“Educação” – Jogo de aparências

Rito de passagem da jovem Jenny serve para diretor Lone Scherfig tratar das aparências de classe

Educação”, de Lone Scherfig, é daqueles filmes que aparentemente não têm pistas que indiquem seu desfecho. O escritor britânico Nick Hornby constrói um roteiro que aborda o comportamento da burguesia inglesa, as atrações que ela exerce sobre a classe média, o princípio de que a solução não é um casamento sólido, mas a solidez de uma formação acadêmica. Então vale mais aqui a maneira como o diretor conduz a narrativa para manter a atenção do espectador.

A ação bem delineada faz com que ele perceba para onde a história vai. Com os personagens se encaixando na trama sem parecer forçado. Mais que personagens, eles parecem símbolos de uma Londres atropelada pelo rock dos Rolling Stones, cujas pedras musicais rolaram sobre os bons costumes ingleses na década de 60.

Hornby quase o prenuncia no comportamento da espevitada Jenny (Carey Mulligan) e de suas duas amigas. Ela então seria o protótipo da rebelde dos primórdios dos anos 60, antes que os movimentos de liberdades civis mudassem o conceito de transgressão, pois exigia participação política. Coisa que passava longe elas.

O sonho de Jenny é estudar Latim, na Universidade de Oxford, para garantir seu futuro. O pai Jack (Alfred Molina) se desdobra para tornar este sonho realidade. Seu universo se resume a isto, até conhecer o sedutor, David Goldman (Peter Sarsgaard), que tem lábia para tudo. Conquista não só a ela, como seus pais. Ambos se deleitam com a possibilidade de a filha, finalmente, entrar para a alta classe londrina. O que para a classe média britânica vale mais do que o diploma em Oxford.

O surgimento de David na narrativa permite a Hornby e Scherfig desdobrar a camada do rito de passagem de Jenny, de garota transgressora para jovem deslumbrada com o glamour, os ambientes sofisticados e a chance de expor sua cultura francesa que, à menor possibilidade, desfila perante seu interlocutor. Seu deslumbre é ampliado quando ela frequenta o mundo do judeu David e seus amigos, o casal burguês de fato, Danny (Dominic Cooper) e Helen (Rosamund Pike. Sente pertencer àquele mundo, não por origem de classe, mas por sua cultura francesa.

Este mundo de deslumbre, de boa conversa, é também o mundo dos descompassos entre o que se fala e o que se mostra e suas camadas submersas. Jenny o aprende da pior maneira possível: em si mesma. Todo aquele glamour burguês estava assentado em trambiques, manipulação, exploração, que ela vai presenciando até cair na armadilha para a qual não estava preparada. Nem os próprios pais, uma vez que suas crenças nos valores burgueses ficavam aquém de sua compreensão das camadas submersas, tratadas por Hornby e Scherfig por meio de elipses, metáforas e insinuações.

Ela, porém, não podia se dizer inocente, tinha já o vislumbre de quem era David. Apenas seu fascínio pelo mundo de luxo que passara a frequentar não a dotou da malícia e coragem suficientes para confrontá-lo até que tudo desmoronasse. Ela o desvenda de forma radical, já perdera parte de sua inocência, desprezara um dos pilares da classe média e da burguesia inglesa ao preferir o casamento à educação superior numa faculdade de ponta – e estava agora sem onde se escorar. Nem sua família lhe servia de suporte.

Desta forma, “Educação” não é um filme sobre uma inocente transgressão. O que ele mostra ao espectador é um leque de escolhas induzidas pelo jogo de aparências de classe. Os da classe média por estarem loucos para dotar os filhos, no caso a filha, de uma educação que os torne parte da estrutura de classe capitalista, e de jogar seus “princípios” pro ar quando surge a chance de casá-los com um suposto burguês. Os da burguesia por se sustentar através de trambiques e usar a classe média para cometê-los, no caso de David, enquanto preserva seu status. E tentam, ambos, conviver sem conflitos.

Tudo, entretanto, fica subentendido. David, apanhado em suas tramóias, dá a Jenny a noção de suas atividades. Aluga imóveis de áreas nobres para a comunidade negra buscando, supostamente, degradá-las e, então, as compra para revendê-las aos brancos por alto preço. Não há exposição alguma, só a cena de David ajudando a família negra a entrar no prédio que ele é o senhorio. Hornby resolveu a questão por meio de uma frase do diálogo dele, David, com ela, Jenny. Idêntica saída encontrou para mexer com o anti-semitismo inglês, por meio, outra vez, de uma rápida frase da diretora do colégio, Walters (Emma Thompson), com Jenny sobre os judeus. Só de leve, sem entrar em detalhes.

Fosse mais contundente “Educação” seria uma obra de alto nível sobre as aparências de classe e suas contradições. No entanto, ele e Scherfig se prendem mais a Jenny e seu forçado rito de passagem. Ela se contrapõe aos demais por certa pureza e inocência, típica de sua idade, em que as descobertas sempre vêm cheias de brilho e credulidade. O necessário para ela retomar seu caminho, numa busca, agora, por segurança, não por status e aparências. Solução que antes lhe foi apontada por Walters e sua professora Stubbs (Olívia Willians) e à qual desprezou e que, naquele instante, a ela se agarra para não sucumbir, mais uma vez, às mortíferas aparências.

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