Conflitos no Norte do Líbano

Nos últimos dias, as pessoas que acompanham o mundo árabe foram surpreendidos com um conflito que explodiu em um acampamento de refugiados palestinos no Sul do Líbano, chamado Nahr El Bared. Foram ataques contra o exército oficial libanês, que revidou e q

O campo de Nahr El Bared


 



Com a proclamação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948, deu-se início ao que os historiadores militares chama de a primeira guerra árabe-israelense. A partir desse processo, centenas de milhares de famílias palestinas foram deslocadas de suas terras, tornando-se refugiadas em países vizinhos, como a Jordânia, Líbano e Síria. Isso logo foi visto pela comunidade internacional com muita emoção e, agindo com a razão, mobilizaram-se para garantir um mínimo de sobrevivência para essas pessoas.


 



Estima-se que hoje ainda vivem como refugiados e mesmo como apátridas, pois não possuem identidade nacional, já que a Palestina enquanto país não existe no sistema das nações (mas, esse é assunto para outro artigo). A verdade é que a ONU teve que criar diversos campo de refugiados, alguns administrados inicialmente pela Cruz Vermelha Internacional. Posteriormente foi criado uma agência das Nações Unidas especialmente incumbida de cuidar desses refugiados palestinos. As estimativas dão conta de que entre os que saíram originalmente de suas terras palestinas e os seus descendentes, esses campos podem concentrar até um milhão de pessoas entre os mais de quatro milhões de refugiados espalhados pelo mundo, que vivem na maioria das vezes em condições precárias.


 



Em 8 de dezembro de 1949, 19 meses depois do Dia da Catástrofe, da criação de Israel enquanto estado formal, a ONU moveu-se e criou uma agência para cuidar especificamente dos refugiados palestinos, que é conhecida mundialmente pela sua sigla em inglês, UNRWA (United Nation Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East (Agência das nações Unidas para Refugiados Palestinos no Oriente Próximo). O documento legal que deu base a essa criação é a Resolução 302 (IV) da Assembléia Geral da ONU. O funcionamento formal deu-se a partir de 1º de maio do ano seguinte. Como não há solução em médio prazo para o conflito palestino-israelense, anualmente a ONU renova o mandato da Agência e o atual foi prorrogado até 30 de junho de 2008.


 



Os serviços que a Agência presta relacionam-se com a ajuda humanitária, alimentação, habitação, saneamento, saúde, educação, vestimentas entre outros. Isso é feito seja em tempos de paz ou mesmo de hostilidades entre as partes envolvidas (os que se interessarem podem visitar o seu site em vários idiomas http://www.un.org/unrwa/english.html). Na prática a UNRWA administra campos de refugiados, que são como favelas, onde as coisas são precárias ao extrema.


 



O Líbano possui 12 campos de refugiados, onde, por acordo assinado no Cairo em 1969, apenas e tão somente a ONU e sua Agência, a UNRWA, podem ingressar. Esses campos abrigam em torno de 225 mil refugiados e no Líbano vivem quase 400 mil palestinos. Existem leis que restringem o trabalho em mais de 70 áreas profissionais, a palestinos, o que faz com que nessas localidades o desemprego seja altíssimo. Alguns desses campos estão distantes da fronteira Sul do Líbano e ao Norte de Israel, o que dificulta contatos para até participar, eventualmente, da resistência á ocupação da Palestina por Israel. Isso cria um campo extremamente fértil para organizações radicais atuarem, tornando mais complexo o xadrez que é jogado nesse enigmático tabuleiro que é o Líbano.


 



AL Qaeda no Líbano?


 



Em todos os campos de refugiados, que são administrados pela ONU, existem líderes e representantes, espécie de autoridades, que devem ser palestinos. Um campo de refugiado é uma pequena comunidade, uma sociedade organizada, onde boa parte das pessoas, apesar das dificuldades que vivem, possuem elevado grau de consciência. Um celeiro fértil para a formação de líderes, muitos dos quais viram revolucionários.


