Esgotamento de um projeto? E o politicamente correto

Tem-se falado muito aqui em Brasília do fim de um ciclo e necessidade de reagrupamento de nossas forças. Os sociólogos e políticos, em geral, falam da conformação de uma “nova maioria” capaz de tocar adiante o aprofundamento de mudanças iniciadas em 2003. O foco é a política e a transformação qualitativa da correlação de forças. E o elemento subjetivo?

Existe, sim, esse elemento da correlação de forças. Expressão disso foi o exato momento em que o governo da presidenta Dilma passou – como uma das respostas às manifestações de junho – o bastão da política monetária ao Banco Central. Um retrocesso fatal, uma anomalia política que somente a correlação de forças não é capaz de explicar. Afinal a estruturação de uma estratégia independe da correlação de forças. Depende de uma visão de país que ultrapasse os escaninhos da inflação do tomate.

O elemento estratégico deve passar a ser um dos fatores de explicação para o ocaso de um pensamento político que se reverberou em denunciar as mazelas sociais de nosso país e que, não pensou duas vezes em se utilizar da taxa de câmbio e o ferramental dos juros para combater a inflação. Das duas uma, ou não existe projeto estratégico ou o nosso projeto se diferencia – somente – pela utilização da margem de manobra do crescimento pela via do consumo. Em ambos os casos, estrategicamente, dá no mesmo. E a razão é simples: a via do crescimento pelo consumo em algum momento se chocará com algum nível de inflação.

A mudança do padrão de crescimento diante da ameaça inflacionária é algo que qualquer keynesiano menos fanático sabe que se enfrenta pela mão nada única do incremento do investimento. Aí começa o problema que a correlação de forças em si não explica. Esquerda e direita juram de pé juntas que a maior ameaça à renda dos trabalhadores reside na inflação e que, portanto, combatê-la é uma questão fulcral. Aumentam-se os juros e que se movam todas as energias da nação contra a ameaça de desvalorização cambial. A direita falando em inflação como inimiga número um do poder de compra redunda, como sabemos, em uma farsa comprovada pelos últimos anos do governo FHC. Já uma ampla maioria de burocratas e pensadores de esquerda comungando da mesma opinião e receita, só se pode prever uma tragédia.

Posso estar exagerando, puxando a corda. Mas os números de nossos déficits nas contas externas, a relação entre taxa de investimentos x PIB e a gangorra cambial brasileira só pode ser caracterizada como uma tragédia amenizada pela demanda asiática por commodities e, socialmente, por políticas distributivas e uma correta perspectiva de valorização do salário mínimo.

Existe esgotamento de um projeto que demande a formação de uma nova maioria? Vejo dois níveis de análise. Sim, existe a demanda pela formação de uma nova maioria ou, na visão do PCdoB, de um “bloco de afinidades de esquerda”. Por outro lado, não vejo projeto esgotado pelo simples fato de não existir um projeto claro. Distribuir renda sem alavancar a taxa de investimentos não pode ser visto como um “projeto” e sim como uma aventura que poderá fazer nosso país retroceder à Idade da Pedra que julgamos ter sido superada pela revolução de 1930.

E não temo ser politicamente incorreto ao afirmar isso, pois o aumento da massa salarial nos últimos anos não foi acompanhado por elevação na produtividade do trabalho. Logo, nosso mercado interno tão aclamado como para-choque da crise de 2008 antes de ser institucionalizado à produção nacional foi capturado pela produção externa como fruto de uma política cambial deliberada para enfrentar a clara inflação que esse aumento de demanda teria como expressão.

Buscar afinidades, neste aspecto, passa a ser não somente uma coisa óbvia diante da ofensiva conservadora e ultrarreacionária. Existe um problema claro de convicções em torno de algo que deveria ser basilar para qualquer projeto político sério e consequente – forjado, concebido e nucleado por forças de esquerda. Refiro à centralidade do desenvolvimento.

Porém, agenda do desenvolvimento choca-se com a mediatriz que vivemos do “politicamente correto”. Sinônimo, não antônimo, de “ditadura da mediocridadade”. “Politicamente correto” e “ditadura da mediocridade” em economia se traduz em consensos reacionários entre os quais para quem os ganhos proporcionados pelo Plano Real são obra de uma estranha (do ponto de vista da ciência social séria) “estabilidade monetária”. Por sua vez, essa máxima da “estabilidade” transmutou-se em ideologia oficial de Estado. Daí foi um salto a jihad contrainflacionária ser comungada por quase todo o espectro do quadro político nacional.

Escrevo isso em meio a leituras de postagens de amigos petistas no Facebook onde quadros comparativos entre as taxas de inflação nos governos FHC, Lula e Dilma são expostos. Difícil fazer crer que o debate eleitoral deverá ser reduzido a quem combateu mais a inflação, nós ou eles. Vivemos o reverso da moeda da via prussiana iniciada com a revolução de 1930. Cômico e trágico.

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