Eleonora e Dilma

Dona Eleonora, de Gurupi(TO), estava na Praça dos Três Poderes, defronte ao Palácio do Planalto, quando o então presidente Lula passou a faixa de chefe da nação a Dilma Rousseff. Mesmo um pouco distante, ela se concentrava no que ocorria no púlpito do Palácio. No passar da faixa, dona Eleonora chorou copiosamente.

Ela era uma das milhares de almas que lotavam a Praça, muitas, como ela mesma, vindas dos mais remotos rincões do País para ver a posse da nova presidente e a despedida de Lula.

Havia pessoas sozinhas, casais com filhos e grupos em comitivas, que se deslocaram de carro, ônibus ou de avião, pois “agora dá pra gente também”, disse um militante do PT de Salvador(BA).

Dona Eleonora veio em uma van fretada por ela e umas amigas. “Acaba que ficou barato”, comentou ela, “porque a gente pagou só o óleo e a comida”. Os maridos ficaram em Gurupi, na retaguarda, exceto o motorista, marido de uma delas.

O coletivo gastou 11 horas para percorrer os 750km que separam Gurupi de Brasília. Chegou ainda pela manhã, com algum tempo de folga para eventualidades. O motorista era o único que conhecia a Capital e levou o grupo para lanchar na rodoviária do Plano Piloto.

As 12 mulheres estavam, portanto, no meio do Eixo Monumental, a pista central da cidade, onde começa a Esplanada dos Ministérios. Era grande o movimento de chegantes de outros pontos do Distrito Federal ou de cidades do seu entorno, em ônibus urbanos.

A van pôde chegar só até o primeiro retorno para veículos na Esplanada, onde o trânsito já estava interrompido. As viajantes seguiram a pé até a Catedral. O céu nublado prenunciava chuva, ou melhor, mais chuva, já que desde a véspera caia muita água.

Dona Eleonora e as amigas aproveitaram para conhecer a “famosa” Catedral e tirar algumas fotos, até a chuva descer. Elas seguiram, então, o exemplo da multidão que já ali se aglomerava, e abriram os guarda-chuvas que traziam nas bolsas.

Não tardou muito para a comitiva da presidente chegar, sob chuva. A partida para o Congresso Nacional, segundo ponto do roteiro, teve que ser com a capota do rolls-royce presidencial abaixada, para decepção de quem estava ali e ao longo do percurso.

No Congresso, a comitiva usou a garagem, deixando de lado a rampa que Dilma subiria para a solenidade de posse, no plenário da Câmara Federal. Enquanto isso, dona Eleonora e suas amigas seguiam a pé pelo gramado lamacento da Esplanada. E a chuva diminuindo, até parar.

Ao redor do Congresso, a multidão aumentava e era contida pelos cercados de metal controlados por policiais. Era a esperança de ver a saída da presidente pela rampa e, depois, o trajeto em carro aberto até o outro lado do prédio, onde está o Palácio do Planalto.

Ali, dona Eleonora orientou-se com policiais sobre o restante do evento. Diante das explicações, que davam conta de que as pessoas que estivessem nas áreas cercadas do percurso não poderiam ir direto para a Praça dos Três Poderes, as mulheres resolveram seguir em frente e aguardar diante do Planalto.

A praça já estava repleta de gente que havia tomado a mesma decisão de se posicionar logo no espaço da parte derradeira da troca de comando. Foi ali que eu encontrei dona Eleonora. A parte anterior do trajeto do seu grupo, ela me contou. A parte seguinte eu acompanhei.

Tudo ali era novidade para aquele grupo. A começar pelos prédios do Poder Central, que chamavam atenção e provocava comentários delas.

A grande quantidade de pessoas trajando roupas e empunhando bandeiras de partidos era um espetáculo à parte. A alegria manifestada pelos sorrisos, pelos gritos, batuques e cantorias encantavam dona Eleonor.

Ela própria ostentava no peito um adesivo com o rosto de Dilma que alguém havia colado no trajeto. Mas, nem ela, nem suas amigas são filiadas a partidos políticos. “Esse foi o jeito que a gente achou pra mostrar nossa felicidade com o Brasil e torcer pra dona Dilma”, explicou.

Com jeitos simples, trajes ajeitados, o grupo tinha opiniões e histórias parecidas para contar. O avô de dona Eleonora chegou à região sul de Tocantins, onde hoje está Gurupi, quando aquilo ainda era Goiás. Saiu do norte de Minas Gerais para abrir as picadas do que viria a ser a rodovia Belém-Brasília.

Seu pai, ainda jovem, seguiu a mesma trilha. Casou-se por ali e teve oito filhos. Eleonora fez 2º grau e virou professora. Seu marido vivia de roçados e biscates. Mas agora é operário de usina de biodiesel. O filho mais velho já cursa agronomia na Universidade Federal do Tocantins, em Gurupi mesmo.

“Com Lula nossa vida mudou demais, meu Deus”, afirmou. “Meus parentes, meus colegas de trabalho, todo mundo vivia em dificuldade, mas com a bênção de ‘são’ Lula, mudaram a vida pra melhor. E a ‘santa’ Dilma vai rezar no mesmo rosário”, sentencia.

Quando Dilma e Lula desceram a rampa do Palácio, dona Eleonora danou a chorar de novo. Chegou perto de Lula nos alambrados e acenou para Dilma.

Depois, sob nova chuva, seguiram para encontrar a van e pegar o caminho de casa. Com missão cumprida.

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