 



As organizações políticas, revolucionárias e mesmo religiosas, existentes na Palestina, existem também nesses acampamentos. Assim, o principal grupo político palestino, que tem a chefia do Estado, que é representado pela Autoridade Nacional palestina – ANP, através de Mahmud Abbas, é o Al Fatah. Nesse campo específico de Nahr El Bared, existe o grupo Fatah Al Intifada, cujos líderes, ainda que muçulmanos, atuam de forma política e não religiosa. Um racha em novembro do ano passado nessa organização, fez surgir o grupo Fatah Al Islam, sob a direção de Shakir Al Abssi, que se encontrava preso em Damasco até o ano passado. Ele é procurado na Jordânia por que teria participado de um atentado que vitimou um diplomata americano.


 



As especulações são grande em torno de seu nome. Fala-se que ele teria trabalhado no Iraque diretamente com Al Zarkawi, uma espécie de número 1 da Al Qaeda nesse país. Chegou a dar declarações públicas dizendo admirar o método e o trabalho revolucionário desse agrupamento político. Mas, há uma distância em apoiar a ação de um grupo e ser membro do mesmo grupo. Há especulações que ele pode tanto ser ligado à Arábia Saudita, como sunita, moderado, para tentar enfraquecer o Hezbolláh, como se fala que poderia ter o apoio da Síria, para tentar desgastar o governo de Fouad Siniora, o mais impopular primeiro Ministro do Líbano na história, mas que é apoiado pelos Estados Unidos e evita combater Israel. Até que poderia ter o apoio dos americanos já foi falado (no caso, pelo jornalista mais bem informado dos EUA, Seymour Hersh). É um grupo pequeno, inexpressivo. Alguns acham que ele teria no máximo 200 homens bem armados.


 


 


Esse conflito específico que a imprensa vem dando destaque teve início no último domingo, dia 20 de maio, quando houve na cidade de Trípoli uma tentativa de assalta a banco feita por membros dessa organização. Prontamente o exército libanês revidou, os perseguiu, mas estes se refugiaram no campo de Nahr El Bader, onde o exército não pode entrar. No entanto, houve a invasão, violações de espaços demarcados por organizações internacionais e o exército abriu fogo de forma indiscriminada contra a população civil. Um verdadeiro massacre de inocentes.


 



A verdade é que o conflito pode acirrar ainda mais os ânimos. O que teríamos de pior neste momento seria a volta de uma guerra civil, dividindo ainda mais os libaneses e tendo os palestinos envolvidos nesse conflito. Isso não serve à luta dos povos árabes e não ajuda a criar na Palestina o estado de um povo que luta por seus direitos. O tabuleiro vai se complicar. O primeiro Ministro Fouad Siniora quer que a ONU apresse o julgamento dos que mataram o ex-primeiro Ministro libanês, Hafik Hariri, ao qual ele acusa de ter sido executado a mando do governo de Bashar El Assad, presidente da Síria, um dos poucos países que possui um governo laico no Oriente Médio.


 



Pessoalmente, a complexidade do problema esta posto. O Líbano, definitivamente, entrou para o cenário político do Oriente Médio e é a prova, de meu ponto de vista, que o conflito geral nessa região, esta longe de ser religioso, ainda que tenha esse componente. Ele é político, por disputas de terras e mais do que isso, por concepções que distanciam cada vez mais o Ocidente capitalista e o Oriente com suas tradições milenares que resiste ao famoso american way life. É, como dizem alguns, a última trincheira de resistência à banalização da cultura, a idiotização das pessoas e o seu controle pelos meios midiáticos à serviço do capital. Defendemos a unidade política e revolucionária dos grupos que lutam pela emancipação não só do Líbano, mas de todos os povos árabes.


 


Nota



(1) Utilizei os seguintes artigos de pesquisa para redigir a presente matéria: “Ingerência síria é um fator constante na desestabilização política do Líbano”, de João Batista Natali, publicado na Folha do dia 21 de maio de 2007, página A10; “Confrontos no Líbano matam nove civis”, de Tariq Saleh, publicado na Folha do dia 22 de maio de 2007, página A9; “O que a Al Qaeda está fazendo no Líbano?”, de Roberto Fisk, do The Independent, publicado na Folha do dia 22 de maio de 2007, página A9; “Grupo radical é incógnita no xadrez libanês”, de Gustavo Chacra, publicado na Folha de 22 de maio de 2007, página A9; “Vácuo político leva a radicalismo nos campos”, de Scott Wilson, do The Washington Post, publicado no Estadão de 23 de maio de 2007, página A14.

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