Desafio educacional em discussão

Entre 28 de março e 1º de abril aconteceu a Conferência Nacional de Educação, em Brasília. Discutiu a construção do Plano Nacional de Educação (PNE). Questão central para a consolidação de um projeto desenvolvimentista e o exercício da cidadania, a educação é tema antigo na formação do país. O debate deste final de governo Lula teve contornos novos no tratamento de velhos problemas.

Cecília, gigante como poetisa e educadora

Os cerca de 3 mil delegados de todo o país abordaram inúmeros aspectos da educação, desde a pré-escola até a pós-graduação. Entre as necessidades dos alunos foram citados o horário especial e reduzido, livros adequados à idade dos alunos, merenda reforçada e formação de professores para a educação de jovens e adultos. A colaboração entre municípios, estados e o governo federal foi apontada como necessária para a formação e valorização dos profissionais do magistério. Planos de carreira distintos em estados e municípios, salários diferenciados e diversas maneiras de contratação de profissionais são considerados empecilhos à formação e valorização dos trabalhadores do setor.

A primeira vez que a educação foi tema de discussões nacionais, na busca de torná-la acessível ao maior número possível de brasileiros, foi logo após a Revolução de 1930. Nesse ano, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1931, o governo provisório organizou o ensino secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Os decretos que determinavam as medidas educacionais ficaram conhecidos como "Reforma Francisco Campos". Em 1932, um grupo de educadores, como Cecília Meireles e Anísio Teixeira, e de pessoas envolvidas com o tema, como Júlio de Mesquita Filho e Roquete Pinto, assinaram o documento “A reconstrução educacional no Brasil – ao povo e ao governo”. Nele, afirmavam que a laicidade, a gratuidade, a obrigatoriedade e a coeducação são alguns dos “princípios em que assenta a escola unificada e que decorrem tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e parciais (de classes, grupos ou crenças), como do reconhecimento do direito biológico que cada ser humano tem à educação”.

As opiniões de Cecília Meireles, à época, foram tema de uma série de artigos sobre a educação, a criança, a família e a Escola Nova. Ela os publicava no Diário de Notícias, do Rio de Janeiro. Essas suas intervenções foram reunidas, em 2001, no primeiro volume da Obra em prosa – Crônicas de Educação. Vale conhecer as opiniões da então jovem educadora (emitidas quando ela tinha entre 29 e 31 anos), que depois se desencantou dos rumos da Revolução de 30.
Cecília pretendia ajudar na criação de um clima de respeito às crianças e investimento na sua aprendizagem das crianças, atuar na renovação do ensino, envolver a família no processo educacional em parceria com a escola e operar pelo aperfeiçoamento do ensino público. Suas ideias, mesmo as iniciais, ainda hoje ecoam nos debates educacionais. “Tudo, em suma, é sempre uma questão de educação”, registrou em 1932 – frase que, hoje, ainda permeia o pensamento de muitas pessoas envolvidas com essa questão, como o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), para citar um exemplo notório.

A poetisa lutava contra o pensamento– ainda há quem o tenha! – dos que consideravam a educação como “um determinado número de fórmulas de cortesia e de hábitos de sociedade. Chama-se vulgarmente educado a um cavalheiro de modos afáveis (ainda que seja um monstro de hipocrisia), de palavras escolhidas (embora encobrindo pensamentos medonhos), de gestos atenciosos (ainda que sobre intenções vis), com um sorriso à flor dos lábios para mentir melhor, geralmente, e uma aparência de bondade encantadora, para a gente se fiar melhor nele, e cair mais depressa nos seus ardis” (27 de março de 1931).

Não escondia seu entusiasmo com o “tão grande movimento, no Brasil, em favor da educação popular”. E registrava um ideário que não é ausente em profissionais sinceros de hoje, na área educacional:

“Num mundo de homens irmãos, o trabalho fraternal, que se levanta com mãos preparadas por uma aplicação conscienciosa e adequada, traz virtudes maiores e pode vender melhor as inconstâncias do tempo e as fatalidades dos destinos.

“Esse trabalho fraternal só pode provir de uma educação que ofereça a todas as crianças iguais possibilidades de efetuar sua adaptação ao mundo sem tiranias e sem humilhações.

“O sonhos de paz sobre a terra descansa nesse intuito comovedor de tornar iguais todos os homens a partir do instante neutro da infância, dentro da neutralidade da escola” (6 de dezembro de 1931).

Posicionamentos como esse, ontem e hoje, remetem à análise que fez Friedrich Engels da boa vontade dos socialistas utópicos que buscavam “descobrir um sistema novo e mais perfeito de ordem social, para implantá-lo na sociedade vindo de fora, por meio da propaganda e, sendo possível, com o exemplo, mediante experiências que servissem de modelo. Esses novos sistemas sociais nasciam condenados a mover-se no reino da utopia; quanto mais detalhados e minuciosos fossem, mais tinham que degenerar em puras fantasias”.

Os desejos, as intenções que, mesmo depois tendo sido desenganados pela ascensão do fascismo e a eclosão da maior destruição de homens e da natureza da história humana – a Segunda Guerra Mundial (1939-45) –, não levaram Cecília de abdicar da luta por um mundo fraternal. Nessa batalha em que, muitas vezes, “quem não presta, fica vivo; quem é bom, mandam matar”, ela perseverou e ainda nos proporcionou, no seu “Romanceiro da Inconfidência”, de 1953, contando a saga de Tiradentes e seus parceiros, estes versos:

Liberdade – essa palavra
Que o sonho humano alimenta
Que não há ninguém que explique,
E ninguém que não entenda!

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