As voltas que o Serra deu
Publicado 27/10/2010 18:51
As pessoas costumam evoluir quando envelhecem, principalmente os que participam ativamente da luta pela transformação social. José Serra é do grupo das exceções, surpreende quem o conheceu ainda jovem dirigente estudantil quando enfrentava a ditadura e condenava o imperialismo. Naquela época precisou sair do país e muitos companheiros, de uma geração anterior, o ajudaram, principalmente o grande grupo formado durante as lutas estudantis que floresceram no movimento “o petróleo é nosso” da década de cinqüenta.
Muitos, daquele grupo politizado que exerceram a sua cidadania na liderança estudantil da UNE e UEE, já ocupavam destacados postos políticos e profissionais na defesa da democracia brasileira durante o governo Jango. Dentre outros, Almino Affonso, Plínio de Arruda Sampaio, Rubens Paiva, Fernando Gasparian, Fernando Henrique Cardoso, Aluízio Nunes, Adriano Branco, José Gregori. A ação violenta da ditadura militar contra a esquerda em geral, atingira tanto os que participavam dos grupos guerrilheiros como todos os conhecidos comunistas do Brasil e atingiu aqueles nacionalistas que se solidarizavam coerentemente na luta pela liberdade do povo e independência nacional. Rubens Paiva foi torpemente assassinado e muitos sofreram prisão e torturas indizíveis, como Dilma Roussef e tantos outros que hoje ainda lutam pelos mesmos ideais.
Estavam, na década de 60, no mesmo barco nacionalista e democrático. Alguns prosseguiram na luta pelo desenvolvimento nacional que vários partidos e movimentos de esquerda, com o nascente PT de Lula, passaram a conduzir durante os negros anos da ditadura, com o apoio do MDB que se opunha oficialmente contra o ARENA – partido da direita obscurantista. Como ocorre sempre que a luta política se radicaliza sob um poder ditatorial, a esquerda militante recebia o apoio de pessoas cujo caráter pessoal exigia justiça e respeito humano, qualquer que fosse a sua formação ideológica anterior.
Com o enfraquecimento da linha terrorista dos militares na América Latina, que coincidiu com a descolonização da África e a queda das ditaduras de Portugal e Grécia, houve marcante ascensão da esquerda mundial em torno das lutas populares pela independência nacional. Aqueles antigos líderes nacionalistas do movimento estudantil brasileiro foram atraídos pelo caminho da luta popular em prol do desenvolvimento nacional.
Entretanto, sob o apoio do movimento internacional-socialista (do qual Mario Soares foi expoente apoiado por Helmut Kholl e Kissinger para desviar a Primavera de Abril do seu caminho de libertação nacional) fortaleceu-se uma posição centrista com a fórmula do “capitalismo humanizado” traçada pelo “consenso de Washington” que prosseguia com as políticas opressoras sobre as nações mais pobres na adoçada versão econômico-financeira do FMI e do Banco Mundial. Tal versão atraiu os defensores de uma “democracia mundial”, distantes do conceito de luta social e de independência nacional. A mídia tratou de divulgar esta formula política, caracterizada com as mesmas tintas da campanha “paz e amor” que se expandira para atenuar a natural rebeldia que levava a juventude à participação social, dividindo o movimento popular que se alastrava mundialmente.
O MDB consolidado no PMDB sob a liderança de Ulisses Guimarães e Montoro, sofreu uma ruptura que separou aquelas duas tendências dando origem aos tucanos do PSDB que, renunciando até mesmo aos seus próprios livros teóricos marcados pela meta democrática e nacional (como sucedeu explicitamente com FHC) aderiram à estratégia do FMI que exigia desnacionalização dos recursos naturais, privatização de patrimônios indispensáveis ao desenvolvimento nacional, e a defesa do “estado mínimo”, recomendado pela britânica Margareth Thatcher e pelo ditador Pinochet com a assessoria dos “Chicago-boys” que delinearam o sistema neo-capitalista onde o controle social é feito pelo mercado e não pelo Estado democrático.
Aquele grupo de antigos líderes estudantis nacionalistas foi ideologicamente fraturada, agrupando-se, parte na centro-esquerda brasileira e parte na direita internacional. Tornou-se claro o rompimento irreconciliável sob o governo de FHC com a participação destacada de Serra, que se submeteu às ordens do FMI, desnacionalizando e estagnando o Brasil. Não foi esquecida a seqüência de lutas internas no PMDB marcadas por traições à ajuda que Montoro dera para fazer FHC senador e impulsionar a carreira política de Serra.
Esse encaminhamento da política brasileira, reaberta à participação democrática pela campanha das “eleições diretas já”, seguiu com altos e baixos contraditórios até à vinda de Lula com uma postura claramente voltada para os interesses legítimos da nação, liquidando rapidamente a dívida com o FMI e preparando o país para o maior salto da sua história, tanto no resgate de dezenas de milhões de brasileiros marginalizados da sociedade pela miséria, como no ambicioso programa de investimentos protegendo o Brasil da crise de 2008 que afetou duramente os Estados Unidos e a Europa. O êxito dos dois mandatos de Governo Lula são comprovados pelas pesquisas de opinião que revelam seguidamente que 80% da população está de acordo com o programa de desenvolvimento nacional.
José Serra, pela ambição pessoal de chegar à Presidência nas eleições de 2010 quando Dilma Roussef foi lançada como candidata de Lula e de seus 80% de apoiantes, não teve pejo em receber o apoio da famigerada TFP – Tradição, Família e Propriedade – que se tornou mais conhecida por apoiar a direita mais rançosa da ditadura militar, e de permitir que a sua propaganda aparecesse em “santinhos” em que de um lado tem a sua foto e do outro a figura de Jesus Cristo. O apoio que deu a Marina Silva dividiu uma faixa do eleitorado de esquerda que seguia Lula apenas com idealismo. As maledicências caluniosas que a sua campanha moveu contra Dilma só a engrandeceram por caírem ao lado como “bolinhas de papel” inofensivas. Já Serra feriu a careca reluzente não se sabe com quê, talvez a queda da auréola mal colada pela TFP.
Dá certa pena para quem acompanhou a história, mas o Brasil merece respeito e a luta só pode ser conseqüente atendendo as necessidades do povo, mesmo que alguns cidadãos fiquem pelo caminho.