“Brilho de Uma Paixão”: Impossibilidades do amor

Diretora Jane Campion capta o clima da época do romantismo, mostrando a distância entre a paixão hoje e a dominante no século XVIII

              “Eu vi seus lábios famintos e sombrios,
                   Abertos em horríveis avisos,
               E eu acordei e me encontrei aqui,
                    Nessa fria borda da colina” (*).

 

Esta estrofe do poema “A Bela Dama Sem Piedade”, do inglês John Keats (Londres,1795/Roma, 1821) sintetiza o estado de espírito dos personagens de “Brilho de Uma Paixão”, da neozelandeza Jane Campion. Eles oscilam entre a dor dilacerante, ditada pelos sombrios ambientes, e a calma desfrutada em caminhadas pelo campo. E desta forma equilibram suas idealizadas paixões, bem ao estilo do romantismo. Mas também trazem de volta a suspensão, as impossibilidades e as frustrações das mulheres dos filmes de Campion, principalmente “O Piano” e “Retrato de Uma Senhora”. Fortes, insubmissas, elas terminam por sucumbir aos costumes predominantes em seu tempo.

              Foi assim com Aisdail Stewart (Holly Hunter) no primeiro e Isabel Archer (Nicole Kidman), criação do escritor Henry James no livro homônimo, no segundo. O mesmo corre com a jovem Frances “Fanny” Brawne (Abbie Cornish), neste “Brilho de Uma Paixão”. Se as que a antecederam oscilavam entre uma paixão e outra, ela se devota totalmente ao jovem poeta Keats. Cria mil artimanhas para estar ao lado dele, inclusive se digladia com o protetor dele Charles Brown (Paul Schneider) para cativá-lo. Enquanto Aisdail e Isabel eram mulheres maduras, ela, mal saiu da adolescência. Condição propícia para Campion concentrar nela toda a idealização, sofrimento e contemplação típica do romantismo.

                Keats, aos 25 anos, filho de dono de estalagem, abandonou a profissão de farmacêutico para se dedicar à poesia, sem muito sucesso. Vive sob a proteção do rentista, Brown, cuja aspiração maior é ser, também, poeta. É quando Fanny entra em sua vida, após adquirir seu livro “Edymion”, e lhe pedir para que se torne seu professor de poesia. Um estratagema que lhe permite ficar, a partir daí, em contato com ele.

               Entre seus encontros com Keats, Campion consegue passar para o espectador o clima da época, a constância da dor, a penúria do poeta, a paixão dela, Fanny, por ele, sem ver nele para além do homem que idealizava. Keats não esconde dela que não há futuro com ele. Para ela, no entanto, estar com ele e talvez um dia ser sua companheira era o suficiente. Fica insegura quando está com o amado, por não obter dele as ansiadas certezas. E nisso se constitui o centro do romantismo: o não enxergar o real, restando a idealização, a metafísica. E Fanny, ao contrário de Aisdail e Isabel, não se acomoda às circunstâncias até que o peso das impossibilidades desabe sobre ela.

                Filme trata do apego ao outro

                No entanto, são elas, as impossibilidades, que irão ditar o ritmo de suas vidas. Keats, sentindo sua fragilidade não só financeira como física, só consegue escapar em penosas condições. Numa bela sequência ele e Fanny alternam a leitura de um poema que sintetiza o que um sente pelo outro. Assim como em outras sequências, Campion usa sonetos e estrofes dos poemas dele para sintonizar o espectador com a paixão de um pelo outro e ao mesmo tempo fazê-lo entender as características do romantismo. E o filme se torna, assim, uma obra sobre uma paixão inconclusa e a poesia do ciclo romântico.

                Nisto se constitui a validade deste “Brilho de Uma Paixão”: trazer para uma época essencialmente consumista o sentimento pelo outro. Fanny nutre paixão desmedida por Keats sem outro interesse senão este. Não lhe importa sua condição de poeta “fracassado” financeiramente ou sua falta de posses para sustentá-la. Ela apenas o quer. Ainda que Campion se permita toques de realismo e comentário social nas relações de Brown com sua faxineira, é o senso romântico que predomina. Quando a faxineira se insurge contra Brown por este ter se aproveitado dela, ela desabafa com Fanny e se dispõe a ter o filho dele.

                Este olhar para a situação da mulher, da relação entre patrão e empregada, permite a Campion fugir à idealização do ciclo romântico. Até mesmo quando mostra a mãe de Fanny, Isabella (Kerry Fox), viúva, cuidando dos três filhos, ela põe o espectador em contato com uma vertente da época. Mesmo Keats, embora existam estas nuances, não é um personagem apagado. É um homem de seu tempo: o artista que vive para a sua arte em circunstâncias adversas. Não tem em vida o reconhecimento de Coleridge (Samuel Taylor, 1772/1834) e Wordsworth (William, 1770/1850) por parte da crítica e do público; só o futuro veio lhe dar o merecido reconhecimento. Amante dos poetas gregos, da mitologia e da história, com versos simples e bem estruturados, permanece cativante.

                “Brilho de Uma Paixão” não é uma obra-prima, que marca quem a assiste.  Chega a ser contemplativo, dada à fotografia de Greig Fraser, aos belos enquadramentos de Campion, bem ao estilo do romantismo. Mas é seu olhar sobre a paixão e suas consequências que o valida.

 

Brilho de Uma Paixão”. (“Bright Star”). Drama. Reino Unido/Austrália/França. 2009. 119 minutos. Roteiro/Direção: Jane Campion. Elenco: Abbie Cornish, Ben Wishaw, Paul Schneider, Kerry Fox.

(*) Tradução de Izabella Drumond.

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