Assistindo ao canal Curta na madrugada

Não se pode mais pensar em televisão com o pensamento do passado. Claro que muitos canais continuam sem progresso. Mas TV hoje é totalmente cultura, dependendo do canal

Fotomontagem feita com as fotos de: Anete Lusina/Pexels

Hoje, eu passei a madrugada, das 1h30min até as 4h45min, vendo televisão. Um fato que há muitos anos não me acontecia. O canal que vi foi o Curta. E que diferença foi entre o que assisti e o que seria normal acontecer até na melhor televisão do país. Antes, você não gostava de ver a mulher e os filhos vendo tv, isso pelo baixo nível cultural. E sem dúvida, para ver três horas de televisão, você teria que ver ao menos uns cinco anúncios iguais repetidos. Não se pode mais pensar em televisão com o pensamento do passado. Claro que muitos canais continuam sem progresso. Mas TV hoje é totalmente cultura, dependendo do canal.

Primeiro, vi metade de um programa sobre o cineasta Ingmar Bergman. Um programa antigo. Feito na França com vários entrevistados franceses ligados ao cinema.

Depois, vi o episódio em que sou o entrevistado da série Palavra Crítica, que está passando no Curta. E assim pude julgar o trabalho realmente excelente de montagem. Conseguiram fazer de mais de uma hora de entrevista um depoimento acerca de uma vida ligada ao cinema. De maneira correta. O que penso em torno do cinema. E ficando bem claro que minha ligação é com a cultura e não especificamente com o cinema. É para notar a imagem que eu destaco. Não uma cena específica de um filme, mas a imagem da Ponte da Boa Vista no Recife. Quem a conhece ou quem tenha visto, mesmo pelo cinema, sabe como o seu visual é explicitamente belo com as laterais deixando o ferro se destacar. É uma imagem que vejo se destacar não só na cidade. Mas na minha mente.

Em seguida, vi o filme “Torquato – imagem da incompletude”. Com duração de hora e meia sobre o poeta piauiense tropicalista Torquato Neto. Uma boa documentação não só dos trabalhos de Torquato, mas de depoimentos de pessoas, inclusive Cacá Diegues.

E terminei vendo um depoimento do escritor Valter Hugo Mãe, do qual segundo Marco Queiroz eu sou um novo fã, depois de ter lido “A máquina de fazer espanhóis”. Foi sem dúvida a primeira vez que vi realmente esse escritor que tem uma aparência de um jovem executivo de uma sociedade desenvolvida. É um rapaz com a barba muito bem aparada e a cabeça raspada. Mãe nasceu em Angola, mas é português. Deve ser um competente profissional no fazer romances. E nada um ‘intelectual’.

Enfim, hoje televisão é realmente um instrumento de divulgação cultural da maior importância. E dá prazer assistir.

Olinda, 05. 08. 2021

Avenida Brasília Formosa

Filme “Avenida Brasília Teimosa”

Uma dúvida que me ficou, e pela pesquisa que fiz não tive resposta, é para saber se o filme de Gabriel Mascaro “Avenida Brasília Formosa”, que passou hoje de madrugada na Globo Recife, é realmente uma produção independente ou alguma entidade teve interesse em sua produção. O filme divulga que é um documentário, mas ao mesmo tempo divulga o elenco e dá o nome de alguns participantes. E também tem diretor de arte, Thales Junqueira. Mas o fundamental é que esse bairro no início de sua existência, mais ou menos nos anos 60 do século passado, se chamou Brasília Teimosa justamente porque existia uma comunidade que criou uma situação de existência, um grupo social que começou a habitar aquela área do antigo Pina, e o poder governamental reagia colocando contra eles a Polícia.

Na visão de Gabriel Mascaro, o bairro não tem nada de teimoso. Tudo está na mais santa paz. E quase no final do filme aparece uma moça local que explica justamente que o bairro é inteiramente pacífico. Não foi ouvido nenhum outro participante do bairro que tenha opinião contrária. O que mais se acompanha são moças com trajes de banho, pois a região é de praia, e em vários folguedos dançantes. Não se mostra em nenhum momento alguém que fale em organização do bairro, ou não se fala também nunca em alguém ir para a escola, nem crianças nem jovens, que na verdade quase não aparece alguém velho.

Aparecem pessoas em relação com o trabalho, seja como pescador ou também como cabeleireira ou pequenas outras atividades. A cena que me pareceu colocada como busca de uma opinião social seria quando são fixados os dois grandes prédios, que ficam justamente em frente do bairro no Recife. E também mais umas duas cenas com prédios contrastantes. Para a história do bairro, no mínimo o realizador deveria pedir para alguém comentar essa situação. Brasília Teimosa pelo menos tinha vários restaurantes que ficaram famosos e eram frequentados pela burguesia. Não sei se ainda tem.

Enfim, esse foi um dos primeiros filmes dirigidos por Gabriel Mascaro, que hoje já tem uma filmografia bastante densa e de boa qualidade. Quanto à exibição na Globo Recife de madrugada, é uma questão para ser analisada. De qualquer maneira é importante, pois nunca deixará de ter gente para assistir. Melhor do que não ser exibido. Eles, a Globo, exibiram sem publicidade. Mas poderiam colocar algum crítico ou o próprio diretor para comentar um pouco o que seria o filme que estava sendo exibido. Daria uma luz ao espectador notívago. Os que acompanham o cinema brasileiro talvez não precisem.

Olinda, 19. 09. 21

As três coroas do marinheiro

Filme “As três coroas do marinheiro”

Esse filme, “Le trois couronnes du matelot”, foi realizado e lançado em 1983 pelo grande cineasta chileno-francês Raoul Ruiz, que saiu do seu país de origem em 1974, quando da ditadura Pinochet. E desde então conseguiu realizar uma grande carreira cinematográfica na França até morrer em 2011. Esse filme, que está sendo apresentado agora pelo Mubi, foi produzido pela estação de TV Antenne 2.

E eu coloco em destaque esse fato da produção por uma TV certamente para justificar o seu caráter estilístico. O fato dele utilizar o tempo todo – e ele não é curto, tem quase duas horas de duração, 1h52min – elementos ligados ao gosto popular como violência física, cenas eróticas, diálogos discursivos, etc. Mas na verdade Ruiz pode ter colocado muito mais no roteiro para então ganhar o apoio da televisão, que precisa naturalmente de grande público.

Por outro lado, no seu contexto construído, o que temos é uma obra que restou com um ar pretensioso de ser uma obra literária de grande dimensão. Ruiz buscou a existência de uma espécie de tragédia dramática. Enquanto temos uma espécie de reportagem em torno de um tema fantasioso que aparece e sai de cena.

Como se trata de um produto feito por gente de grande competência, mesmo que o roteiro se perca. o filme se sustenta. O próprio roteiro foi escrito pelo Raoul Ruiz junto com François Ede e Emilio Del Solar. Enquanto a cinematografia foi feita pelo francês Sacha Vierny, que sem dúvida colabora para a aparência de grande filme da obra. E ainda tem a música muito sonora do chileno Jorge Arriagada.

Apesar de tudo isso, “Three crowns of the sailor”, como é nomeado para o público mundial, é um trabalho menor do cineasta chileno-francês. Talvez tenha sido feito como fazem os cineastas para não parar de produzir, embora sejam obrigados a ‘esquecer’ a sua forma de pensar. Explorar a violência como atração visual não seria uma atitude de Ruiz em princípio.

Olinda, 18. 08. 2021

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor