Curtas premiados e os caminhos do cinema

A verdade é que os curtas são cada vez mais um tipo de cinema tão fluido que você pode ver e rever várias vezes. E a cada momento a sua impressão é que está vendo novas imagens

Foto: Tima Miroshnichenko/Pexels

Nesta semana, eu vi uma série de curtas-metragens internacionais premiados e que estão sendo exibidos no Mubi. Na realidade, eu revi esses filmes. Eles já tinham sido exibidos antes, e quando comecei a ver um deles, notei que seria uma revisão. Mas a verdade é que os curtas são cada vez mais um tipo de cinema tão fluido que você pode ver e rever várias vezes. E a cada momento a sua impressão é que está vendo novas imagens.

O cinema continua sendo, mesmo com o instrumental on-line mais barato, um tipo de arte que depende muito da Produção. E assim um artista tem que ter uma forte personalidade para conseguir fazer o seu próprio pensamento. Ou senão termina aceitando o que o produtor lhe pede para fazer. Ou então o artista será seu próprio cineasta. Isso é uma questão internacional. Assim, é importante conhecer bem os curtas atuais, inclusive que já foram exibidos em Festivais e premiados, pois para quem quer se atualizar no conhecimento do cinema é um caminho.

Na verdade, não há tema específico para ser utilizado pelos velhos e novos cineastas que fazem curtas. Uma simples carta entre uma cineasta da Espanha e outra do Chile pode se tornar um bom motivo. Ou então a ambição de mostrar que o mundo não será destruído brevemente, como acontece com um cineasta que mora em Miami. Ou comentar um simples telefonema e fazer em resposta um discurso comemorativo. Essa coleção de curtas tem filmes dos Estados Unidos, do Chile, da Bélgica, do Laos e de vários outros países.

Os filmes são “Entire days together” de Luise Donschen, “The sky on fire” de Emmanuel Van Der Auwera, “Giòng Sông Không Nhin Tháy” (The Unseen River) com produção, roteiro e direção de Pham Ngoc Lân, do Vietrnã, “Correspondence” de Dominga Sotomayor Castillo e Carla Simón, “Cold meridian” de Peter Strickland, “Cuatro paredes” de Matthew Porterfield, “Editing” de Dustin Guy Defa, ”Quattro strade” de Alice Rohrwacher e outros.

Todos me deixaram a sensação de que a arte cinematográfica, apesar dos mais de cem anos de existência, ainda é muito nova e vai continuar a se modificar. Cada vez com mais ímpeto.

Olinda, 23. 09. 21

Brother – Takeshi Kitano

Filme “Brother” I Foto: Reprodução

Um filme que aparenta ser um “policial”, mas é muito mais. É cinema excelente feito pelo cineasta japonês Takeshi Kitano. Ele dirigiu, produziu, roteirizou, e é o principal ator. A estória acontece em Los Angeles, mas a produção do filme é do Reino Unido. No entanto, a cinematografia é do japonês Katsumi Yanagishima, a edição é do japonês Yoshinori Oota, e a música também é do japonês Joe Hisaishi. O filme é falado em japonês e em inglês, de acordo com a nacionalidade do ator personagem. E eu assisti no Mubi, com a legenda na primeira metade em francês e na segunda em espanhol. Isso para sentir com mais afinco o sentido internacional desse filme. É puro cinema dos nossos dias. O título é “Brother – A máfia japonesa Yakuza em Los Angeles”.

Olinda, 24. 08. 2021

Ma ma he qi tian de Shi Jian

Filme “Mama” I Foto: Reprodução

Esse é o título em chinês ocidentalizado do filme da cineasta chinesa Li Dongmei, que o Mubi começou a exibir ontem. É uma obra nova, produzida em 2020. E nessa exibição o título é simplesmente MAMA (mamãe). É um filme que tem duas horas e 14 minutos de duração, mas poderia ter umas quatro horas para assim entrar em detalhes sobre a sua história. É informado que a estória é autobiográfica. A cineasta é uma jovem, e pelas entrevistas que vi on-line, ela falando em bom inglês, é uma jovem moderna, internacionalizada.

Penso que o filme poderia ter quatro horas de duração porque para os não-chineses ficam muitas estórias a ser entendidas. O argumento simplesmente mostra a vida de uma pequena família que vive numa pequena aldeia no interior da China. Nessa versão de duas horas não há informações sobre o próprio país. É claro que você vai assistir a eles fazendo refeições. Aos meninos irem para a escola. Mas a estória principal é a da mãe que, ao dar à luz a seu quinto filho, não suporta e falece. Tudo é narrado por uma filha de 12 anos de idade, Xiaoxian.

É um filme que apresenta uma narrativa muito lenta, mas incrivelmente precisa. Não há espaço sobrando. Tudo é contado tranquilamente. E certamente para o chinês não precisaria mais informações. O que o filme quer passar é justamente o sofrimento e a grande tristeza de perderem a mãe, uma jovem de menos de 40 anos de idade. Mas o espectador estrangeiro, como nós no Brasil, precisaria de muito mais informações sobre aquela pequena comunidade. Não é falado nada acerca de quem governa aquele país. Supomos que tudo se passa no regime atual dito comunista.

A grande sequência do filme é o enterro da mãe. É mostrada toda a cerimônia. Um ato em que toda a aldeia participa. Tive a impressão de que uma cerimônia de enterro aqui no Nordeste brasileiro numa pequena vila seria parecida. Com canções entoadas. Com queima de fogos e muita música ritmada. É uma sequência belíssima e sem dúvida um grande momento de cinema criado por Li Dongmei. É bom observar que toda a equipe técnica, como também os intérpretes, são chineses.

“Mama” ganhou prêmio nos festivais de Göteborg, Prêmio Ingmar Bergman, Melhor Filme, e Veneza. E Melbourne. Grande momento de cinema.

Olinda, 12. 09. 21

Mar roxo

Filme “Mar roxo” I Foto: Reprodução

Apesar dos meus 70 anos de crítica cinematográfica, eu ainda me toco com as imagens. Vi agora há pouco no Mubi o filme de produção alemã “Das purpurmeer” (Purple sea), com direção de dois jovens da Síria, Amel Alzakout e Khaled Abdulwaed. Os dois fazem direção e roteiro, mas Amel fez ainda uma narrativa sobre as imagens. É um filme de apenas 1h06min. Todo o tempo as imagens são fixadas dentro do mar. Amel tenta atravessar o Mediterrâneo para fugir da guerra na Síria. Não sei se ela quis entrar nesse barco para fazer um filme. Ou se foi realmente o desespero de estar na Síria. E nisso me parece que esse pequeno filme coloca uma questão ética enorme. Produzir esse filme pode ser ou pode ter sido um ato de puro cinismo. De uma frieza impressionante a forma poética da narrativa em si mesma. Enfim, o cinema hoje deve estar condicionado à moral que está sendo implantada em todos os países, principalmente naqueles que sofrem guerras nacionais como a Síria.

Olinda, 25. 08. 2021

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