CUT-24 anos: cenário propício para a central

Com a eleição de João Felício para a presidência da CUT, a central ganhou uma feição mais combativa. Essa nova fase cutista foi importante para a substituição da “era FHC” pelo governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Mas os conservadores impus

Os resultados positivos do 7º Congresso da CUT, realizado em 2000, trouxeram ânimo à central. Nos debates, foram derrotados tanto o sectarismo quanto a conciliação. A crise ideológica que havia se instalado no meio cutista aparentemente estava se dispersando. Essa nova fase foi anunciada com a aprovação de um plano de lutas que marcava claramente o caráter oposicionista da central. A CUT também assumiu publicamente que jamais negociaria os direitos trabalhistas. “Vamos continuar a negociar, mas só o que representar a ampliação de direitos”, disse o então novo presidente da central, João Felício, em entrevista à revista Debate Sindical.


 


Ele também destacou outro aspecto positivo do Congresso: a unidade da CUT. “Nem os que queriam uma mudança na estrutura sindical, com o sindicato nacional, nem os que discordavam desta proposta se sentiram excluídos. Ambas as posições continuam sob o guarda chuva unitário da CUT”, afirmou Felício. O presidente da central denominou a nova agenda cutista de “CUT Cidadã”. “Há, por exemplo, o problema da discriminação da mulher, do racismo, do trabalho infantil. A CUT deve encabeçar lutas em todos estes terrenos, elaborar propostas”, disse ele. Felício também prometeu uma “gestão mais compartilhada, com a participação de todos, para que a nova direção funcione como um corpo colegiado”.


 


O novo presidente também disse que a CUT teria uma conduta mais ativa, de oposição bem definida. “Desde 1998 a conjuntura está mudando. Aumenta o desgaste do governo FHC. Categorias que estavam acuadas há anos voltam a fazer greves. Fica mais claro do que nunca que a marca de FHC são a retirada dos direitos trabalhistas, o arrocho, o desemprego. Surgem as denúncias de corrupção no governo. Este processo motiva a retomada das lutas, como a ‘Marcha dos 100 mil’. Penso que a CUT, na próxima fase, terá uma forte marca oposicionista, liderando inúmeras greves. Estou muito otimista. O fundamental é dar conseqüência à luta pelo ‘Fora, FHC!’”, disse Felício.


 


Principal base da Força Sindical


 


De fato, o movimento sindical entrava numa nova fase. Na década de 90, apesar da arrasadora crise de identidade o número de sindicatos de trabalhadores no país cresceu 49% — segundo uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Mesmo com a intensidade da onda neoliberal, de 1991 a 2001 o número de sindicalizados apresentou um aumento de 22%. A participação das convenções e acordos coletivos, refletindo o esvaziamento do poder normativo da Justiça do Trabalho, cresceu significativamente, passando de 58%, em 1991, para 81%, em 2001.


 


Por outro lado, a participação dos dissídios coletivos, no período, caiu de 33% para 12% do total de negociações. A pesquisa também revelou o crescimento da participação das mulheres nas diretorias sindicais, dos cursos de qualificação de mão-de-obra voltados para os trabalhadores, da representação dos sindicatos nos locais de trabalho e do número de sindicatos ligados às centrais sindicais.


 


Ao mesmo tempo, a principal base da Força Sindical, os metalúrgicos de São Paulo, se esvaziava. O então presidente do sindicato daquela categoria, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, pregava abertamente o credo neoliberal. ''Todas as estatais, inclusive a Petrobrás, são cabides de empregos e têm de ser vendidas'', disse ele, falando em nome da Força Sindical, partícipe das negociatas envolvendo muitas empresas que foram privatizadas na década de 90. Em sua avaliação, o governo FHC fazia uma boa gestão — apesar de lento na execução das “reformas”.


 


Anteprojeto de lei contra a CLT


 


O cenário era propício para que o plano de luta da CUT deslanchasse. E por isso a central voltou a ser atacada pelo campo conservador. O ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, desferia impropérios contra a CUT, em ataques até pessoais. “O que nos causa indignação não é a parcialidade do ministro, pois há tempos suas atitudes o colocam mais na condição de presidente de honra de uma corrente sindical brasileira contra as demais do que na de ministro”, disse Felício em um artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo. Para ele, Dornelles criticava a CUT a fim de “ganhar uns pontos para a sua força sindical”.


 


A Força Sindical e o governo se uniram para defender o anteprojeto de lei que pretendia alterar o artigo 618 da CLT, a fim de permitir que a celebração de acordos coletivos prevalecesse sobre a legislação. ''Acho a mudança até tímida. Deveríamos ter uma legislação que ampliasse ainda mais o poder de negociação dos sindicatos e centrais sindicais'', disse Paulinho. ''A CUT é contra tudo, por isso que ela não consegue nada. Todos os grandes sindicatos estão deixando a CUT, que hoje é exclusivamente uma central de funcionários públicos'', vociferou Dornelles.


 


Agenda da oposição em 2001


 


Felício classificou as declarações de Dornelles como ''mentira e calhordice''. E chamou Paulinho de ''pelego governista''. O ministro também atacou a CUT por conta do episódio do acordo para o pagamento da correção do FGTS — segundo ele ''o maior acordo do mundo”. O assunto referia-se aos expurgos ocorridos nos planos Verão e Collor 1. A promessa de pagamento dessa dívida do governo foi feita por FHC em agosto de 1998, às vésperas das eleições presidenciais. Prometeu e não cumpriu.


