Crescimento é o grande desafio de Lula

Como mostra a experiência de países bem-sucedidos neste quesito não há solução mágica para o problema do crescimento econômico. São necessários investimentos em capital humano e infraestrutura.

O presidente Lula está cada vez mais incomodado com os prognósticos de baixo crescimento da economia brasileira em 2023. Em reunião ministerial no começo de abril, o presidente voltou a criticar o que chama de previsões pessimistas e disse estar convencido de que o Brasil crescerá muito mais do que estão prevendo as cassandras do mercado. Segundo informou o jornal Valor Econômico (04/04), “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou, durante abertura de reunião ministerial na manhã de ontem [03/04], que não concorda com avaliações negativas que indicam baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Ao cobrar otimismo dos ministros e “obsessão” para criar condições de investimento no país, Lula afirmou que o crescimento da economia “vai ser maior do que preveem os pessimistas”.

O Boletim Focus do Banco Central, que reúne as projeções do mercado, apresentava, na primeira semana de abril, projeção de crescimento para o PIB de 0,9% em 2023. Para 2024, a estimativa subiu de 1,4% para 1,48%. O World Economic Outlook Projections do FMI de abril também aponta para um crescimento de 0,9% em 2023 e 1,5% em 2024.

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Em um ponto Lula está certo. O crescimento econômico depende do investimento e o investimento depende, em grande medida, das expectativas dos empresários quanto ao comportamento futuro da demanda – a chamada demanda efetiva. Se as expectativas são positivas, ou seja, se houver otimismo do empresariado quanto ao comportamento futuro da demanda, a tendência é que invistam na ampliação da produção. Caso contrário, não arriscarão se endividar ou comprometer capital próprio em empreendimentos que poderão não se pagar no futuro. Quanto mais pessimistas estiverem os empresários, menos investirão e menos a economia crescerá. De certa forma, as previsões pessimistas do mercado acabam tendo uma relação complexa com o que ocorre na realidade, uma vez que, se de um lado refletem o humor geral dos agentes econômicos quanto ao futuro da economia, por outro lado também influem negativamente nesse mesmo humor e de alguma forma acabam por se tornar profecias que se autorrealizam, não deixando claro as relações de causalidade entre uma e outra coisa.

O segunda variável nessa equação complexa é a taxa de juros. Ao decidir sobre a viabilidade econômica de um investimento, o empresário trará suas expectativas futuras de faturamento para o valor presente utilizando uma taxa de desconto que, nesse caso, é a taxa Selic, que está em 13,75%. Se o valor presente dos fluxos futuros de renda esperada forem maiores que o valor do investimento, o empresário tende a investir; caso contrário, não, pois valeria mais a pena aplicar o capital próprio em títulos emitidos pelo governo ou pelo banco central recebendo os 13,75% de juros sobre o dinheiro aplicado e “viver de renda”. Quanto maior, portanto, a taxa de juros, menor será a quantidade de investimentos na economia real que serão viáveis. Na situação atual do Brasil, nenhum investimento real que prometesse uma taxa de retorno menor que 13,75% ao ano seria viável, caso o empresário agisse racionalmente.

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Igualmente nesse ponto, Lula tem razão de reclamar do Banco Central. Ao manter os juros altos, o BC joga areia nas engrenagens da economia ao reduzir a demanda efetiva, o consumo e o investimento. A justificativa para isso é que a inflação está alta porque a demanda está aquecida demais e, portanto, para reduzir a inflação é preciso pôr o pé no freio da economia. Obviamente se trata de um raciocínio torto do Banco Central, pois, se a economia não está crescendo, o desemprego está alto e a renda dos trabalhadores está encolhendo, donde estaria vindo esse excesso de demanda? Do governo, respondem alguns e por isso é preciso o ajuste fiscal para o juro cair e o investimento privado substituir o gasto púbico. Mas se há excesso de gasto do governo, porque isso não se reflete na taxa de crescimento do PIB, já que o gasto do governo é um dos principais componentes da demanda agregada, cuja soma com o consumo interno, os investimentos e as exportações compõem o valor total do PIB? É uma questão puramente aritmética que o BC não consegue responder.

O fato é que tudo conspira contra o crescimento neste início de governo, a começar pela economia global. A continuidade da guerra da Ucrânia, as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos e seus aliados da Otan à Rússia, a guerra comercial e tecnológica que os Estados Unidos fazem contra a China, o recém-anunciado novo corte na produção de petróleo pela Opep, o aumento do protecionismo, a redução do investimento direto estrangeiro e a elevação da taxa de juros pelos bancos centrais em todo o mundo são todos fatores que afetam negativamente as decisões de investimento e tendem a deprimir a economia global. O Brasil é um pequeno barco nesse oceano de incerteza e turbulência: se a economia global afunda, o país vai junto.

