Criaturada grande

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Mesmo invocando a caruanas e consultando pajés sacacas, não sei no que irá dar a conferência do clima de Copenhague. Nem sei se o atual “modelo” de consumo vai escapar da falência moral final, depois de tanta estupidez, doenças da gastança e fumaça de lucros custe o que custar… Sei, porém, que novos bárbaros invadiram a pacata e ecologicamente correta capital da Dinamarca com cartazes subversivos atiçando a consciência planetária das nações – “PLANET NO PROFIT” – acima da maré de cabeças revoltas pelas ruas geladas em marcha violenta contida violentamente pela polícia de primeiro mundo.

Além disto, estou ciente de que há, pelo menos, um caboco descendente do “índio sutil” Dalcídio Jurandir dentre técnicos do grão Pará que foram às frias paragens da Escandinávia a postos para eventual necessidade de assessorar representantes políticos do nosso querido 'Patropi' nas difíceis negociações em defesa da Amazônia. Claro, às vezes, uma andorinha só faz verão… No caso, se em vez de um, fossem dez ou cem cabocos versados em Ciência tropical mais depressa poder-se-ia evitar a profecia que diz que o sertão vai virar mar e o mar virar sertão.

Sem ser profeta posso imaginar como seria o futuro do planeta se acaso populações tradicionais (“criaturada grande de Dalcídio”) tivessem voz ativa em semelhantes decisões. Não vamos longe, contratassem o Ibope et caterva a fazer sondagem de opinião nos 120 pobres “Territórios da Cidadania” do Brasil ricos de esperança de que a era Lula não retrocederá em nenhuma hipótese pós-Lula lá. Lá onde o vento faz a curva para vir com fúria de dilúvio sobre cidades alienadas da natureza original , vingança dos cafundós devido ao IDH mais rasteiro do que peito de cobra. Como, entretanto, é improvável que se ache patrocínio para mandar pesquisadores sertão adentro saber o que a patuléia pensa a respeito da mudança climática e outros “apocalypsos” em curso, vou me arriscar a recuperar opinião de quem sabe bem onde o sapato aperta aos zé ninguém.

O primeiro mestre e doutor do sentimento das populações tradicionais da Amazônia foi saudadado na Academia Brasileira de Letras, ao receber o Prêmio “Machado de Assis” de 1972, por Jorge Amado com palavras como estas: “Trabalhando o barro do princípio do mundo do grande rio, a floresta e o povo das barrancas, dos povoados, das ilhas, da ilha de Marajó, ele o faz com a dignidade de um verdadeiro escritor, pleno de sutileza e de ternura na análise e no levantamento da humanidade paraense, amazônica, da criança e dos adultos, da vida por vezes quase tímida ante o mundo extraordinário onde ela se afirma.”

De longe, o mais conhecido escritor brasileiro no exterior o amado da Bahia de todos os orixás testemunhou em favor do mal conhecido romancista da Amazônia, que ele acompanhava há mais de trinta anos “a trajetória desse romancista exemplar, cuja obra, realizada no silêncio, na humildade e no orgulho de um criador consciente da sua responsabilidade de escritor e de brasileiro, é patrimônio de todos nós: sinto-me feliz de ter junto a esse índio sutil, a esse homem íntegro, andado muito caminho e erguido bandeiras invencíveis.”

Que bom seria se, na gélida Copenhague, se erguesse a bandeira solar da Bahia, Pará e tropicália geral com a lição perene das gentes de Amado e Dalcídio. Evita-se imediatamente a corrida para o suicídio coletivo provocado pelo desastre capital. O extremo norte da Terra vê derreter as geleiras e se inquieta sobre o futuro do mundo, mas no extremo-norte brasileiro – Amazônia – a criaturada grande de Dalcídio experimenta o fim do mundo há séculos! Um padre italiano chamado Giovanni Gallo viveu lá grande parte de sua vida em companhia daquela gente remanescente dos antigos marajoaras, cujo conhecimento hoje faz falta sim nas altas decisões sobre mudança climática e sobrevivência da humanidade pós-Kyoto, pós-Copenhague, pós-industrial em suma. Ele inventou com os caboclos um ecomuseu fora de série, o primeiro ecomuseu da Amazônia no exato local onde nasceu a primeira cultura complexa das regiões amazônicas, há 1500 anos ( www.museudomarajo.com.br ) conectando agora, permanentemente, à criaturada grande de Dalcídio ( www.dalcidiojurandir.com.br ) e fazendo a ponte Rio de Janeiro – Pará por conta da obra “Chove nos campos de Cachoeira” no conjunto da obra dalcidiano que foi do Oiapoque ao Chuí, incluindo “Linha do Parque” no Rio Grande do Sul.

Ora, se apesar de Jorge Amado, apesar do Prêmio “Machado de Assis” e das comemorações do Centenário (1909-2009) o romancista da Amazônia é um “regionalista” apartado da literatura nacional e desconhecido no exterior quanto só se fala em salvar a Amazônia à revelia de 25 milhões de amazônidas; como é que se vai falar do Museu do Marajó e de seu inventor daltônico? No entanto, Dalcídio apresentou Giovanni Gallo como Jorge Amado apresentou o “índio sutil” aos imortais da ABL. E pois Copenhague e o resto do primeiro mundo pensaria duas vezes na criaturada grande antes de abrir a boca para falar sobre a desconhecida a profunda Amazônia que todo mundo fala mas nunca viu de perto.

Quem é esse Gallo italiano que se naturalizou brasileiro nos campos de Cachoeira? Quem é o filósofo empírico da “ditadura da água”, quem é “o homem que implodiu” no processo canibalesdo de uma conversão pelo avesso do avesso? Dalcídio explica: “Padre Giovanni meteu os pés, fundo, na lama do Marajó e puxa daí as suas reportagens, como tambaquis, trazendo à tona os mil problemas da ilha”. “É um humanista da melhor idade, dirigindo a sua objetiva sobre as grandes feridas da ilha-arquipélago”. “O padre sente de perto as aflições daquele povo que vive em metade d'água e em metade lama, seguro da pescaria, na vaqueiragem e na caça. Padre Giovanni tem em grande conta o cidadão do mundo, solitário, desamparado, que é o habitante de Jenipapo”. Caramba! Jenipapo? Onde fica? No fim do mundo…

Como Jenipapo/Marajó no barro dos começos do mundo amazônico, outras de um milhão de aldeias da Aldeia global abrigam mais de 300 milhões de pessoas classificadas, ou desclassificadas, como povo ou população tradicional. Mas, a tradição da Bíblia diz que os últimos seriam os primeiros a entrar no Paraíso: na ilha do Marajó o Bom Selvagem tupinambá, no passado distante, procurou encontrar uma Terra sem males…

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