“Divide et Impera”

Nos tempos antigos, na antiga Macedônia, terra de Alexandre e de Aristóteles, o Imperador Filipe tinha uma palavra de ordem, uma espécie de orientação geral: dividir para governar. O que vemos hoje no Oriente Médio, a política de Bush e de Israel levada á

Porque brigam os palestinos?


 


As divergências não são recentes. Elas vêm de anos e talvez décadas. Hoje chegam ao seu clímax. Nas últimas semanas, mais de 200 palestinos foram mortos não por soldados israelenses, não por soldados americanos, mas por lutadores palestinos! Em nossa coluna não costumamos entrar em questões mais internas dos povos e de suas lutas. Mas, como militante internacionalista, o que vimos presenciando no Oriente Médio e mais particularmente na Palestina e na Faixa de Gaza e Cisjordânia é inaceitável, pois isso nos divide, divide a luta nacional libertadora e os nossos inimigos assistem de camarote essa briga que não nos interessa.


 


 


Mas a maioria dos leitores deve estar se perguntando por que brigam os palestinos. Há muitos fatores. A questão central segue sendo política, ainda que tenha componentes religiosos. Há inclusive componentes ideológicos, de concepção de mundo, de governo. Vamos tentar esclarecer alguns fatos, fazendo uma breve retrospectiva do processo histórico.


 


 


O comando histórico da luta nacional palestina sempre esteve nas mãos do grupo Al Fatah, da antiga OLP – Organização para a Libertação da Palestina, fundada por Yasser Arafat em 1965. Esse sempre foi um grupo laico, ainda que a esmagadora maioria de seus membros fossem – como o são até os dias atuais – adeptos da religião islâmica. No entanto, eram combatentes revolucionários patriotas, nacionalistas e lutavam pela libertação nacional da Palestina das mãos dos sionistas que ocuparam as suas terras desde 1947 com o aval das potências e da ONU.


 


 O Fatah (“ressurgimento” em árabe) não era e nunca foi nem comunista nem marxista. Eram sociais democratas de esquerda, quiçá até socialistas. Mas não era isso que importava. Eram lutadores pela libertação nacional, patriotas e revolucionários. Fidel e Che também não eram comunistas no início de sua jornada de luta em Cuba, mas tornaram-se comunistas no processo. Arafat era o comandante que melhor compreendia isso tudo, a correlação de forças, o arco amplo de alianças que deveria ser feito. Os grupos mais à esquerda ficavam à cargo da Frente Popular e da Frente Democrática, respectivamente de George Habach e Nayef Hawatmeh, esses de formação marxista e até leninista e mesmo do Partido Comunista Palestino, muito fraco e pequeno.


 


Na década de 1990, começam a surgir dissidências no Fatah, e surgem grupos mais radicais e fundamentalistas, de partidos religiosos. O caso mais emblemático é o Hamas, cujo significado da sigla em árabe é Movimento Islâmico de Libertação. Seu líder mais expressivo é Ismail Haniyeh, primeiro Ministro (destituído por Mahmoud Abbas no último dia 12 de junho) e Khaled Meshal, que vive no exílio em Damasco. O Hamas venceu as eleições parlamentares de janeiro de 2006 por ampla maioria (57% dos votos e deputados) e compôs um governo sem aliança alguma. Não que não desejasse, mas pelo fato que o grupo Fatah se recusou a participar do novo gabinete.


 


Mas, como a tal democracia dos ocidentais só vale quando vence uma eleição alguém de sua confiança, logo as vozes ocidentais, especialmente os Estados Unidos, a Inglaterra e parte dos países da União Européia, em seguida dessas eleições do início do ano passado trataram de cortar imediatamente a ajuda financeira ao governo palestino. Matam de fome um povo quando ganha a eleição quem eu não concordo. Assim agem os ocidentais. Isso levou ao máximo o enfraquecimento da liderança palestina. Já haviam desmoralizado Mahmoud Abbas, como o fizeram com Arafat. Israel, acatando um plano equivocado de Bush, acabou por retirar-se da Faixa de Gaza de forma completa e absolutamente unilateral. Ora, isso é elementar em política: com quem vão negociar a paz os que esmagam toda a liderança de um povo? Não há mais com quem negociar a paz. E ela fica impraticável.


