Dois presidentes no Líbano?
Conforme comentamos, voltaríamos ao tema das eleições libanesas. No mês passado elas não foram realizadas por problemas políticos e se não ocorrerem até o dia 24, uma nova crise política poderá se instalar. Como de outras vezes, em função do hor
Publicado 22/11/2007 20:14
O sistema eleitoral libanês
Desde o final da guerra civil que vitimou centenas de milhares de libaneses, ocorrida entre 1975 e 1990, um acordo político foi estabelecido entre as várias facções políticas e religiosas nesse importante e um dos mais antigos países árabes que é o Líbano. Nesse acordo ficou assegurado pela nova constituição em seu artigo 49, que o presidente do país deveria ser sempre um cristão maronita (católico do Oriente), o primeiro ministro sempre um muçulmano sunita e o presidente do parlamento sempre um muçulmano xiita (hoje esse cargo é de Nabi Berri).
Apesar de acharmos estranho essa divisão em especial a questão de fundo religioso, na verdade, as diferenças acabam sendo sempre de ordem política. Temos dito isso aqui nesta colunas nesses anos todos. E o caso libanês é o mais emblemático disso. Enquanto os xiitas no Iraque apoiaram a ocupação e os sunitas nesse país resistem de armas nas mãos, no Líbano, os xiitas são de oposição aos estados Unidos e à Israel e os sunitas são seus amigos.
Neste caso, o primeiro Ministro, Fouad Siniora, sunita, é pró-americano e amigo de Israel, ainda que ele não diga isso e não se expresse dessa forma. No entanto, quem resistiu aos 32 dias seguidos de ataques aéreos e do exército de Israel entre julho e agosto de 2006, foram os xiitas, especialmente os ligados ao Partido de Deus (Hezbolláh, liderados por Hassan Nasralláh). Fouad nada fez com seu exército.
O mandato do atual presidente Emile Lahoud, que apoia a luta dos libaneses contra os Estados Unidos e Israel, é cristão – como deve ser pela constituição – termina no próximo dia 23 de novembro, sexta-feira. Portanto, no sábado, dia 24, teria que tomar posse um novo presidente do país. O impasse é grande. As eleições não são diretas, mas é o parlamento quem escolhe o presidente.
Entre as 128 cadeiras do parlamento, o novo presidente deve ter pelo menos 65 votos de deputados. As eleições já foram adiadas duas vezes. A primeira, deveria ter ocorrido em 25 de setembro, a segunda em 23 de outubro e este mês de novembro já ocorreram várias tentativas de eleições, mas o acordo político não se estabelece entre as várias forças e correntes.
Os candidatos colocados
Existem dois movimentos fortes, blocos de deputados e partidos coligados no Líbano. De um lado, os apoiadores do atual primeiro Ministro, Fouad Siniora, que se articulam em torno do Movimento 14 de Março, cujo líder no parlamento é Saad Hariri, filho do ex-primeiro Ministro assassinado em 2005, Hafic Hariri. Num outro bloco, chamado Movimento 8 de Março, estão os partidos Hezbolláh, Amal, do general cristão Michel Aoun, muitos sunitas que discordam de Siniora e a maioria dos xiitas do país, bem como o Partido Comunista Libanês. O general Aoun tem apoio no parlamento da Corrente Patriótica Livre (CPL), cujo líder é Antoine Nasralláh.
O bloco governista, que apoia Fouad Siniora, tem dois candidatos e estes são fortes: Boutros Harb e Nassib Lahoud (este último, apesar do sobrenome da mesma família de Emile, são rivais políticos no país). Boutros, como o próprio nome indica, é cristão e atual ministro da Justiça. Lahoud é um dos deputados desse bloco anti-Síria do parlamento.
No campo da oposição, surge como candidato único e destacado, o general Michel Aoun. Seus apoiadores estão entre o seu próprio grupo, o Amal, o Hezbolláh, que são xiitas e vinculados à Síria e ao Irã, os comunistas e o Movimento Patriótico Livre. Aoun, disparado o melhor candidato, defende a formação de um gabinete de unidade nacional, com a renúncia do atual primeiro Ministro, Siniora, que perdeu representatividade, não defende mais o Líbano e tem fortes vínculos com os Estados Unidos. Prega um Líbano autônomo, soberano e independente. O general que já foi exilado e lutou contra a ocupação do Líbano pelas tropas sírias, hoje defende uma unidade política com esse país vizinho, que sempre foi aliado dos libaneses na luta contra Israel e em apoio à causa palestina.
As pesquisas de opinião dão conta de que os libaneses defendem um candidato de consenso e que defenda o país e mantenha a sua autonomia e sua independência. Nesse sentido, o passado político e a história do general cristão Aoun é a que neste momento melhor representa esses interesses. O que esta em jogo é, dentro da geo-política do Oriente Médio, onde Bush quer construir um mundo árabe pró-americano, é defender um Líbano árabe e que se relacione prioritariamente com os seus vizinhos árabes e não um Líbano sem autonomia, que seja subserviente aos Estados Unidos e à Israel, como vem ocorrendo.
No entanto, temos que reconhecer que a sociedade libanesa encontra-se dividida. Isso ocorre em vários países neste momento histórico em que vivemos. De um lado, partes expressivas dos povos já se levantam, de forma consciente, defendendo um distanciamento da nefasta política americana, que prega a submissão, pelas armas inclusive. De outro lado, uma parcela desses povos, cuja consciência ainda não consegue perceber esses problemas, acaba apoiando os Estados Unidos e seu modo de vida ocidental.
De nossa parte, distante que estamos desse processo, mas acompanhando de perto, entendemos, nesse cenário, que o candidato hoje a presidente que pode melhor expressar esse momento histórico que vivemos, sem dúvida alguma, é o general Michel Aoun. General e cristão, terá apoio, seguramente, de todas as forças políticas patrióticas e progressistas. O que não temos a certeza é que se ele terá os 65 votos necessários para sagrar-se vitorioso. Não estranharíamos se, no sábado, dia 24, o Líbano acordasse com dois presidentes eleitos, um da situação e outro da oposição, como já ocorreu na década de 1980. No Oriente Médio, em política, tudo é possível.
Voltaremos ao assunto em breve
Nota
Na semana que vem comentaremos a reunião marcada pelos Estados Unidos, para Anápolis, no final do mês, que deve discutir a paz entre palestinos e israelenses.