''Big smile and big stick''

''In God we trust
The rest pay cash''


Theodore Roosevelt, um dos patriarcas do colonialismo moderno, sintetizou sua peculiar interpretação e descarada aplicação da Doutrina Monroe no conhecido “big smile and big stick”: abra um larg

Nem todos os sorrisos, nem todos os porretes, nem todos os políticos são iguais.  É verdade que a diferença, sobretudo em se tratando de presidentes estadunidenses, concerne sobretudo ao tamanho e a quantidade de dentões que exibem em seus risos estereotipados. Do democrata Clinton poder-se-ia dizer o mesmo que disseram de Richard Nixon: só um tolo compraria dele um carro usado. E aos que imaginam os democratas menos belicosos do que os republicanos, Truman oferece o fulminante desmentido de duas bombas atômicas responsáveis pelo mais mortífero massacre de todos os tempos. Clinton não matou tantos, mas foi mais sórdido: promoveu em dezembro de 1998 um bombardeio noturno de Bagdá, com o objetivo (sarcasticamente admitido pela mediática imperial) de distrair a opinião pública do processo de ''impeachment'' que então lhe era movido porque mentira ao não reconhecer ter se prevalecido de sua condição de presidente para satisfazer canhestramente suas pulsões libidinosas.


 


 


Seria Barak Obama muito diferente? Uma larga experiência histórica mostra que preferir um candidato só porque ele é do partido democrata pode ter algum sentido no que concerne a certos temas sociais e culturais no interior dos Estados Unidos, mas não em relação às questões que afetam toda a humanidade: a guerra, a voracidade dos trustes, a hegemonia do dólar, o “fascismo exterior” etc. (Foi Maurice Duverger, um dos mais respeitados analistas políticos franceses de sua geração, que classificou de “fascismo exterior”, referindo-se aos Estados Unidos, “um sistema que desenvolve a liberdade em seu próprio país e a opressão nos outros”. É próprio aos impérios, com efeito, reconhecer a seus próprios cidadãos os direitos que nega aos povos periféricos). A demonstração mais recente: ao assumir a presidência do Congresso em 4 de janeiro de 2007, após a vitória do partido democrata nas eleições legislativas de novembro 2006, Nancy Pelosi suscitou muita expectativa de que começaria a pôr fim à ocupação militar do Iraque, com seu diuturno cortejo de massacres e outros horrores. Até agora, não fez nada: o horror continua, impávido.


 


 


Donde a dúvida: que conteúdo objetivo Obama pretende conferir, no trato dessas questões decisivas, à palavra “mudar”, chave de sua campanha? A tônica de suas declarações, por exemplo «a mudança é reconhecer que responder às ameaças de hoje não exige apenas o nosso poder de fogo mas também o poder da nossa diplomacia, uma diplomacia dura…» é enfatizar o fracasso das operações bélicas de G.W.Bush e preconizar uma maneira mais eficiente de «conduzir o mundo livre». Para os povos que são alvo da fúria do Pentágono, a proposta pode trazer certo alívio. Mas a vontade hegemônica permanece integral. Tanto assim que embora pareça mais prudente, numa campanha eleitoral, dirigir-se primeiro a seus próprios eleitores do que a um público estrangeiro, Obama optou por empreender uma viagem ao Médio Oriente e aos principais aliados europeus dos Estados Unidos, logo que venceu a disputa para a indicação do candidato democrata à presidência. Quis dar uma resposta prática a seu adversário, que o tinha criticado por pretender pôr fim à ocupação militar do Iraque num prazo de dezesseis meses, sem no entanto lá ter posto os pés desde janeiro de 2006. Contrariando as expectativas do « brain trust » de McCain, qui previa uma sequencia de gafes e tropeções diplomáticos, a viagem foi, para ele, um incontestável sucesso. A visita ao Iraque deu certo: o presidente-fantoche de plantão concordou com a retirada lenta e gradual, em dezesseis meses, dos mercenários do Pentágono. (Supondo claro que Obama seja mais conseqüente que seus colegas do Congresso).  Pior seria o prosseguimento « sine die », preconizado por seu rival, da sangrenta ocupação colonial.


