Barreira: quem assumirá o ônus de mutilar a democracia?

Transparece pela agilidade não costumeira com a qual foi aprovada a PEC do Senador Marco Maciel, na CCJ do Senado, a existência de um suposto pacto entre as cúpulas dos autodenominados grandes partidos para ressuscitar a cláusula de barreira – cláusula qu

Agora, veremos na votação em plenário qual parlamentar estará disposto a incluir na sua biografia a mancha de ter votado “sim” à exclusão das minorias da vida institucional do país. Ver-se-á qual partido estará disposto assumir o ônus de ter sido cúmplice de um arranjo conservador para instituir “a ditadura da maioria”.


 



Esta convicção de que cláusula de barreira tem com fim instaurar no país “uma ditadura da maioria” à medida que debilita as minorias e golpeia o pluralismo político em confronto com os princípios pétreos da Constituição foi o que levou o STF por unanimidade a extinguir essa aberração jurídica.


 



A cláusula no Brasil foi instituída pela a ditadura militar de 64. Para tentar escamotear o arbítrio, os generais imaginaram um Congresso Nacional de fachada no qual teriam assento apenas dois partidos políticos. Veio a democratização no início dos anos 80 e cravada em 1985. A cláusula foi removida, a livre organização partidária instaurada. As vertentes trabalhista, socialista, comunista, de longa presença na história brasileira, legalizaram suas legendas. Surgiram, também, à época, agremiações novas, com o PT. Legenda pequena no seu início e que graças à inexistência de expedientes autoritários, como a cláusula, pode atuar e crescer.


 


Os constituintes de 88 liquidaram de vez a cláusula no âmbito de um trabalho que denominaram de livrar o país do “entulho autoritário”.


 


Mas, o autoritarismo na história brasileira tem sido renitente: vai e volta, volta e vai.


 


No início dos anos 90, o denominado Consenso de Washington desencadeia a imposição da agenda neoliberal. No receituário imposto: o sucateamento dos Estados nacionais, a desnacionalização das economias, o corte dos direitos trabalhadores, o reinado dos interesses do capital financeiro. Na esfera política, a democracia passa a ser golpeada exatamente com intuito de esmagar a resistência. Os movimentos sociais são tratados como caso de polícia e o autoritarismo passa ser diretriz à “boa governança”.


 


Entre “as verdades absolutas” do paradigma neoliberal há um que sentencia: a governabilidade é incompatível com o pluralismo político. Por isso, em 1995, FHC vai ao lixo da história e recolhe a cláusula de barreira e, novamente, por força de lei ordinária ela volta a vigorar. Com o auxílio da mídia, essa aberração jurídica é apresentada como uma medida necessária para “acabar com as siglas de aluguel”. Não se diz que se aluguel de siglas há, quem aluga é exatamente o chamado grande partido.


 


No final do ano passado o país vivia um paradoxo. Justamente quando a reeleição de Lula insurgia-se como um marco de um período promissor de mais democracia, desenvolvimento e justiça social, entrara em vigor a cláusula de barreira. Todavia, em dezembro do ano passado, o STF, em decisão histórica, desfez esse paradoxo ao declarar inconstitucional a lei que a impunha.


 


Mas, o conservadorismo, não se deu por vencido. E tenta, agora, por intermédio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) uma vez mais impô-la.


 


Todos os partidos, várias instituições, a mídia, há um abstrato consenso de que o país precisa de uma reforma política. Por que não fazê-la, então? Por que, como manda a democracia, não abrir um amplo debate no Congresso e na sociedade em torno desse tema, examinando em conjunto as propostas das diferentes correntes políticas?



 
Se há acordo em torno disso, por que vem, então, essa iniciativa açodada de membros do Senado para de modo “fatiado” impor, sem debate, em rito sumário, a cláusula de barreira? Por que não debatê-la no bojo do conjunto das outras propostas que estão em andamento no parlamento acerca da Reforma Política?


 


O que fica patente nessa iniciativa do senador Marco Maciel é uma ação exasperada do conservadorismo, ditada pela lógica da força, para excluir as minorias políticas do Congresso Nacional. O senador parece querer por uma aparente convergência de contrários fazer valer um dispositivo do regime  autoritário a quem serviu com zelo e apreço.


 


Convenhamos, todavia, que o senador Marco Maciel está sendo coerente. Da mesma forma ACM.


 


Coerência que será testada aos demais integrantes do Congresso Nacional. Veremos como votará, por exemplo, o Partido dos Trabalhadores. Votará o PT coerente com a defesa do pluralismo partidário, coerente com a defesa da democracia que ele contribuiu para fazer ressurgir em nossa Pátria e no seio da qual pode crescer e ser o partido expressivo que é hoje?

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