Coco Chanel & Igor Stravinsky, densidade e tensão

O filme do francês Jan Kounen inclui-se no segmento dos inesquecíveis; dos que, quando surgem os créditos no termo da história, sente-se o peso da perda pelo fim do discurso fílmico; tão dramático que cabe dizer interrupção em vez do definitivo fim. Aliás, com muita habilidade o diretor finalizou-o com reticências. Posto que o romance entre Coco e Stravinsky, é entrevisto no casal já velho, em viagens da memória. Com a mesma elegância do grafismo de caleidoscópio que também abre o filme; uma vinheta, como um gráfico circundando uma notícia de jornal para dar o merecido destaque.

Stravinsky, russo, está em Paris indiferente à rotina nada plácida da São Petersburgo revolucionária; regendo a não menos revolucionária sinfonia A sagração da primavera. Subvertendo os padrões da música, divide o público do Théâtre des Champs-Élysées. Coco Chanel, estilista, aprecia-o. Perde o amante, ela. Reencontra o maestro sete anos depois, convida-o para morar, compor na mansão que tem nos arredores de Paris. Ele muda-se com mulher e filhos. O romance entre os dois amadurece sem o uso de palavras, cresce sob tensão; quando se dá, explode-se. O estrondo é entrevisto, sentido, antes do desfrute da uniforme nudez de Coco – Anna Mouglalis. A câmara flagra-a num plano aberto, de costas, despindo-se para cumprir o fado de mulher que antevira sua sorte. Coco Chanel, bela, tem sedução, cálculo nos olhos, nos cantos da boca; sedução e domínio. Katiucha – Yelena Morozova -, a mulher de Stravinsky – Mads Mikkelsen -, tem doçura nos olhos, submissão no rosto. Está tuberculosa, luta com as forças que tem; confessa na silhueta o pressentimento da morte; acomoda-se ao fadário de revisora das partituras do marido, de mulher sem seiva. Ele a ama por isso, ama-a com o que resta de piedade, de macho solidário entre duas mulheres.

Os filhos assistem, veem murchar a relação dos pais. A sequência não é mostrada de súbito, progride, fisga com a pungência nada gratuita do roteiro de Crhis Greenhalgh. A partida de Katiucha com os filhos é o corolário de um sofrimento que dá início a outro, entrevisto, fora das câmaras. A virtude da narrativa está em deixar que o vulgo julgue quem teria mais direito: a docilidade ou a urdidura de uma burguesa. Coco é frívola, inda que se entregue com paixão, aprecie com inteireza o objeto de seu julgamento.

Os diálogos são tão ricos quanto a abundância de planos das câmaras. Nestes, os segundos planos anuviados falam só por si, mesmo com o silêncio das personagens; fascinantes, eloquentes, os planos. Naqueles, Coco mostra-se dominadora – “Também sou famosa, Igor. Faço sucesso!” Igor, de olho na fêmea de raro contorno, sem render-se – “Você vende tecidos, Coco. Não é artista.” Conversam em francês, mas a narrativa é marcada pela alternância de diálogos em russo e em francês, o que dá sabor iconográfico às cenas.

Kounen arbitra cenas com tanta habilidade que se dá o luxo de pôr Katiucha ao lado de Coco, mesmo já tendo partido com os filhos, consumando a perda. Deixara uma carta para a amante do marido; nela, há súplica, há a docilidade dos olhos. Outra vez, nos olhos de sedução de Coco, imiscuem-se ganhos e perdas. Coco deixará Stravinsky para Katiucha? – urde-se. Não o deixará, não o terá todo, não se entregará toda…

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