Escondidas das portas

.

Foto: Dima Pechurin/Unsplash

Alecrim de tabuleiro, na garrafa branca, num dia frio… Chá quente…Tocava Cartola. O sol nem apareceu neste dia. A casa estava cheia, pelo menos da falta de respostas. 

Sobrava e faltava tempo. A cada instante sujava a casa só para despistar a inquietação.  Aumentava o som para ressuscitar Cartola ou, pelo menos, fazer de conta que ele estava sentado no banco de madeira, rodeado de flores, cantando e conversando.   

A companhia era a de Cartola e de vários intrusos que entravam sem pedir licença, pela porta escancarada dos pensamentos. Ali ficavam tocando vinis arranhados.  

O alecrim já se acabava. Duas garrafas cheias e quentes. O humor continuava o mesmo. Cartola já estava enchendo o saco – a paciência sempre foi curta.    

A vontade era pegar todos os baús empilhados na casa e os encher de tédio, trancafiá-lo, ainda que o tédio, infelizmente, não se prenda. Quem sabe não seja o caso de aprender a chuta-lo para que ele desapareça no espaço? 

Pega Maiakovski. Senta no vaso sanitário e começa a ler seus bordados de palavras cheios de dor: Descarrega! Maiakovski volta a descansar na estante.      

A casa ficava pequena; os abraços, proibidos. O pote de vidro onde se guarda o alecrim foi ficando vazio e transparente. O celular foi triturado com marretadas, enquanto assobiava como os passarinhos e conversava consigo.    

Em suas casas, as dores se escondem das portas. Amanhã, mesmo com vacinas, elas continuarão escondidas se não forem puxadas para a porta.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *