Até tu, Frei Betto!?

 
Briton Riviere registra a matança dos porcos por Jesus  

Carlos Alberto Libânio Christo, dominicano que adotou o nome de frei Betto, escreveu “Dilma e a fé cristã”, declarando que ela nunca foi “marxista ateia” e se contrapondo aos retrógrados que atacam a candidata e apoiam seu opositor, Serra. Atuante na luta democrática e em favor dos oprimidos, o autor recebeu vários prêmios por sua defesa dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Assessorou Cuba nas relações Igreja Católica-Estado. Seu artigo foi amplamente divulgado, em função dos argumentos que apresenta. Mas…

A certa altura, o dominicano escreveu nesse artigo, narrando o período da ditadura militar brasileira: “Nossos torturadores, sim, praticavam o ateísmo militante ao profanar, com violência, os templos vivos de Deus: as vítimas levadas ao pau-de-arara, ao choque elétrico, ao afogamento e à morte”. Daniel Sottomaior, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), contra-atacou: “Não há como salvar essa lógica. Trata-se de expressão clara de preconceito. … E o contexto não poderia ser pior: o mote do artigo é salvar a candidata de ‘acusações’ de ateísmo, ao invés de mostrar que ateísmo não é matéria de acusação em sociedade não discriminadora. … A maldade dos ateus é mais uma dessas lendas preconceituosas, reafirmada ‘ad nauseam’ pela sacrossanta Bíblia Sagrada e por quase todos os seus cristianíssimos seguidores, apesar de desautorizada por todos os dados disponíveis.”

A ombuds(wo)man da Folha de S.Paulo, Suzana Singer, onde o texto do religioso foi primeiramente publicado, recebeu “muitas mensagens com críticas ao artigo de frei Betto”. Conversou com ele, que “disse que com a expressão ‘ateísmo militante’ quis se referir às pessoas que violam os ‘templos de Deus’ que seriam os corpos humanos. Assim, os torturadores seriam ateus militantes porque realizavam essa violação, mesmo se dizendo cristãos. Frei Betto diz que respeita quem é ateu, porque negar a existência de Deus, segundo ele, também é uma posição de fé. O que ele não reconhece (nem respeita) é quem tenta desmoralizar as concepções de fé de alguém.”

Confiando que Suzana foi fiel ao que disse o dominicano, ele se enrolou ainda mais… As pessoas que violam os “templos de Deus” seriam ateus militantes (a Santa Inquisição foi feita por ateus militantes, portanto). E, dogmático, diz que tanto quem crê quanto quem não crê na existência de Deus são fiéis! Ora, tratar assim o materialismo científico (uma das variedades do ateísmo) é, no mínimo, desconhecer seus argumentos e juntar tudo no balaio da “fé”. A fé dispensa provas. A ciência exige evidências e repetição de evento. São concepções de mundo antagônicas, não diferentes tipos de fé. Não há aqui separação entre “bons” e “maus”. Gente de bem pode ter fé ou ser ateia. Tanto fideístas quanto ateus têm em suas fileiras criminosos e fanáticos, muitos deles cruéis. E ainda faltou clareza: desmontar e criticar as falácias teológicas é o mesmo que “desmoralizar as concepções de fé de alguém”? A fé é assunto proibido? A quem interessa esse índex?

Ao longo da história e na atualidade, são muitos os ateus. Uma verdadeira legião, na sua maioria gente boa, se consideramos que a maioria da humanidade é formada de gente boa, independentemente da sua fé ou da falta dela.

Há uma passagem no Evangelho de São Marcos (5, 2-13) em que Jesus se depara com “um homem possesso do espírito imundo”. O infeliz correu a Jesus “e prostrou-se diante dele, gritando em alta voz: ‘Que queres de mim, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te por Deus, que não me atormentes’. É que Jesus lhe dizia: Espírito imundo, sai deste homem! Perguntou-lhe Jesus: Qual é o teu nome? Respondeu-lhe: Legião é o meu nome, porque somos muitos”. Os muitos pediram a Jesus “que não os lançasse fora daquela região. Ora, uma grande manada de porcos andava pastando ali junto do monte. E os espíritos suplicavam-lhe: Manda-nos para os porcos, para entrarmos neles.” Jesus cai na tentação do imundo espírito e, no que seria hoje considerado um crime ambiental (explica essa, Marina, evangélica Marina!) e num desrespeito à propriedade do dono dos animais (justifiquem, integrantes da ultradireitista Tradição, Família e Propriedade, TFP), permite que os seus adversários da Legião entrem “nos porcos; e a manada, de uns dois mil, precipitou-se no mar, afogando-se”. Diante dessa flagrante maldade “o povo começou a suplicar a Jesus que saísse do território deles”. (Marcos 5,17)

 A legião de possessos do “espírito imundo” tem, entre seus pensadores, gente boa como Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lenin (que, aliás, era um incentivador do materialismo militante), Rosa Luxemburgo, Bertrand Russell, Carl Sagan, João Amazonas, Loreta Valadares, José Saramago, Richard Dawkins, Umberto Eco, Juca Kfouri, Dráuzio Varela, o Daniel Sottomaior, acima citado… Uma legião que não se precipitou ao mar e nem fez desatinos desumanos. Essa legião é formada de violadores do “templo de Deus”, Libânio Christo? O que é isso, companheiro?

Mas vamos pelo que nos une: No dia 18, no Rio de Janeiro, Dilma recebeu apoio à sua candidatura de inúmeros intelectuais e artistas. Lá estavam doutrinadores cristãos, como Frei Betto e Leonardo Boff, e hereges, como Chico Buarque e Oscar Niemeyer. A candidata afirmou: "Não queremos o Estado apropriado por nenhuma crença, nenhuma religião…". Ao citar as seitas (budismo, catolicismo etc.), ouviu da plateia: "Ateus!". "E os ateus, os judeus…", incorporou. Amém, Dilma, amém.

Sejamos legionários no twiiter: @carlopo

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