 


O fulcro das divergências vem do acordo de paz assinados em setembro de 1993 em Oslo, na Noruega, sob os beneplácitos dos Estados Unidos, à época presidida por William Clinton. A então OLP acabou aceitando reconhecer o Estado de Israel, algo inaceitável para parte dos palestinos e de seus grupos fundamentalistas, como o Hamas e o Jihad Islâmico. Comentamos à época em diversos artigos em vários órgãos, que o acordo era fruto de uma correlação de forças extremamente adversa para os que lutavam por um mundo melhor, especialmente para os socialistas e revolucionários. A URSS havia acabado em 1991 e os americanos haviam esmagado o Iraque na primeira guerra no Golfo pérsico-arábico, ainda que Saddam tivesse conseguido sobreviver. Não havia mais o campo socialista, o mundo passava a ser unipolar. Lembro-me de divergências que expressou de forma pública o renomado intelectual, ao qual admiro, falecido em 2003, Dr. Edward Said. Ele nunca aceitou o acordo de paz. Mas foi o acordo possível naquela conjuntura.


 


Dessa data em diante, pesam acusações de traições, de capitulações da parte dos fundamentalistas islâmicos do Hamas e do Jihad contra o grupo Fatah. Em uma comparação que pode ter alguma aproximação com a realidade, podemos dizer que o Fatah é uma frente política, nos moldes do PT, de feições social democrata, e tem em Mahmoud Abbas uma liderança que se aproxima do chamada Campo Majoritário nesse Partido. Tal grupo compreende a questão de alianças amplas, de negociação, sentar à mesa etc. Do lado oposto, encontra-se o Hamas, que, de forma caricaturada poderíamos comparar com os grupos mais “esquerdistas” que atuam na política brasileira como o PSTU, PSOL e PCO, ainda que esse grupo nada tenha de um partido trotsquista. Mas são agrupamentos completamente acessos a qualquer negociação, são principistas, fundamentalistas e nunca negociam, qualquer que seja a correlação de forças.


 


Os problemas mais recentes


 


O Ocidente, ao cortar praticamente todos os recursos e ajudas humanitárias, acabou criando um barril de pólvora especialmente em Gaza, onde vivem 1,5 milhão de palestinos, cuja renda per capita na ultrapassa a três a quatro dólares ao dia. Vivem na maior miséria possível. Os 165 mil servidores públicos estão sem receber há meses e a economia palestina depende desses salários e da ajuda externa. Ou seja, as potências Ocidentais, à frente os EUA, matam as lideranças, desacreditam as que sobrevivem, querem impor a sua pauta, desmoralizam tudo e todos e quando a situação fica explosiva e sem controle, não mais com quem negociar e o caldo de cultura é extremamente propício para os fundamentalistas e principistas crescerem e aparecerem no cenário político. A questão do corte de recursos acabou castigando duramente o povo palestino mais ligado ao Hamas enquanto a AP continuava recebendo dólares tanto dos EUA como da União Européia o que motivou acusações de que eram traidores.


 


É bem verdade que existe um profundo desgaste no grupo até então hegemônico na liderança palestina que é o Fatah. Afinal de contas, foram quase 40 anos de liderança, de governo e muitas denúncias de corrupção e desvios de recursos apareceram nesses anos todos levando ao desgaste. O assistencialismo que o Hamas presta ás famílias palestinas é grande, incentivados e apoiados especialmente pelo Irã e por muçulmanos xiitas de todo o mundo que enviam ajuda e mesmo se deslocam pessoalmente para ajudar na luta e no assistencialismo.


 


A radicalização levou Abbas a dissolver o gabinete e convocar novas eleições. É uma posição discutível que vem sendo questionada. Pessoalmente entendo que o presidente da Autoridade Palestina tem esse poder e direito. Dever-se-ia ter feito é outra discussão. É provável que não. Os membros do Fatah abandonaram, o governo de União Nacional formado há pouco mais de três meses.


