Estudo do Ipea sobre desigualdade da renda

Estudo do IPEA mostra que desigualdade funcional da renda é alta e ainda não mudou. Divulgado em geral de forma superficial pelos meios de comunicação durante a semana passada, o estudo traz uma notícia boa e outra ruim.

De um lado, verifica-se a redução do leque salarial ou da desigualdade de remunerações no interior da classe trabalhadora entre 2002 e 2008. De outro, o Ipea também constata que a distribuição funcional da renda entre capital, trabalho e governo em nada mudou no período.


 


 


Os economistas caracterizam como distribuição funcional a proporção em que as duas classes fundamentais da sociedade moderna, capitalistas de um lado e trabalhadores do outro, se apropriam da riqueza econômica gerada pelo trabalho nacional. Considera-se também a participação do governo, que se apodera de parte do PIB através da tributação e promove uma redistribuição dos recursos arrecadados na sociedade, transferindo renda de um setor para outro.


 


 


Redistribuição da riqueza


 


 


É importante assinalar que a redistribuição da renda pelo Estado nacional também não é alheia aos interesses de classe. No momento, quem mais se beneficia com tal redistribuição são os banqueiros e grandes capitalistas detentores de título público, por meio do pagamento de juros da dívida pública. Em 2007 os juros consumiram mais de 160 bilhões de reais, cerca de 15 vezes mais que o Bolsa Família. 


 


 


A melhoria na distribuição de renda captada pelos pesquisadores ocorreu no interior da própria classe trabalhadora, conforme transparece no próprio título do “Comunicado da presidência” do IPEA: “A queda da desigualdade entre as pessoas ocupadas”. As diferenças na remuneração dos trabalhadores, entre os que ganham menos e os que ganham mais, caíram em torno de 7% entre 2002 e o primeiro trimestre deste ano.


 


 


Leque salarial


 


 


Em outras palavras, houve uma redução do chamado leque salarial. Isto significa que os salários das faixas inferiores subiram mais do que os das faixas superiores, o que é positivo, na medida em que reduz as diferenças no interior da classe trabalhadora e as desigualdades sociais. A retomada do crescimento econômico é a principal causa do fenômeno, para o qual contribuíram igualmente a política de valorização do Salário Mínimo e o Bolsa Família.
 


 


“Com a redução do desemprego e a expansão significativa do PIB, seria razoável
esperar um crescimento da demanda por mão-de-obra principalmente de menor valor e, por isso mesmo uma elevação dos rendimentos de base em relação aos extratos de mais elevada renda”, observa o Ipea. Foi o que ocorreu.


 


 


Salário/PIB


 


 


Quando analisa a evolução da distribuição funcional da renda (entre capital, trabalho e governo), o estudo, realizado nas seis principais regiões metropolitanas do país, chega a uma conclusão diferente. A chocante desigualdade na apropriação da riqueza não foi alterada do ponto de vista das classes sociais.


 


 


“Até o ano de 2004, quando as taxas de crescimento econômico começam a se
fazer sentir”, esclarece o IPEA, “as remunerações, especificamente, perderam participação no PIB do país, caindo de um patamar de 48,8%, em 1995, para um piso de 39,8% em 2002 (39,1% em 2005). A partir daí, o que se observa é uma grande estabilidade nessa relação”.


 


 


Se a tendência atual for mantida, segundo o Instituto, “é possível afirmar que os rendimentos do trabalho alcançarão os patamares de 2002 apenas no decorrer do ano de 2009. Contudo, para isso acontecer, é imperioso que o Brasil mantenha seu atual ritmo de crescimento econômico.”


 


 


Questão central



 


 


Do ponto de vista da classe trabalhadora e do movimento sindical, um dos mais graves e aberrantes problemas sociais do Brasil reside precisamente na distribuição funcional da renda. Nos países onde as relações sociais são mais avançadas e civilizadas a participação dos salários no PIB chega a 70%, no nosso próprio país alcançou mais de 50% nos anos 1980, caindo dramaticamente com a estagnação econômica e o neoliberalismo os 39,1% verificados em 2005.


 


 


Aumentar a participação dos salários no PIB é um objetivo central em um novo projeto de desenvolvimento nacional fundado na soberania e na valorização do trabalho. Este objetivo também foi apontado como prioridade pelo ministro Extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, em sua proposta para “reconstrução das relações entre o trabalho e o capital no Brasil”.


 


 


Reforma tributária


 


 


Conquistar uma parcela maior da renda nacional para a classe trabalhadora não será possível sem lutas, iniciativas e medidas políticas orientadas para reverter a lógica que preside a apropriação e distribuição do produto no capitalismo brasileiro. As batalhas pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários e ratificação da Convenção 158 da OIT têm grande relevância neste sentido.


 


O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, também destaca a necessidade de uma reforma tributária guiada pelo princípio da progressividade (quem tem mais paga mais). A proposta encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional é tímida e não avança nesta direção. A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) aponta oito pontos que deviam constar de um novo sistema tributário concebido com o propósito de reduzir as desigualdades entre capital e trabalho, que reproduzo abaixo:


 


1- Regulamentar e implementar o Imposto sobre Grandes Fortunas, que embora previsto na Constituição de 1988 (artigo 153, inciso VII) nunca foi aplicado devido à resistência das famílias e indivíduos mais ricos;


 


2- Taxar fortemente a remessa de lucros e dividendos das transnacionais;


 


3- Aumentar o tributo sobre as heranças;


 


4- Elevar o valor do Imposto Territorial Rural e tornar mais efetiva sua cobrança;


 


5- Desonerar completamente a cesta básica;


 


6- Onerar o investimento estrangeiro de curto prazo, orientado para títulos de renda fixa e ações;


 


7- Corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), aumentar o número de faixas e rever as alíquotas, que devem ir de 10 a 50%, de modo a desonerar os menores salários e onerar os maiores, reduzindo o chamado leque salarial;


 


8- Intensificar o combate à evasão fiscal e aumentar a tributação dos bancos, que hoje praticamente não pagam impostos, pois conseguem transferir o ônus fiscal aos clientes, através das tarifas e juros exorbitantes.

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