Dia Nacional da Consciência Negra

É importante explicar reiteradamente o sentido dado pelas lideranças negras brasileiras ao Dia Nacional da Consciência Negra e ao líder quilombola Zumbi do Palmares, pois remetem a compreensão do passado brasileiro num momento definidor do projeto naciona

O pensamento que propôs e sustentou na sociedade brasileira o Dia Nacional da Consciência Negra e o heroísmo de Zumbi, hoje tem condições de atentar-se para importância de alguns aspectos do movimento abolicionista. Por isso é importante que o movimento negro brasileiro proponha novas leituras e novos significados ao abolicionismo, ele não pode continuar sendo uma agenda a serviço da alienação conservadora. A desinstitucionalização da escravidão no Brasil deve ser analisada multilateralmente, para não ser apenas um ponto negativo no passado brasileiro. Não podemos apenas negar o processo abolicionista, porque em vários momentos contou com a presença das massas populares nas ruas, a população tinha adesão a proposta de extinção da escravidão; contou com a militância de alguns ícones antiescravista que merecem ser elevados ao status dos heróis nacionais, tais como, o poeta Castro Alves, Luis Gama, José do Patrocínio e Antonio Bento; foi importante, para época, a principal conquista desse movimento, que consistiu em elevar juridicamente o escravo a homem livre – inegavelmente é uma conquista positiva, embora insuficiente aos propósitos da liberdade e da plena cidadania.


 



Em que pese esses aspectos positivos do movimento abolicionista, é patente que o controle desse processo foi “dos de cima”, em outras palavras, os principais atores do abolicionismo brasileiro foram os grandes latifundiários proprietários de escravos e uma nova elite urbana – mais apta aos desafios exigidos pelo capitalismo – que disputavam a hegemonia política e econômica no Brasil. Ambos com motivações econômicas, longe de qualquer filosofia humanitária, provando que anti-escravismo não é sinônimo de anti-racismo, por isso para os contendedores o lugar social que deveria ser ocupado pelos ex-escravos era a marginalidade. Entendiam que negros e escravos eram inaptos para um país que mudava, se desenvolvia e buscava a prosperidade.


 



Os Negros e escravos foram espectadores e objetos da disputa de poder intra-elite nos finais do século 19. De modo geral o povo assistiu atônito a substituição da mão de obra escrava pela livre e o nascimento da República. Durante a abolição a elite dominante pensou na forma de garantir a não integração da população negra e pobre na sociedade que surgia, queriam civilizar o Brasil com brancos europeus. Venceu o projeto que desejava uma liberdade sem asas, sem cidadania e sem dignidade. Venceu o projeto que desejava uma República sem povo, uma República oligarca e com contínuos espasmos autoritários. Venceu o projeto que desejava uma República incompleta, negligenciadora do bem comum.


 



O resultado dessa vitória prejudicou o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Estamos entre os países mais desiguais do mundo, sob usurpação do bem público através de inversão de prioridades, malversação e corrupção endêmica impregnada nos aparelhos de Estado. A classe dominante brasileira é antinacional, racista, egoísta,  preguiçosa, truculenta, violenta e, invariavelmente, esses qualitativos ecoam na classe média. A população negra continua majoritariamente a margem das benesses produzidas pelo trabalho coletivo. Está em desvantagem escolar e econômica, se encontra na pobreza, cárcere, desempregada, na informalidade, subemprego, em moradias precárias.


 


 



A construção do Dia Nacional da Consciência Negra contrapõe-se as idéias orientadas pela versão histórica oficial, quando sustentam unilateralmente o dia 13 de maio. Elevam a Princesa Isabel ao símbolo maior do processo de libertação dos homens e mulheres escravizadas. Vende nas escolas de todo país a idéia de que a filha de D. Pedro 2º é nossa redentora, de coração benevolente e caridoso, libertadora dos escravos, com isso reafirmam o projeto da elite do século 19. 


 



A presença de Zumbi dos Palmares no imaginário nacional restabelece o protagonismo da luta contra a escravidão aos escravos, sintetiza e valoriza formas de lutas coletivas (os quilombos representam a reação radical e coletiva contra a escravidão) e dá um verdadeiro sentido a liberdade, visto que liberdade é resultado da luta política dos que a buscam e não algo a ser recebido devido a benevolência do opressor. No dia 20 de novembro questionamos os resultados da Abolição e da República incompletas – escolha política do Estado e das elites brasileira. Projeta a extinção do racismo e a superação das mazelas que ele produz para o país.


 


Rememorar a Consciência Negra e Zumbi dos Palmares reiterara a necessidade de transformar o Brasil em um país livre, soberano e com justiça social, tal qual sonhou os palmarinos.


 



Por isso sempre nos dias 20 de novembro o movimento negro brasileiro organiza atividades públicas como forma de reivindicar políticas públicas de promoção social para a população negra e pobre. Essa data está na pauta oficial de prefeituras, câmara de vereadores e assembléias legislativas, universidades e escolas, espaços religiosos de vários credos, comunidades nas periferias dos grandes e médios municípios do país onde concentram a massa pobre e alijada das benesses sociais. Podemos considerar o Dia Nacional da Consciência Negra uma data cívica de todos brasileiros. A população negra, através do movimento negro, mesmo sobrevivendo sob históricas desvantagens sociais e econômicas em trinta e seis anos conseguiu tirar do fundo do baú da história um herói nacional. Isso se faz quando se tem profunda penetração na alma nacional, capacidade de propagar idéias e interferir na superestrutura da nação.  


 



O movimento negro brasileiro tem apresentado proposta a governos, autoridades públicas e sociedade civil, acreditando que somente com ações concretas superaremos os impasses sociais e econômicos que submete a grande maioria da população negra aos espaços subalternos. As principais bandeiras de luta do movimento negro que estão incorporadas na luta anti-racista atualmente são: ações efetivas contra a violência do Estado e do tráfico que vitimiza a juventude negra.


 


Aprovação imediata do Estatuto da Igualdade Racial; aprovação da PL 73/99 que implanta reservas de vagas nas universidades; da PEC 02/06 que institui o Fundo de Promoção da Igualdade Racial; manutenção do decreto 4887/03 e regularização das terras quilombolas; implantação efetiva da Lei 10.639 que obriga o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira nas escolas. Ações contra a intolerância religiosa, especialmente as praticadas por segmentos evangélicos em rede de comunicação de massa como o rádio e a televisão. Descriminalização do aborto, pois trata-se de um caso de saúde pública a quantidade de meninas que morrem em decorrência de aborto clandestino. Nacionalização do feriado da Consciência Negra em 20 de novembro, visto que 262 municípios brasileiros instituíram feriado nessa data. Além das bandeiras gerais propostas pelos movimentos sociais, tais como valorização do salário mínimo; redução da jornada de trabalho sem redução de salário; reforma agrária; mudança de política econômica e outras medidas antiliberais, pois a estratégia é de superação da atual estrutura social e econômica.


 



Por fim, para o sucesso de qualquer força política que almeje transformar o Brasil, deverá unir a base popular nacional, para isso é fundamental compreender e encontrar elementos que aglutine o povo, sem negar as múltiplas expressões regionais, culturais, religiosas, étnicas brasileiras. O Brasil não é um todo uniforme, comporta interesses diversos e complexos, porém em meio a diversidade há elementos fundamentais constituidores de uma única nacionalidade e um único povo. É através da busca da unidade e da compreensão da diversidade que poderemos organizar a luta política que nos levará a construir uma nação que supere os impasses da nação proposta pela elite brasileira desde quando elaboraram o projeto para o Brasil.

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