 


A recusa do governo em utilizar dinheiro do Tesouro Nacional para pagar a dívida, aliada à proposta de sugerir aos ''patriotas'' brasileiros, no caso os empresários, que pagassem uma parte, e à proposição de que os próprios trabalhadores entrassem ''com sua parte'', foi o suficiente para animar um pouco mais a agenda da oposição em 2001.


 


Segundo o presidente da CUT, o governo, ao dizer que não tinha de onde tirar o dinheiro, tentava criar um precedente — já que pela primeira vez um réu perdia e se recusava a pagar. Felício respondeu às provocações de Dornelles com uma indagação: “Se o governo tem dinheiro para pagar as dívidas interna e externa e, principalmente, se há tanta corrupção, como não tem dinheiro para pagar uma causa ganha na Justiça e prometida pelo próprio presidente?” 


 


Sistema político conservador


 


Talvez a mais importante decisão da CUT em sua nova fase foi a aprovação pela 10º Plenária da central, realizada entre os dias 8 a 11 de maio de 2002, de apoio à candidatura de Luis Inácio Lula da Silva já no primeiro turno das eleições presidenciais daquele ano. “Em 2002, durante um primeiro turno, não haverá a Frente Brasil Popular, que em eleições passadas uniu os partidos, cujas bases sindicais integram a CUT. Isso, porém, não impede o nosso apoio à candidatura Lula, considerando que historicamente esta candidatura se apresentou e se apresenta com um alto grau de viabilidade eleitoral, sempre incorporou os princípios cutistas que afirmam a construção de uma sociedade mais justa e democrática”, dizem as resoluções da Plenária.


 


Após a vitória de Lula, a CUT definiu claramente o seu papel naquela nova realidade. ''A CUT não será instrumento do esquerdismo infantil e nem da direita desavergonhada que farão alianças para desestabilizar o novo governo'', disse Felício profeticamente. Era uma decisão importante, porque Lula teria de governar por meio de um sistema político conservador que ao longo da história aprisionou o Estado para fazer dele uma trincheira a fim de impedir a construção de uma sociedade democrática e progressista.


 


Campanha explícita de Palocci


 


Logo no início do governo, as ações da nova equipe instalada na Esplanada dos Ministérios mostraram o peso descomunal do pessoal que tomou conta do Ministério da Fazenda. Os conservadores criaram cenários de caos que supostamente iriam se materializar no minuto seguinte à troca de guarda no Palácio do Planalto e impuseram uma agenda que consistia basicamente em debelar uma enorme “crise de confiança” que havia sido detonada com a finalidade de impedir que o governo promovesse mudanças progressistas na política macroeconômica. Coincidentemente, o noticiário econômico começou a anunciar uma reversão dos “humores do mercado” assim que Lula anunciou a escolha do ex-prefeito de Ribeirão Preto (SP), Antônio Palocci, para o Ministério da Fazenda.


 


A partir daí, a equipe econômica começou uma campanha explícita para enumerar o que Lula não deveria fazer: o governo não daria “calote” na dívida interna criada pela “era FHC” e como garantia prometeria não gastar nada a mais do que vinha sendo gasto pelos neoliberais em investimentos públicos e sociais. ''O risco agora é a gente começar a acreditar que tudo já foi resolvido'', avisou Palocci. Era uma espécie de senha para os repetidos anúncios, pela “grande imprensa”, de que o governo começaria a enviar propostas de “reformas” ao Congresso Nacional.


 


O chamado “fogo amigo”


 


Mas Lula optou por começar as discussões por meio do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). O então presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), chegou a sugerir que parte do rito normal de tramitação das “reformas” no Congresso Nacional poderia ser transferida para o CDES. Palocci reagiu imediatamente e fez gestões para esvaziar a proposta e o CDES passou a funcionar como uma espécie de grande assessoria do presidente.


 


No entanto, nem assim as “reformas” avançaram na velocidade desejada pelos conservadores. ''Há quem acredite que as reformas vão ser aprovadas com tranqüilidade, mas ainda é muito cedo para dizer'', disse Carlos Kawall, então economista-chefe do Citibank — que mais tarde seria diretor da Área Financeira do BNDES e secretário do Tesouro Nacional.


 


A “grande imprensa” também calibrou sua artilharia. A resistência ao conservadorismo de Palocci passou a ser tratada como um obstáculo — o chamado “fogo amigo” — que precisava ser vencido. Nesta categoria estava a CUT. Na verdade, Palocci assumiu o cargo mancomunado com os conservadores e por isso enfrentaria uma firme oposição cutista — assunto da próxima coluna.


 


Leia também


 


CUT: das raízes aos frutos
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=19506
CUT-24 anos: agudo conflito de classes
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=19609
CUT-24 anos: o batismo de fogo de Lula
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=19761
CUT-24 anos: a última ação unitária
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=19902
CUT-24 anos: a controvertida decisão do PT
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=20052
CUT-24 anos: a incorporação da CSC à central
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=20151
CUT-24 anos: a resvalada da central para a direita
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=20329
CUT-24 anos: a maior crise da central
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=20490
CUT-24 anos: os atropelos de Vicentinho
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=20651
CUT-24 anos: a central de um homem só
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=20870
CUT-24 anos: repressão e cooptação
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=20995
CUT-24 anos: resistência e loteamento de cargos
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=21420


 


 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor