Emendas à Constituição no Brasil e nos EUA

É comum, nos debates, as pessoas lembrarem que a Constituição dos Estados Unidos da América sofreu apenas 27 emendas desde sua promulgação em 1787, há 221 anos, enquanto a brasileira, de 1988, com apenas 20 anos, já foi emendada mais de 60 vezes (seis eme

Há dois aspectos que diferenciam essas duas realidades.


 


 


O primeiro é que a Constituição dos EUA, com apenas sete artigos (mais algo como 24 seções, equivalentes a um parágrafo, e 27 emendas), fixa somente princípios gerais, enquanto a brasileira é programática, com elevado nível de detalhe, justificando mudanças com menor intervalo de tempo.


 


 


Uma explicação razoável para o fato de a Constituição dos EUA ser de princípios, com poucos artigos, é que ela foi elaborada num período histórico em que não existiam conquistas sociais, a sociedade da época lutava para consolidar os direitos civis e políticos, diferentemente da brasileira, que foi promulgada na quarta geração de direitos (civis, políticos, sociais e difusos, como ambientais, do consumidor e as políticas afirmativas ou de quotas), o que exigia uma melhor disciplina sobre uma série de direitos, especialmente os direitos humanos.


 


 


O segundo se refere ao ritmo de emendamento das duas constituições.


 


 


Para emendar a Constituição brasileira, cuja iniciativa pode partir de 1/3 dos deputados ou dos senadores, do presidente da República ou mais de metade das assembléias legislativas (pelo menos 14 de 27), exige-se a votação do texto em dois turnos, nas duas Casas do Congresso (Câmara e Senado ou Senado e Câmara, na hipótese de iniciativa de senadores), com o voto favorável de 3/5 dos deputados (308) e dos senadores (49).


 


 


Já a Constituição dos EUA, somente por iniciativa de dois terços dos membros da Câmara e do Senado ou a pedido de dois terços dos 50 estados (33 dos 50 estados), poderá ser emendada e, para a emenda entrar em vigor, necessita que seu texto seja ratificado por três quarto dos estados (38 dos 50 estados).


 


 


E lá, diferente do Brasil, os estados-membros têm uma competência mais ampla, para não dizer mais autonomia em relação a União.


 


 


Por esta simples comparação, nota-se que as dificuldades para emendamento da Constituição dos EUA são muito maiores do que as brasileiras, porque exige que três quartos dos estados ratifiquem a emenda para que ela entre em vigor.


 


 


Seria, no caso brasileiro, o mesmo que exigir que 20 das nossas 27 unidades da federação (26 estados e o DF) aprovassem a emenda para que ela passasse a vigorar.


 


 


E, com o atenuante, de que os estados brasileiros não possuem nem a metade da autonomia dos estados nos EUA.


 


 


Além disto, se considerarmos que a Constituição dos EUA possui apenas sete artigos, com 24 seções (equivalentes a um parágrafo cada, porém sem inciso ou alínea), ela, com todas as dificuldades, já teria recebido mais emendas do que seu número de seções.


 


 


Se for mantido o ritmo atual de emenda à Constituição brasileira, precisaríamos muito mais do que os 221 anos da Constituição dos EUA para que o Congresso aprovasse um número de emendas constitucionais correspondentes à quantidade de títulos, capítulos, seções, subseções, artigos, parágrafos, incisos e alíneas  de nossa Constituição.


 


 


Por último, a cultura norte-americana é mais contratualista do que positivista.


 


 


As dúvidas constitucionais são dirimidas pela Suprema Corte, que interpreta o texto constitucional, valendo esta interpretação como lei, com uma freqüência maior que o Brasil altera a sua Constituição.


 


 


Logo, sem entrar no mérito das emendas (nem de lá nem tampouco de cá), não dá para comparar países com cultura e desenho federativo diferentes, como se um fosse melhor ou superior que o outro.


 


 


A comparação, em geral utilizada, é feita por aqueles que desejam suprimir as garantias sociais, previdenciárias, trabalhistas e ambientais que a Constituição brasileira ainda assegura ao povo.

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