Bolsonaro tem força para um golpe em 2022?

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Ilustração: Aroeira

As ameaças golpistas de Bolsonaro não são novidade. Desde que tomou posse não foram poucas as ameaças aos demais poderes e as insinuações de que contaria com o apoio das Forças Armadas para uma aventura totalitária. Também não foram poucas as manifestações colocando em dúvida o voto eletrônico e de que ele próprio teria sido roubado no primeiro turno da eleição de 2018. Com os acontecimentos nos Estados Unidos quando da certificação dos resultados eleitorais pelo Congresso norte-americano, momento em que Donald Trump tentou um golpe de Estado, reforçou-se a tese de que Bolsonaro prepara o terreno para uma ação golpista em 2022, caso as urnas não lhe sejam favoráveis. Tese que ganhou ainda mais evidência com os recentes decretos que facilitam a compra e estoque de armas e cartuchos.

No caso norte-americano, Trump cometeu um erro primário de cálculo político. Contava, sim, com apoio social, em especial de grupos supremacistas, organizados principalmente por meio das redes sociais (alguns historicamente organizados fisicamente, como Ku Klux Klan). Ainda que armados e violentos, tais grupos não poderiam fazer mais que provocar a baderna que provocaram. Nenhum golpe de Estado pode ter sucesso se não contar com um forte braço armado de dentro do próprio aparato de Estado. Ainda que muitos membros das Forças Armadas norte-americanas sejam supremacistas e até trumpistas, não envolveriam a instituição em tal aventura. Menos ainda os aparatos policiais, pois não haveria unidade para tanto, visto que não existe uniformidade sequer na forma de organização das forças policiais nos estados e municípios, muito embora existam agências federais, tipo o FBI. Trump não contava com um braço armado. Tinha tão somente um bando de lunáticos que não poderiam fazer mais que o ato grotesco realizado em 20 de janeiro. A neutralidade dos braços armados do Estado anulou totalmente os grupos golpistas. Portanto, para fechar a equação, uma pergunta que nós devemos fazer é se Bolsonaro contaria com um braço armado, de dentro do aparato de Estado, para tal aventura.

Outro erro de cálculo de Trump foi o dimensionamento do real apoio social. Uma coisa é a composição de forças que o elegeram, outra coisa é quais de fato o apoiariam em um golpe, como ele pretendeu. Todas as forças que se moveram em 2016 para elegê-lo não são em sua maioria trumpistas como ele imagina, em especial os republicanos. Obviamente todos são de orientação de direita ou extrema direita. Almejavam se manter no poder e, para tanto, apoiaram a reeleição de Trump. Porém, exceto os supremacistas lunáticos, nenhuma dessas forças se arriscaria a derrubar o sistema político secular norte-americano. Portanto, a segundo pergunta a ser feita para fechar a equação é se as forças que apoiaram Bolsonaro, e muito provavelmente apoiarão em 2022, o seguiriam como grande líder em uma aventura golpista caso seja derrotado.

Iniciando pela segunda pergunta, temos que admitir que, em decorrência das estruturais e históricas desigualdades, estamos longe de ter uma democracia consolidada e mais longe ainda de possuirmos um sistema e um regime político estável. A consolidação de um sistema no Brasil provavelmente não ocorrerá em curto prazo e terá que superar difíceis conflitos sociais. Tal instabilidade é terreno fértil para o assanhamento golpista de vários segmentos das elites brasileiras, mas a pergunta a responder é se tais segmentos seguiriam a liderança de Bolsonaro em uma eventual tentativa de golpe.