 


 


Entende-se que o candidato democrata tenha escolhido Berlim para expor, no dia 24 de julho, diante de uma concentração de massas que reuniu 200.000 admiradores ou curiosos, as grandes linhas de sua visão da política internacional. Foi com efeito na grande metrópole alemã que os Estados-Unidos obtiveram sua maior vitória política desde o fim da segunda guerra mundial. Para alívio da burguesia do mundo inteiro, a derrubada do muro exorcizou o espectro registrado na foto célebre que mostra soldados do glorioso Exército Vermelho desfraldando a também Vermelha Bandeira no topo do Reichstag, dia 8 de maio de 1945. Mas em vez de enfatizar, em seu festejado discurso, a supressão de uma barreira política, ele retomou a velha retórica da guerra fria, evocando o dia em que, “há sessenta anos”, “quando a sombra soviética se espalhava pela Europa do Leste”, “o primeiro avião americano aterrissou em Templehof” (aeroporto de Berlim ocidental). Os comunistas, prosseguiu, tinham bloqueado, em 24 de junho de 1948, todos os acessos à parte ocidental da cidade, «num esforço para suprimir a última flama de liberdade em Berlim». Última flama? A única liberdade que havia na Alemanha desde 1933, com a chegada de Hitler ao poder, resumia-se na inscrição que os nazistas colocavam na entrada dos campos de concentração: « Arbeit macht frei » (O trabalho liberta).


 


 


É verdade que no embalo do discurso, Obama condenou também os muros que separam os países « with the most » e os « with the least », bem como « as raças e as tribos»,  «os cristãos, os muçulmanos e os judeus», « os nacionais e os imigrantes». « Tais são os muros que agora devemos derrubar'', perorou. A idéia é excelente, mas por onde ele pretende começar a aplicá-la? Derrubando o muro que separa os Estados-Unidos do México ou aquele, ainda mais odioso, que o colonialismo facho-israelense construiu para dilacerar ainda mais a martirizada Palestina? Difícil para ele, porque o « muro americano », destinado a impedir os mexicanos e outros « latinos » de cruzar uma fronteira aberta somente para mercadoria e capitais, foi quase inteiramente construído por seu correligionário Clinton. Quanto ao muro israelense da vergonha, os sionistas não têm motivo para se inquietar. Obama, em 4 de junho, declarou-se favorável a que Jerusalém se torne a capital «não dividida» de Israel. Bush não tinha ousado ir tão longe.


 


 


Além das promessas ocas, que soam especialmente falso numa Europa empenhada em criminalizar os trabalhadores imigrantes por meio de leis celeradas, o discurso de Berlim não contribuiu nem um pouco para baixar as tensões suscitadas pela instalação de mísseis da OTAN em Praga. Contribuiu, antes para reforçar a demonização da União Soviética, na trilha da revisão da história empreendida por muitos intelectuais de direita alemães, que justificam Hitler com a descarada alegação de que Stalin pretendia invadir a Alemanha em 1941 e, por conseguinte, a invasão nazista do país dos soviets apenas se antecipou ao ataque comunista.


 


 


Poderíamos mencionar muitas outras tomadas de posição do candidato democrata sobre política externa que se inscrevem numa linha de continuidade com o “big smile and big stick” e com o sistema de alianças internacionais do imperialismo hegemônico. Mas ver a identidade sem ver a diferença é ser incapaz de analisar concretamente uma situação concreta. Fórmulas do gênero “é tudo farinha do mesmo saco” podem agradar a uma platéia predisposta a não ver a diferença. No mais das vezes, porém, reduzem-se à constatação de que à noite todas as vacas são pardas. Não é Obama  e sim John McCain que exprime o mais empedernido militarismo e a mais mortífera arrogância hegemônica estadunidense. É ele e não McCain que pretende limitar as intervenções bélicas dos USA e que pode marcar uma nítida diferença em relação a oito anos de um governo cujo programa social consistiu em reduzir os impostos pagos pelos milionários. Essa diferença pode se tornar ainda mais sensível com o desencadeamento da previsível catástrofe financeira. O candidato democrata pode gerir a descomunal massa falida de Wall Street de um modo menos oneroso para o povo estadunidense. O qual, convenhamos, ao eleger e reeleger G.W.Bush colocou a corda no próprio pescoço. Logo veremos se o “americano médio” tirou disso alguma lição útil.

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