No nível interno, até porque a situação externa não é boa, cresce o pessimismo com a economia. Segundo pesquisa do Instituto Data Folha, o percentual de brasileiros que dizem acreditar em uma piora da situação econômica do País nos próximos meses aumentou em março. Na rodada anterior, feita em dezembro e logo após a eleição de Lula, 20% diziam esperar uma piora da economia brasileira —agora, esse percentual é de 26%, mesmo patamar daqueles que acreditam que não haverá mudança. Entre os que contam com uma melhora, houve uma queda de 49% para 46%.

Já para o emprego formal, considerando janeiro e fevereiro, foram abertas 326.356 vagas, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho. É o resultado mais baixo para os dois primeiros meses do ano desde a reformulação do cadastro, em 2020. Sobram carros nas montadoras, que têm dado férias coletivas para seus funcionários. Pelo menos 12 das 27 fábricas de carros e caminhões ativas no País já interromperam ou vão interromper ao menos parte da produção nos próximos dias na tentativa de impedir um excesso de oferta no mercado, informa o jornal o Estado de S. Paulo (12/4).

Com juro alto, a oferta de crédito continua caindo. Conforme informa o jornal Valor Econômico (04/04), “O volume de crédito dos bancos caiu 0,1% na comparação com janeiro, para R$ 5,3 trilhões. As novas concessões despencaram 9,5% e somaram R$ 421,9 bilhões. Considerando o ajuste sazonal que leva em conta o fato de fevereiro ter menos dias, a queda ficou em 2,2%. Os bancos estão pondo o pé no freio principalmente dos empréstimos para as pessoas jurídicas, preocupados com as dificuldades de empresas como a Americanas, a Oi e, mais recentemente, o grupo Petrópolis. Os pedidos de recuperação judicial já somam cerca de 200 nos dois primeiros meses deste ano. O estoque de crédito para as empresas diminuiu 0,7% em fevereiro e as concessões tiveram retração de 4,4%”.

O espaço que o governo tem para tentar contrabalançar essas tendências negativas via aumento do gasto e do investimento público é limitado. Com as finanças públicas estranguladas e sob pressão para adotar um novo arcabouço fiscal que priorize a geração de superávits primários, não há muita coisa que o governo possa fazer para incentivar o aumento da demanda agregada. Diferentemente da China, onde as dezenas de bancos de desenvolvimento sustentam o investimento de empresas estatais e não-estatais, no Brasil temos um único banco de desenvolvimento – o BNDES – que na gestão anterior teve enormemente reduzido seu espaço de atuação.

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 A recém visita de Lula à China gerou a expectativa de que poderia retornar do Brasil com um enorme pacote de investimentos chineses embaixo do braço. Diversos acordos foram assinados, inclusive para a produção local de semicondutores, mas não há nada nesses acordos que possa alterar substancialmente o quadro econômico do Brasil no curto prazo.

Na verdade, o Brasil enfrenta um problema crônico de baixo crescimento que já dura pelo menos 40 anos. Matéria publica pelo jornal o Estado de S. Paulo (30/4), mostra que a participação da economia brasileira na economia mundial vem encolhendo desde 1980. Em 1980 nossa participação na economia mundial era superior à da China e da Índia. Passados 40 anos, nossa participação reduziu-se quase pela metade enquanto a China aumentou sua participação em cerca de 10 vezes e a Índia em cerca de três vezes.

Como se lê na citada matéria, “Depois do ciclo do crescimento com industrialização dos anos 30 ao final dos anos 70, o Brasil parou de se desenvolver”, acrescenta Márcio Holland, professor da Fundação Getulio Vargas e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “O ciclo de industrialização brasileira não foi acompanhado por fatores essenciais para uma economia capitalista moderna – um deles é a educação.”

Outro fato essencial para o crescimento econômico são os investimentos em infraestrutura. O desempenho do Brasil nesse quesito tem sido igualmente sofrível nas últimas quatro décadas. Em outra matéria do jornal o Estado de S. Paulo, publicada no mesmo dia, ao ser perguntado por que o Brasil não cresce, o economista Armando Castelar, Pesquisador do Ibre/FGV, assim se manifestou: “Na minha leitura, são dois pontos que estão relacionados. O primeiro é que o Brasil investe muito menos do que investiu na média do período entre 1930 e 1980. A infraestrutura é um bom exemplo. No período pré-1980, a expansão da geração de energia elétrica e a extensão de rodovias foram muito mais rápidas do que nos últimos 40 anos. E a segunda resposta é produtividade. Ela cresceu mais rápida nesse outro período do que nos últimos 40 anos. As coisas são, em partes, relacionadas, porque o crescimento da produtividade muito grande, particularmente entre 1950 e 1980, ocorreu com a realocação do trabalhador. A história mais clássica é a da pessoa que estava numa economia de subsistência na agricultura e foi trabalhar na indústria, na construção, em setores em que ela era muito mais produtiva”.

Não há, enfim, como mostra a experiência de países bem-sucedidos neste quesito, nomeadamente a China, solução mágica para o problema do crescimento econômico. Sem investimentos pesados em capital humano, ou seja, educação, e em capital físico, nomeadamente infraestrutura, o Brasil continuará a perder relevância na economia mundial e de país de renda média voltaremos em breve à condição de país pobre, simplesmente porque os demais países não estão parados.

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