Os evangélicos, que representaram uma significativa parcela da votação de Bolsonaro em 2018 e sustentam boa parte da suposta popularidade atual, convenhamos, não tinham Bolsonaro como primeira opção. Malafaia e mais uma tropa de pastores charlatões, que manipulam politicamente seus fiéis, ao apoiarem o impeachment da Presidenta  Dilma tinham como projeto de poder Eduardo Cunha. Não contavam com a prisão dele e, diante da nova situação, optaram por Bolsonaro. Em que pese Michele Bolsonaro e ele mesmo se declararem evangélicos, não fazem parte do clube. Ao tempo em que viram os militares e terraplanistas ocuparem cargos, os pastores tiveram que se contentar com um papel secundário na figura de Damares. Na falta de uma opção competitiva de seus quadros, muito provavelmente apoiarão a reeleição de Bolsonaro, mas apoiarem um golpe decorrente da derrota eleitoral seria pouco provável, ou, pelos menos, não teriam unidade para tanto.

O setor do agronegócio também irá apoiar Bolsonaro em uma provável candidatura à reeleição e carregará consigo a categoria dos caminhoneiros. Nos territórios onde esse setor mantém maior influência eleitoral, o partido que obteve melhor resultado em 2020 foi o DEM, que sempre teve que se contentar com um papel secundário na composição com o PSDB. Embora muitos membros do setor idolatrem o Capitão genocida, de parte de suas principais lideranças, a exemplo de Ronaldo Caiado, o apoio a um segundo mandato teria o sentido de pavimentar o terreno para uma possível candidatura própria em 2026, pois Bolsonaro dificilmente conseguiria produzir um candidato à sucessão à sua imagem. Dessa forma, também seria pouco provável que esse setor, por meio de suas lideranças, apoiasse um golpe à la Trump.

Alguns representantes do baixo clero empresarial, a exemplo de Hang e outros picaretas, muito provavelmente apoiariam uma loucura dessas, assim como os terraplanistas, embora estes não representem absolutamente nada. Só ganharam notoriedade em razão da idolatria que o clã Bolsonaro presta ao astrólogo da Virgínia.

A principal base eleitoral que Bolsonaro pode realmente chamar de sua, decorrente da ala podre dos aparatos de segurança pública e seu principal produto, as milícias, estas, sim, certamente apoiariam uma aventura golpista. Mais, constituiriam o braço armado que tentaria tomar o poder de assalto, pela imposição das armas. Conseguiria, no entanto, tão somente provocar o caos na sociedade, pois a sua desarticulação enquanto um movimento não permitiria ir além da provocação e da desordem. Obteria apoio de parcelas dos outros segmentos, mas só conseguiria sucesso no intento se obtivesse a participação das Forças Armadas.

Quanto aos militares, que se constituem hoje na corrente política mais influente no governo, estes entraram de cabeça no processo de impeachment de Dilma e depois nas eleições de 2018, na perspectiva de construírem um projeto de poder. Não à toa, muitos estudiosos deste aparato de Estado já se referem às Forças Armadas como Partido Militar. Este segmento não vê em Bolsonaro um grande líder, mas sim um instrumento pelo qual podem realizar o sonho de retomar o poder, legitimados pelas urnas. O sonho de muitos bolsonaristas de um golpe de Estado com Bolsonaro no poder não passa de um devaneio. Caso Bolsonaro perca a eleição em 2022, perderia a utilidade de legitimação para os militares. Caso tivessem que arcar com o ônus de um golpe, seria para se colocarem eles próprios no poder e é aí que mora o grande perigo.

Na hipótese de as hordas milicianas se levantarem em ações armadas em uma eventual derrota de Bolsonaro, as Forças Armadas interviriam sob a justificativa de cumprir seu “papel” institucional de manter a lei e a ordem. Responsabilizariam não a Bolsonaro pelo caos, mas sim à polarização entre esquerda e direita e assumiriam o poder sob a justificativa de repor ordem no galinheiro. Se autointitulariam tutores da democracia e levariam a cabo seu projeto de poder que não teriam conseguido realizar por meio da reeleição de Bolsonaro.

Com toda a desarticulação das forças de esquerda e das forças democráticas, ainda que Bolsonaro e as próprias Forças Armadas aprofundem o seu desgaste em decorrência das crises sanitária e econômica, nem a possibilidade de uma vitória do genocida e nem a possibilidade de uma ruptura institucional podem ser descartadas. A unidade em defesa da democracia é fundamental para fazer frente a essas ameaças.

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