 


Na última segunda, dia 18 de junho, Abbas nomeou um novo primeiro Ministro, criando um vácuo de poder e de poder contestado e disputado, dividido, pois o Hamas não a reconhece o novo governo, desta vez comandado por Salam Fayyad e cuja composição ministerial envolve apenas 11 ministros, dos quais duas mulheres sem filiação partidária. É mais caldo de cultura para a radicalização política. Todas as sede da Autoridade Palestina (uma espécie de estado) na Faixa de Gaza foram invadidas por comandos e milícias do Hamas, especialmente a Guarda Presidencial, uma política altamente treinada do presidente Abbas, cujo chefe Mohhamad Dahlan do Fatah encontrava-se em tratamento de saúde no Egito e viu seu gabinete em Gaza completamente ocupado.


 


Desdobramentos e perspectivas


 


A situação se deteriora a cada momento. Na semana passada, dia 14 de junho, dei uma entrevista de 20 minutos para a Rádio CBN, às 21h40 e durou 20 minutos no programa “Noite Total”. Foi sobre o conflito. Fica difícil que os ouvintes e nossos leitores compreendam com facilidade o que lá acontece. Mas, do ponto de vista de alguém como eu que tem uma formação marxista, uma militância cuja escola aprendeu a levar em conta a realidade concreta, a correlação de forças, o que vem ocorrendo é de um principismo inaceitável. Elencar como faz o Hamas como inimigo principal o Fatah cobrar-lhes um ajuste de contas político e ideológico, principista neste momento é fazer o jogo de um inimigo maior que é Israel e os Estados Unidos que assistem a essa briga de camarote.


 


No entanto, o conflito nos traz muitas lições importantes. A primeira delas e estou convencido disso é que chegamos a esse ponto pelo absoluta fracasso total das políticas norte-americanas para a Palestina. Negociar apenas quando vencem as eleições quem nós gostamos foi o maior erros dos Estados Unidos e de Israel. Porque não se perguntou ao Hamas que Israel eles se recusam a reconhecer? (1) da Palestina original, restam apenas e tão somente 22% de terras a serem negociadas, pois todas as outras já foram tomadas pelos israelenses e ainda essa pouca terra possuem centenas de colônias e assentamentos judaicos que não param de crescer na Cisjordânia.


 


A vitória do Hamas em eleições não é tão somente pelo grupo em si e pelas suas posições, mas um cansaço real e verdadeiro, um esgotamento do modo de governar do grupo até então hegemônico que é o Fatah. É provável que o povo tenha se cansado do governo desse agrupamento político e eventualmente de sua moderação. Talvez, mesmo na atual conjuntura política adversa, não fosse o caso de tantas concessões e moderações. Abbas, um dos negociadores da Paz de Oslo escreveu um livro com mais de 600 páginas sobre tais acordos, mas não menciona uma única vez a palavra “ocupação”, que é o que Israel faz com as terras e com o povo palestino.


 


O modelo de democracia ocidental sonhado e proposto de forma falaciosa por Bush aos árabes e iranianos, esta fadado ao fracasso. Nenhuma eleição ocorrida nos últimos três anos, seja no Iraque, no Irã, na Palestina, no Líbano, foi vencida por moderados ao gosto ocidental. Os radicais, os fundamentalistas, os xiitas, ou venceram, ou cresceram exponencialmente, aumentando imensamente a sua força política e no parlamento. Estados laicos não tem prosperado na região e os únicos que haviam propriamente nessa condição, como Iraque, foi completamente destruído e na Síria, que ainda segue assim, esta constantemente ameaçada.


 


Por fim, temo que a visão de “dois povos e dois estados” esteja completamente morta ou destinada ao fracasso político na atual conjuntura. Não há como implementá-la agora com Gaza e Cisjordânia controladas por grupos políticos rivais e que não se falam. Com quem Israel vai negociar agora? Se tentar ajudar Abbas, mesmo que por debaixo do pano, vai desgastá-lo ainda mais. Não estou vislumbrando saída alguma nesse conflito. Um verdadeiro impasse político. Só me resta prestar a minha mais irrestrita solidariedade a esse sofrido povo, já que no momento nada mais posso fazer. Que a paz esteja com todos eles.


 


Nota


 


(1) Ver excelente artigo de Robert Fisk do The Independent publicado na Folha do dia 16 de junho de 2007, intitulado “O novo fracasso de nossa incoerência”, página A23.

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