DJ Raffa: Brasília e seus contrastes

Se eu fosse um estrangeiro e viesse pela primeira vez ao Brasil, fazendo conexão por Brasília, quando desembarcasse e pegasse um táxi para o Plano Piloto, minha impressão sobre o país não seria verdadeira. Mas só até o momento da minha chegada à rodoviári

Uma multidão de sobreviventes tentando ganhar a vida, indo ou voltando de seus empregos. Vendedores ambulantes tentando ganhar o pão de cada dia. Pessoas simples andando de um lado para o outro.


 


Engraçado, que logo ali pertinho, está o centro do poder do Brasil. Onde todas as decisões que nos afetam diretamente acontecem. Você pode até achar que isso é a verdadeira democracia. O Povo perto do Poder. Se na prática acontecesse como na teoria, realmente eu diria que o sonho de Dom Bosco seria o sonho de uma cidade onde a sociedade fosse livre de preconceitos. Mas a realidade é outra.


 


Sou um ativista da cultura Hip Hop, que acredita que ela pode fazer a transformação de jovens através da educação e da cultura. Acredito que essa manifestação é uma das poucas que atrai os jovens para uma vida mais saudável e os ensina a construir pensamentos e idéias. Idéias de uma sociedade mais justa e sem preconceitos. Ou seja, de Inclusão Social com maiúsculas.


 


Recentemente, entre o Poder e a rodoviária, nasceu um monumento imponente de Oscar Niemeyer. O Complexo Cultural da República. Tive então uma idéia maravilhosa. Realizar um Seminário de Hip Hop, onde o foco principal seriam palestras de personalidades do Brasil inteiro – que usam essa forma de arte para resgatar vítimas da violência urbana e social – junto com exibição de slides, filmes e documentários onde o principal tema seria Inclusão Social.


 


Todos aqueles jovens, que não estão acostumados a freqüentar lugares como o Museu da República, teriam a oportunidade de encontrar sua forma de cultura em um lugar em que eles pudessem ver outras coisas que jamais veriam onde moram. A minha empolgação terminou quando escalões do Poder mandaram um recado, dizendo que aquele local era inapropriado para as pessoas que são do movimento Hip Hop.


 


Na mesma hora me veio o pensamento de que ainda vivíamos resquícios da ditadura militar. Como eles querem que os jovens tenham interesse em diferentes manifestações culturais, que despertem para a cidadania, que vejam diferentes caminhos para uma vida melhor, se a esses mesmos jovens são negados esse acesso só porque eles ouvem ou cantam rap, dançam break, são djs e grafiteiros? Não é só falta de informação, é preconceito.


 


Claro, aquele pretinho pobrinho dançando na sede de uma ONG na periferia é lindo. Mas freqüentando um Museu… Aí, não! Ele pode depredar o patrimônio público. E me veio um último pensamento. Na verdade, eles não querem os jovens mudando de vida, se organizando, se informando e melhorando a sua auto-estima. O que querem é que se matem cada vez mais. E a confirmação veio uma semana depois via e-mail. A propaganda de uma rave no Museu da República com varios djs internacionais.


 


E a burguesia riu mais uma vez


 


Em tempo, felizmente, a história teve um final feliz: A Universidade de Brasília encampou nosso sonho, colocando à disposição seu espaço mais nobre – o Auditório 2 Candangos. 


 


Raffaello Santoro é produtor musical, ativista da cultura Hip Hop e ganhador do maior prêmio dedicado à celebração da cultura hip hop no Brasil (Hutúz), em 2000 e 2004.

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