CUT: adesão ou autonomia (1)

De 5 a 9 de junho, em São Paulo, ocorre o 9o Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior central sindical do Brasil – com 3.489 entidades filiadas e 22,5 milhões de trabalhadores na base. Por v

Além de realizar o balanço da sua ação num período bastante complexo, no qual pela primeira vez na história um líder operário chegou ao governo central, o congresso debaterá a estratégia da central para a próxima fase da luta de classes no país. Em ambos os pontos persistem acirradas polêmicas entre as várias correntes cutistas.

 

Fundada em agosto de 1983, embalada pelo ascenso grevista e pela renovação sindical, a CUT teve papel protagonista na luta contra a ditadura militar. Nos anos 90, porém, ela foi abalada pela crise que atingiu o conjunto do sindicalismo e que se expressou na redução das greves, no esvaziamento das assembléias e na queda da taxa de associados. Fatores objetivos, como a explosão do desemprego, a ofensiva neoliberal e a reestruturação produtiva, acuaram os trabalhadores e reduziram o poder de barganha do sindicalismo. A CUT sentiu o baque, reduzindo a sua capacidade de unificação, mobilização e intervenção na sociedade.

 

Estas dificuldades agravaram os problemas de direção no sindicalismo. Fruto da avalanche neoliberal, em 1991 foi criada a Força Sindical, bancada pelo governo Collor de Mello, como um instrumento do capital infiltrado entre os trabalhadores. Também a CUT sofre mudanças na sua ação. De central de mobilização e confronto, passa a se adaptar à fase de defensiva. Surgem as concepções do sindicalismo propositivo, que privilegia a negociação em detrimento da luta; do sindicalismo cidadão, que abdica do conceito de classe para a representar a “sociedade civil”; acelera-se a sua burocratização e institucionalização.

 

A histórica vitória de 2002, com a eleição de um ex-fundador da CUT para a Presidência da República, foi encarada como uma oportunidade para reverter o quadro de defensiva do sindicalismo. Dezenas de cutistas ocuparam postos de relevo no novo governo. Essa vitória, porém, não resultou no revigoramento da luta proletária nem no fortalecimento do sindicalismo. Pelo contrário. Agregou à sua crise estrutural uma tensa crise teórica: como se portar diante de um governo nascido das suas lutas? Foi neste contexto, bastante complexo, que a atual direção da CUT enfrentou uma experiência inédita de atuação sindical.

 

Passividade acrítica

 

Desde o 8o Concut em junho de 2003, a atuação da central se mostra contraditória e cheia de ziguezagues. Com exceção da sua corrente majoritária, a Articulação Sindical (Artsind), todas as demais forças internas criticam a atual gestão. Hoje é público que houve interferência direta do governo Lula na escolha de Luiz Marinho para a presidência da CUT. João Felício, oriundo do radicalizado setor público, sofreu vetos para a sua reeleição. Esta ingerência indevida marcou esta  primeira fase da central, ferindo a sua autonomia e resultando numa postura de certa passividade diante do governo. Daí o rótulo de “central chapa-branca”.

 

Os estragos desta orientação foram imediatos. Já no primeiro embate com o novo governo, que enviou um projeto fiscalista e rentista de contra-reforma previdenciária no setor público, a CUT patinou. A proposta frustrou o funcionalismo, importante base de apoio da candidatura Lula. Diante da encruzilhada, a central decidiu apresentar emendas ao projeto e não investiu a contento nas mobilizações contrárias à reforma. Esta postura acuada revoltou os sindicatos de servidores, um dos principais esteios da central, e deu brechas aos setores esquerdistas para defenderem a desfiliação da CUT e a criação de uma nova central.

 

A mesma passividade acrítica, no pior sentido da “correia de transmissão”, prevaleceu em outros embates, como nas votações da Lei 11.079, que regulamentou as Parcerias Público-Privadas, e da Lei de Falências, que penalizou os créditos trabalhistas. Já diante das primeiras greves de servidores das universidades e de outros órgãos federais, a central abdicou do seu papel de protagonista no funcionalismo. A pressão social passou a ser encarada como desestabilizadora do governo, numa justificativa para a passividade. Sinais de deslumbramento com o poder, com o afastamento das bases e uma certa arrogância, ficaram patentes.

 

Na outra reforma proposta pelo governo, da estrutura sindical, a CUT se apegou à defesa do seu aparato e tentou emplacar sua concepção de plurisindicalismo. No interior do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), uma instância tripartite, ela fez propostas polêmicas no rumo da fragmentação sindical, da centralização na cúpula e da maior ingerência do Estado. No geral, nesta primeira fase a central se fundiu ao governo, ferindo a sua autonomia. O gesto simbólico desta adesão se deu quando o presidente Luiz Marinho, sem qualquer consulta interna, aceitou a sua nomeação para o Ministério do Trabalho, em julho de 2005.

 

Superando a apatia

 

Por ironia da história, o regresso de João Felício à presidência da CUT trouxe novo dinamismo à central. Ela voltou a priorizar a luta do funcionalismo, participando do lançamento da campanha salarial de 2006; teve papel decisivo na articulação da campanha unitária pela valorização do salário mínimo, que resultou no maior reajuste do mínimo dos últimos anos; empenhou-se na defesa da “plataforma democrática” para reforma sindical, aprovada na plenária nacional de maio de 2005, o que inviabilizou o envio ao Congresso do projeto da FNT; e lançou a campanha pela redução da jornada de trabalho sem redução de salário.
Um dos saldos mais positivos desta segunda fase foi a participação efetiva da CUT na construção da CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais), um espaço inédito de unificação das lutas populares que reúne as mais representativas entidades da sociedade – como MST, UNE, Ubes, Conam, pastorais sociais da igreja e outras. No momento mais grave da crise política, quando a direita intentou o impeachment do presidente Lula, a CMS foi às ruas para exigir a apuração da corrupção e mudanças na política econômica e para se contrapor às manobras golpistas da oposição liberal-conservadora e ao aventureirismo dos esquerdistas.
O balanço da atual gestão, com sua trajetória errática, traz inúmeros ensinamentos para o futuro e será um dos pontos mais polêmicos do 9o Concut. A controvérsia sobre a relação do sindicalismo com um governo nascido de suas lutas é antiga. Na Revolução Russa 1917, num processo avançado de ruptura política, ela contrapôs dois expoentes desse processo. Vladimir Lênin defendeu a autonomia dos sindicatos contra os riscos de burocratização do seu Estado; já Leon Trotsky pregou o atrelamento do sindicalismo, a partir da leitura principista de que a revolução havia superado a exploração capitalista.
No caso atual, de um governo contraditório e limitado, nascido do processo eleitoral e não de uma ruptura revolucionária, a questão da autonomia se coloca ainda com maior força. A passividade acrítica e adesista anula a capacidade de mobilização da central, afasta setores da classe e estimula iniciativas divisionistas. Além disso, não contribui para impulsionar o governo no rumo da mudança, deixando-o refém da pressão do capital – que, derrotado eleitoralmente, tenta enquadrá-lo politicamente. Ao abdicar da sua autonomia, privilegiar as negociações e subestimar as mobilizações, perdem a CUT e o próprio governo Lula. “Feijão só fica bom sob pressão”, alertou Frei Betto, quando ainda era assessor especial do presidente-operário.      

Nota
 

Os próximos artigos tratarão do risco do hegemonismo na CUT e da centralidade da política.
 

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