“Bela & Jovem” Sem culpa

A venda do corpo como liberdade e descoberta são tratadas pelo cineasta francês François Ozon em filme cheio de comportamentos disfuncionais

Nestes tempos de relações afetivas mediadas pelas redes sociais e sites de relacionamento, construir uma narrativa que capte as tendências comportamentais da geração atual não é tarefa fácil. O cineasta francês François Ozon (1967), neste seu “Bela & Jovem”, equilibra-se entre a burguesa Séverine Serizi de Luís Buñuel (1900/1983) em “A Bela da Tarde” (1967) e a tentativa de desvendar a mulher do Terceiro Milênio. Séverine Serizi, saída das páginas de Joseph Kessel (1898/1979), frequentava bordeis de luxo para fugir ao tédio, sua Léa (Marine Vacth), de 17 anos, de alta classe média, quer apenas usar as possibilidades eróticas de seu corpo.

Buñuel usa o fetiche para expor as razões de Séverine, que se submete às fantasias eróticas de seus parceiros, num sofisticado jogo, com símbolos que sintetizam a decadência burguesa. Ozon (“Oito Mulheres”, 2002) não se prende nuances e sutilezas. Sua narrativa é cheia de arestas, de variantes mescladas a voyerismo, traições conjugais, frieza e uso do corpo feminino. Sua câmera registra os ambientes frequentados por Isabelle/Léa, suas normais relações familiares e com os colegas de classe e, sobretudo, com os namorados ocasionais.

Se Buñuel/Kessel fazia um estudo sobre a decadência do casamento burguês, Ozon matiza o comportamento da garota a descobrir as possibilidades do corpo. Revela esta transição em off, num salto de uma situação para outra, com Isabelle, agora Léa, explicando porque os encontros furtivos a excitavam. Os motivos reais, o espectador irá apreender nos entrechos ao longo do filme. Ao contrário de Séverine que, ao entrar no bordel se transformava; Léa não o faz, rompe os padrões, satisfaz seus clientes, sem sentir-se usada, culpada ou resquícios de traumas.

Identidade preservada pelas redes sociais

Ozon tampouco a mostra arrependida, como se caída na perdição. Ela quer tão só desfrutar da liberdade, do uso do corpo para estabelecer seu próprio padrão comportamental. É desta forma fruto das relações sócio-culturais estabelecidas pelas redes sociais e os sites de relacionamento. Ao contrário das profsexs tradicionais que se submetem aos cafetões e ao tráfico para vender o corpo como mercadoria, ela, não, foge às teias do comércio do sexo. Seus encontros em ambiente classe A, acabam preservando, em termos, sua identidade e a de seus clientes. O que termina por facilitar-lhe a furtividade.

Ozon ao escolher esta abordagem fugiu ao esquemático rito de passagem, à família desestruturada, à garota atormentada pela ausência do pai, separado da mãe, ao assédio dos colegas de classe. Razões suficientes para citações freudianas e cenas degradantes. O contraponto à furtiva Léa é a dissimulada Isabelle que desperta o voyerismo do padastro Patrick (Frédéric Pierrot) e do irmão Victor. Seu livre comportamento leva-os a surpreendê-la em ações eróticas, sem que se importe com eles em seus atos solitários.

Desse modo, Ozon constrói uma personagem sintonizada com suas próprias escolhas, ao se entregar ao consumo do outro, em furtivos encontros em hotéis de luxo. O uso que Isabelle faz do dinheiro, fruto dessa troca, é surpreendente para uma garota de sua idade, dada à estrutura consumista em que vive. Não o esbanja com roupas, passeios, baladas, ela o acumula sem planos de gasto futuro. O que desfruta, no entanto, é o poder sobre o homem, que mesmo a usando continua a depender dela, para manter suas fantasias, pois em casa se furta a vivê-las.

Mundo de Léa é sem emoção

O contraste feito por Ozon entre o lugar que Isabelle vive e onde Léa circula é de ela ser protegida pela família num e produto na economia do prazer no outro. Neste os ambientes são assépticos, padronizados, numa repetição estendida das megalópoles mundo afora. Léa é parte deles, com seus clientes que a usam como se aperta o botão da máquina de Coca-Cola num aeroporto padrão. Isabelle, entretanto, não é frígida, encontra formas de compensação nestas relações fugazes, para além dos euros acumulados.

Ela tem consciência de suas escolhas e furta-se a prestar contas delas. Nem se defende ao ser recriminada pela mãe Sylvie (Geraldine Pailhas), pelo contrário, acusa-a de ter rachaduras no comportamento supostamente irrepreensível. O inusitado vem, porém, quando ela, Isabelle, se defronta com a desconhecida (Charlotte Rampling) que a confronta. Duas mulheres, estranhas uma à outra, num quarto de hotel cinco estrelas relembram o homem ao qual se ligavam por razões diferentes.

A mulher que saí desta sequência não é mais Léa, é Isabelle em seu instante de afetividade/maturidade. E Ozon demonstra coragem para destravar, sem moralismo, as cadeias comportamentais da mulher terceiromilenista, não a tornando um estereótipo às avessas. Não se trata, enfim, de uma opção para o consumo do corpo, demonstra as opções da juventude fora dos padrões estabelecidos, mesmo quando se trata do velho tabu. A culpa é, desde sempre, uma sentença religiosa.

Bela & Jovem”. (“Jeune & Jolie”). Drama. França. 2012. 95 minutos. Música: Philippe Rombi. Montagem: Laure Gardette. Fotografia: Pascal Marti. Roteiro/direção. François Ozon. Elenco: Marine Vacth, Géraldine Pailhas, Frédérice Pierrot, Charlotte Ramplimg, Johan Leysen.

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