Da mais-valia à “mais-sabia”

A mais-valia é considerada um dos principais mecanismos de acumulação de capital e desigualdade social no sistema capitalista.

Imagem: CSEABRA/MIDJOURNEY

A mais-valia é um conceito fundamental na teoria econômica de Karl Marx. Refere-se à diferença entre o valor produzido por um trabalhador e a remuneração que ele recebe em troca desse trabalho. É a forma pela qual os empregadores se apropriam do valor excedente gerado pelos trabalhadores, aumentando assim seus próprios lucros. A mais-valia é considerada um dos principais mecanismos de acumulação de capital e desigualdade social no sistema capitalista.

Mas o avanço tecnológico trouxe novos aspectos para essa equação: a robotização e o desemprego estrutural. E, mais recentemente, a inteligência artificial.

A robotização é empregada na realização de tarefas cada vez mais complexas, que exigem algum grau de repetição e precisão. Conforme dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), aproximadamente 85 mil robôs são introduzidos anualmente na indústria em todo o mundo. No entanto, o índice de robotização nas fábricas brasileiras ainda é muito baixo em relação à média internacional.

O desemprego estrutural ocorre devido à modernização das atividades econômicas por meio da utilização de tecnologia. Isso resulta na substituição de trabalhadores por máquinas e equipamentos. Ao contrário do desemprego conjuntural, que é temporário e relacionado a circunstâncias específicas, o desemprego estrutural representa uma mudança duradoura nas atividades produtivas.

A palavra “robô” (robot) tem origem na língua tcheca, derivada do termo “robota”, que significa trabalho forçado ou servidão. O termo foi introduzido na literatura pelo escritor checo Karel Čapek em sua peça teatral de ficção científica “R.U.R. (Robôs Universais de Rossum)”, publicada em 1920. Nessa peça, os robôs são seres artificiais criados para realizar trabalho humano.

Desde então, a palavra “robô” tornou-se amplamente utilizada em diferentes idiomas para se referir a autômatos, máquinas ou sistemas controlados por computador capazes de executar tarefas de forma autônoma ou semi-autônoma. O termo ganhou popularidade e passou a ser associado a diferentes formas de tecnologia e automação presentes na sociedade atual.

Podemos caracterizar a apropriação dos gestos e do saber-fazer dos operários por parte de robôs como uma forma de “mais-valia virtual e perpétua”. Com o avanço da automação, os robôs estão sendo programados para cada vez mais executar tarefas anteriormente realizadas por trabalhadores humanos. Essa transferência de habilidades e conhecimentos para as máquinas permite que os empregadores continuem a se beneficiar da produção e do valor gerado, enquanto reduzem a necessidade de mão de obra humana.

A “mais-valia virtual” refere-se ao fato de que os robôs, uma vez programados com as habilidades e conhecimentos dos trabalhadores, podem gerar valor de forma contínua e sem a necessidade de salários ou benefícios. Eles operam indefinidamente, sem a limitação das horas de trabalho humano. A “mais-valia perpétua” está relacionada à capacidade dos robôs, e outros sistemas de automação, de manter e reproduzir os conhecimentos e habilidades capturados dos trabalhadores humanos, garantindo a perpetuação da mais-valia ao longo do tempo.

Com a inteligência artificial, um novo fenômeno parece estar a ocorrer: a apropriação dos processos intelectuais agora não mais exclusivamente de trabalhadores manuais mas também de profissionais de outras áreas. Poderíamos chamar de “mais-sabia” a apropriação de saberes, e de seus mecanismos de raciocínio, dos trabalhadores, intelectuais e manuais, transformando-os em algoritmos aplicados à produção.

Essas novas formas de apropriação do saber-fazer dos trabalhadores por parte de sistemas automatizados (robôs, inteligência artificial, BigData, Internet das Coisas) levantam questões sobre desigualdade, emprego e distribuição de riqueza na sociedade, uma vez que os trabalhadores humanos podem perder suas fontes de renda e os benefícios da produção que antes eram obtidos através do trabalho, com suas formas clássicas de exploração.

Este é o desafio que os sindicatos, em especial, e a sociedade como um todo, têm que tentar equacionar. Quando surgiu a máquina a vapor na França, no século 18, muitos trabalhadores combateram seus efeitos sobre a questão do emprego nas indústrias recorrendo à sabotagem (a palavra vem do francês “sabot”, que é tamanco, calçado habitual na época no operariado fabril). Mas hoje a discussão e organização dos trabalhadores precisa ser bem mais inteligente e o preparo de suas lideranças mais forte ainda, pois a complexidade dos processos exige novos avanços nessa luta.

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