Chá inventado

Quando não conseguimos explicar a realidade, a partir da ciência, inventamos outras formas para entender a nossa relação com o mundo

A panela velha virou um jarro, plantei boldo para dias de dor de barriga. Confesso que esqueço de colocar água, mas ele é resistente: cresce rápido. Na escola usamos chá de boldo para todas as insatisfações: dor de cabeça, cólica, ansiedade, gases, inchaço e até raiva. Acredito que o boldo não seja milagroso, talvez ele seja uma espécie de mentira e crença para disfarçar o problema real. A gente inventa que ele serve para muita coisa e as pessoas acreditam. Quando não conseguimos explicar a realidade, a partir da ciência, inventamos outras formas para entender a nossa relação com o mundo. A gente inventa histórias e vai dando esqueleto e musculatura para as ideias.

A gente precisa acreditar em alguma coisa. Tem gente que acredita em rochas mágicas, na lua e nas estrelas, no amor eterno e que a terra é plana. Outras pessoas acreditam na capacidade humana de fazer revolução e na ciência como fio condutor de uma determinada verdade, mas existem também aquelas que misturam tudo. Eu tenho as minhas crenças humanas, mas quando tenho medo me vejo enrolado aos céus e aperreando aos deuses e deusas.

Outro dia, quando as casas ainda eram nas cavernas e o machado não existia, a pedra servia para ajudar a vida, era uma das maiores tecnologias. A tecnologia mudou bastante, naquele tempo não tinha ciência, mas hoje já tem, mesmo assim, nem tudo é possível de ser explicado, ou a gente ainda não se apropriou de tudo, mas acho que nem seria possível, cada cabeça carrega um universo inteirinho.

Enquanto falo de ciência, lembro que já ouvi falar que o amor é carregado de química. Deve existir uma química para o boldo crescer e para gestar um humano. A gente se prende muito a aparência das coisas. O mais importante é complexo de compreender: a essência é sempre mais profunda.

Fiquei imaginando agora, como seria extremamente brochante, racionalizar e descrever o tesão no pleno voo dos desejos, quando o corpo já não responde a razão e aos pudores. Dizem que Carlos Drummond de Andrade já escreveu poesias eróticas e fui verificar: acho que ele aprendeu a fazer amor num laboratório enfadonho, silencioso e com cara de enterro. Seus poemas não levantam nenhuma esperança.

A panela velha, continua abraçando o boldo e acolhendo suas raízes, mas não é para vida toda, mas pelo menos, esse instante é de acomodação, enquanto isso, revejo fotos de paisagens acabadas, aliás transformadas. Guardo os olhos famintos e o beijo molhado que fez cair as panelas e a razão. Escondo segredos inventados.

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