Espaço para a Arte

Inicio hoje, nesta coluna do Vermelho, a difícil mas apaixonante tarefa de escrever quinzenalmente sobre Arte. Como artista plástica, considero que vivemos tempos onde a reflexão sobre Arte, e sobre Cultura, é das mais importantes.

Nós que vivemos com os olhos no futuro, buscando uma transformação radical da sociedade capitalista para o Socialismo, não podemos esquecer jamais que as cores desse Futuro, neste momento conjugam em si um quadro que é feito de mudanças políticas e econômicas, mas também culturais.

Vivemos tempos muito complexos. O capitalismo financeirizado cada vez mais excludente, nestes tempos que alguns denominam de pós-modernos, traz sérios problemas à existência humana, afora os problemas ligados à alimentação, moradia, saúde, educação, trabalho e violência. O ser humano “pós-moderno” vê-se diante de um mundo altamente caótico e competitivo, deixando o indivíduo perdido em meio à luta do dia-a-dia, numa verdadeira guerra de sobrevivência. E a guerra é sempre mais pesada para o lado dos mais fracos. Estou começando a dizer o seguinte: os tempos atuais são tempos muito complexos e que merecem nossa atenção e nosso estudo para que possamos melhor compreender em que terreno pisamos e que tempo é este.

Mas falo de Arte. Qual o papel da Arte dentro de tudo isto? Qual o papel do artista? Arte para quê e para quem? Há uma Ideologia por trás de uma estética artística? Essas e outras perguntas que foram objeto de debates infindos há mais de cem anos, se colocam uma vez mais na ordem do dia. Aqui lembro de quanto o pensamento marxista foi um ponto atrator para intelectuais e artistas, desde os seus primórdios, e inspirada nesta tradição é que pretendo escrever quinzenalmente nesta Coluna, como um local para expor idéias e mesmo provocações sobre Arte. Oxalá mais pessoas se juntem para que possamos ampliar ao máximo esse debate tão importante.

Precisamos proceder a uma revisão urgente sobre a vida presente também do ponto de vista cultural e artístico. Vivemos o fim de um ciclo ainda sob os efeitos dos valores da modernidade, mas amargamos também características de uma pós-modernidade alucinativa. Nos perdemos? Sim! Em alguns momentos ficamos meio tontos, às cegas tateando discursos salvadores que nos guiassem em meios aos Infernos, mas a intenção deve ser agora afastar as brumas e tentar olhar para os pés fincados bem no meio da Realidade.

E falo de Arte.

Desde os anos 40 e 50, quando todos os movimentos modernistas do mundo já tinham se rebelado contra a arte burguesa e mesmo contra a burguesia (sim, porque não podemos esquecer de que a luta de classes atinge todos os setores sociais, inclusive as artes e a cultura), percebemos pouca inovação e originalidade no tipo de arte que se produz nas metrópoles primeiromundistas que influenciam nossas artes. Todos os ismos, foram criados – nas artes – entre 1900 e 1940. Inúmeras experimentações foram feitas com cores, com texturas, com material, com instalações, com objetos. Mas naqueles tempos de rebeldia tudo fazia e tinha um sentido.

Na URSS, após 1934, vivemos um período de imposição de uma estética artística, o realismo social, que bloqueou as experimentações estéticas plásticas que vinham sendo feitas por artistas russos. Mas um fato também novo e importante aconteceu. Devido ao crescimento imenso da ideologia socialista pelo mundo, a CIA estadunidense investiu bilhões de dólares em academias, galerias, museus e exposições de arte, para favorecer uma arte que se contrapusesse à ameaçadora crítica social: o Expressionismo Abstrato. Em seu livro “Quem pagou a Conta – a CIA na Guerra Fria da Cultura”, a jornalista inglesa Frances S. Saunders denuncia o emaranhado de relações que foram criadas através dessa Agência entre seus agentes e artistas e intelectuais pelo mundo. A ordem da CIA era bem clara: propagar ao máximo a arte abstrata, vendê-la como produto de alta qualidade, e que ela se impusesse no mundo das artes como novo padrão estético. A idéia era cooptar artistas e intelectuais pelo mundo, arrancá-los da influência que o ideal socialista exercia.

Hoje, mais de 40 anos depois, o que vemos? A realidade não é mais referencial para a “arte” exposta nos MAM's ou MAC's (museus de arte moderna e de arte contemporânea), e nos salões e galerias de “arte” contemporânea. Expõem a mesmice da arte conceitual e instalações absurdas. Nada há de novo, mas o frisson é buscar o “novo”. Mas o “novo” que existe é um amontoado de teoria sem sentido. Criam-se conceitos que sustentem “obras de arte” que duram no máximo alguns dias. Hoje, nessa arte-mercadoria, tenta-se até repetir um padrão de rebeldia que só fazia sentido sob aquela conjuntura anterior, mas que são apenas pequenas contravenções de uma burguesia com vergonha de si mesma!

Como artista plástica e também como comunista proponho a discussão sobre esses temas, uma vez que por trás dessa “arte” – para os quais alguns desavisados ainda ensaiam algum aplauso – está impregnada toda uma carga de ideologia altamente conservadora. Uma minoria, sustentada pela mídia monopolista, tenta impor e dominar a estética artística atual. O deus-Mercado impõe um padrão que deve ser seguido à risca. Curadores em geral, com exceções, são apenas os mercadores de uma feira repleta de vendilhões de arte de péssima qualidade.

Precisamos defender a heterogeneidade da Arte e lembrar que a relação do ser humano com a vida material da sociedade não se dá unicamente através da política e da economia, mas inúmeros outros fatores estão também contidos aí, incluindo a reflexão, a imaginação, a criatividade. A Arte fortalece o vínculo entre o real e o imaginário, eleva o espírito e a consciência, amplia a capacidade de percepção e de interação com o mundo. Prometeu, o que roubou o fogo dos deuses para aquecer a vida dos homens, é a imagem própria do artista que cria a Beleza que proporciona prazer estético que faz calar, contemplar, emocionar, inspirar… Seja através da Música, da Poesia, da Dança, do Cinema, do Teatro e das Belas Artes. Todo ser humano tem direito ao prazer estético! Mas sob o capitalismo, Música, Poesia, Dança, Cinema, Teatro e Pinturas se transformam em mercadoria, em utilitário gerador de investimento e status para uma única camada social, os detentores do dinheiro.

Está dado o início à conversa… Espero que ela renda frutos que possamos colher em enriquecimento intelectual e artístico entre nós.

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