a engrenagem federalista nacional adotará, sobretudo ao final da pandemia.

Referências bibliográficas:

[1] Sarneísmo refere-se ao período (1966-2006) em que o executivo estadual foi dominado pelo ex-presidente José Sarney e seu grupo de aliados políticos.

[2] Além do PCdoB, somam-se às legendas de PDT, PRB, PPS, PTB, DEM, PP, PR, PTC, PPL, PROS, AVANTE, PEN, PT, PSB e Solidariedade.

[3] Ver mais em: https://imirante.com/oestadoma/noticias/2020/04/18/barreiras-sanitarias-foram-montadas-em-45-municipios-do-maranhao-diz-ses/ Acesso em: 09/06/2020

[4] Ver mais em: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2020/05/13/secretario-de-saude-do-ma-fala-em-ampliacao-de-rede-hospitalar-no-interior-e-revela-cidades-que-receberao-utis.ghtml Acesso em: 09/06/2020

[5] Até a data de 09 de junho, o Governo do Maranhão anunciou, através de canais oficiais de comunicação, a ampliação de 232 leitos para 1710 leitos para pacientes de COVID-19, ou seja, um crescimento de 637%

[6] Ver mais em: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2020/05/20/governador-anuncia-reabertura-gradual-do-comercio-no-maranhao-a-partir-da-segunda-feira.ghtml Acesso em: 10/06/2020

Artigo elaborado em coautoria com Hesaú Rômulo, cientista político e também colunista do Portal Vermelho.

Publicado originalmente no site da Associação Brasileira de Ciência Política.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *